Folha de S. Paulo


Gravações mostram 'técnicas' para venda de carnes podres e proibidas

Ana Paula Paiva/Valor
Unidade da JBS em Lins (SP); empresa é investigada na Operação Carne Fraca, da PF

Gravações telefônicas interceptadas pela Polícia Federal mostram um esquema de venda de carnes podres de frigoríficos brasileiros para os mercados doméstico e externo.

A operação "Carne Fraca", deflagrada nesta sexta (17) pela PF, investiga uma suposta organização criminosa liderada por fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura, que, com o pagamento de propina, facilitavam a produção de produtos adulterados, emitindo certificados sanitários sem fiscalização.

Alguns dos maiores frigoríficos do país, como JBS e BRF, são alvo da operação. O ministro da Justiça, Osmar Serraglio, também aparece na investigação em uma conversa interceptada com o suposto líder do esquema criminoso.

A PF, no entanto, não vê irregularidades na atuação do ministro.

OPERAÇÃO CARNE FRACA
PF deflagra ação em grandes frigoríficos

Frigoríficos menores também aparecem na investigação, como o Peccin, com sede no Paraná. Em uma das conversas interceptadas, um dos donos da empresa e a mulher discutem o uso de carne de cabeça de porco em linguiças, o que é proibido pela legislação.

Em outra gravação, os sócios do frigorífico discutem como reaproveitar um presunto que, embora podre, "não tem cheiro de azedo", e por isso poderia ainda ser vendido. Em outra, combinam adicionar ácido sórbico a amostras de carne enviadas para análise de qualidade para que elas não sejam reprovadas pela fiscalização.

O frigorífico também preparava produtos durante a noite para fugir da fiscalização, segundo a PF.

OUTRO LADO

A JBS, por meio de sua assessoria, afirma em nota que a empresa "e suas subsidiárias atuam em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias em relação à produção e a comercialização de alimentos no país e no exterior e apoia as ações que visam punir o descumprimento de tais normas".

"A Companhia repudia veementemente qualquer adoção de práticas relacionadas à adulteração de produtos –seja na produção e/ou comercialização– e se mantém à disposição das autoridades com o melhor interesse em contribuir com o esclarecimento dos fatos", diz a nota.

A BRF diz, por meio de comunicado, que está colaborando com as autoridades. Ela afirma não compactuar com práticas ilícitas e que seus produtos e a comercialização deles seguem "rigorosos processos e controles"

"A BRF assegura a qualidade e a segurança de seus produtos e garante que não há nenhum risco para seus consumidores", afirma a empresa.

Em nota, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, afirma que determinou o afastamento imediato de todos os envolvidos e a instauração de procedimentos administrativos. "Todo apoio será dado à PF nas apurações. Minha determinação é tolerância zero com atos irregulares no MAPA", diz.

Ele afirma que suspendeu uma licença de dez dias que tiraria da pasta diante da deflagração da operação e que, neste momento, "toda a atenção é necessária para separarmos o joio do trigo". "Muitas ações já foram implementadas para corrigir distorções e combater a corrupção e os desvios de conduta e novas medidas serão tomadas".

O grupo Argus também divulgou comunicado em que nega irregularidades, diz obedecer "rigorosamente" as observações sanitárias e de qualidade do Ministério da Agricultura e que se solidariza com a ação da PF, "entendendo que a mesma (operação) trará benefícios significativos ao setor, através de uma competitividade justa e adequada entre seus players".

O frigorífico Souza Ramos, do grupo Central de Carnes Paranaense Ltda, diz que "colaborou no que foi possível" e que vai continuar colaborando com a Polícia Federal. A empresa afirma seguir as exigências de qualidade.

Por meio de nota, o grupo disse ainda ser importante "que se desvincule a ideia de que todas as empresas investigadas pela polícia, de fato adulterem e/ou burlem a lei, e sim fazem parte da investigação pois necessitam dos serviços do MAPA".

A Princípio Alimentos Ltda disse que foi chamada pela Polícia Federal como testemunha e que não tinha mais anda a declarar. A Sub Royal Comercio De Alimentos também disse que não vai se manifestar.

A reportagem entrou em contato e aguarda resposta das empresas Medeiros, Emerick & Advogados Associados, o frigorífico Rainha da Paz, Unifrango Agroindustrial S/A, Frigomax - Frigorifico E Comercio De Carnes Ltda, Bio-Tee Sul Am. Industria De Produtos Químicos E Op. Ltda e Primor Beef Jjz Alimentos S.A,

Peccin, Dagranja Industrial, Sidnei Donizeti Bottazzari ME, Fortesolo Servicos Integrados Ltda, Fratelli E.H. Constantino, Pavin Fertil Industria E Transporte Ltda, Primocal ind. E com. De fertilizantes ltda, Frigorífico 3D e Frango a Gosto, Santa Ana Comercio De Alimentos LTDA, Dalchem Gestão Empresarial LTDA, Fênix Fertilizantes LTDA, Multicarnes Representacoes Comerciais Ltda, Doggato Clínica Veterinária LTDA, Mc Artacho Cia Ltda, Smartmeal Comercio de Alimentos LTDA e Unidos Comércio De Alimentos Ltda não foram localizados.

*

Veja as transcrições.

Conversa entre os irmãos Normélio Peccin Filho e Idair Piccin, sócios do frigorífico Peccin:

Normelio - Tu viu aquele presunto que subiu ali ou não chegou a ver?
Idair - Ah, eu não vi; Cheguei lá, mas o Ney falou que tá mais ou menos. Não tá tão ruim.
Normelio - Não, não tá. Fizemos um processo, até agora eu não entendo, cara, o que é que deu naquilo ali. Pra usar ele, pode usar sossegado, não tem cheiro de azedo, nada, nada, nada.

Conversa entre Idair Piccin e a mulher, Nair Piccin, sua mulher:

Idair - Você ligou?
Nair - Eu, sim eu liguei. Sabe aquele de cima lá, de Xanxerê?
Idair - É.
Nair - Ele quer te mandar 2000 quilos de carne de cabeça. Conhece carne de cabeça?
Idair - É de cabeça de porco, sei o que que é. E daí?
Nair - Ele vendia a 5, mas daí ele deixa a 4,80 para você conhecer, para fechar carga
Idair - Tá bom, mas vamos usar no que?
Nair - Não sei
Idair - Aí que vem a pergunta né? Vamo usar na calabresa, mas aí, é massa fina é? A calabresa já está saturada de massa fina. É pura massa fina
Nair - Tá
Idair - Vamos botar no que?
Nair - Não vamos pegar então?
Idair - Ah, manda vir 2000 quilos e botamos na linguiça ali, frescal, moída fina
Nair - Na linguiça?
Idair - Mas é proibido usar carne de cabeça na linguiça
Nair - Tá, seria só 2000 quilos para fechar a carga. Depois da outra vez dá para pegar um pouco de toucinho, mas por enquanto ainda tem toucinho (ininteligível)

Conversa entre Idair Piccin e Normélio Peccin Filho.

Idair - Oi.
Peccin Filho - Fala.
Idair - E daí?
Peccin Filho - Aquela vaca [modo pejorativo ao qual se referem a uma fiscal que não fazia parte do esquema, segundo a PF] hoje de novo amostra de novo cara, análise.
Idair - De novo?
Peccin Filho - De novo cara, que vaca do caralho. Estava até agora separando tempero, presunto, salsicha e linguiça de frango.
Idair - Mas todos os meses assim?
Peccin Filho - Mas não faz 15 dias que mandou cara. Mandou dia 28, dia 29 do mês passado, 15 dias nem... e agora vai mandar a salsicha de novo lá para Porto Alegre, na LANAGRO, lá em Porto Alegre, de novo. Que vaca cara, e daí pegou a salsicha levou lá no SIF [Serviço de Inspeção Federal], lacrou e botou lá dentro da geladeira do SIF, dentro do freezer. Óia, vou falar para você. Que larga de uma mulher. Será que a linguiça de frango, eu vou fazer uma massada cara, vou fazer, vou tirar a pele, vou deixar só com recorte, vou diminuir a água, e, diminuo a água, diminuo a cura, e ali se ela tiver de, dá para por ácido sórbico nela?
Idair - Lactato.
Peccin Filho - Lactato?
Idair - É.
Peccin Filho - Eu vou ver se eu tenho aí. Botar o que?
Idair - 2%.
Peccin Filho - 2%? Massada 500 litros. 5 KG.
Idair - 10 Litros.
Peccin Filho - Ah, é dois, pois é, não, dois. Botar uns 8, 10 litros.
Idair - Se é 500 kg, 10 litros, bota 10.
Peccin Filho - É 500 kg.
Idair- Bota 10 litros.
Peccin Filho - Será que não é demais? botar uns 8 kg.
Idair - Não, é recomendado, os caras recomenda, se é para por menos que 2%, não faz
efeito. É o mínimo 2%.


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