Folha de S. Paulo


Apoio do Brasil a Cuba perdeu força com Dilma no governo

A boa vontade do Brasil com Cuba diminuiu bastante após a eleição de Dilma Rousseff, apesar do empenho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu padrinho político e antecessor. Os financiamentos minguaram, foram exigidas garantias mais sólidas e os subsídios caíram.

O governo cubano e a Odebrecht demonstravam apreensão desde a posse de Dilma, revelam telegramas da embaixada brasileira em Havana.

Em abril de 2011, quando Cuba solicitou a liberação antecipada de US$ 230 milhões de crédito extra para a conclusão do porto de Mariel, o Brasil respondeu que os desembolsos tinham que acompanhar o andamento da obra.

A negativa gerou mal-estar com os irmãos Castro. Um mês depois, o ex-presidente Lula desembarcou em Havana para acalmar os ânimos.

Foi recebido no aeroporto por Marcelo Odebrecht, que presidia o grupo e hoje está preso em Curitiba, e pelo ex-ministro José Dirceu, depois condenado por envolvimento no mensalão e no petrolão.

Em encontro com as autoridades cubanas, Lula garantiu a Raúl Castro que o financiamento das obras do porto de Mariel seria mantido e que Dilma era "amiga de Cuba".

Castro, por sua vez, insistiu que o porto era viável, porque confiava no fim do embargo americano, e reafirmou que "o governo cubano honrará todas as suas dívidas".

LOBBY

A Odebrecht começou então a fazer lobby para que o BNDES liberasse recursos para outros projetos, a reforma do aeroporto de Havana e a modernização de uma usina de cana de açúcar. Logo depois, a empreiteira viu seus planos ameaçados

Em maio de 2012, Alessandro Teixeira, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, esteve em Havana e disse a funcionários da Odebrecht que o Brasil não financiaria a usina e só voltaria a liberar recursos do BNDES para Cuba após a inauguração do porto de Mariel.

Os comentários de Teixeira assustaram a empreiteira. Em agosto, foi a vez de o petista Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento e hoje governador de Minas Gerais, ir a Havana falar com Castro.

O dirigente cubano disse a Pimentel que "compreendia a preocupação do Brasil com novos créditos e a necessidade de exigência de garantias", mas garantiu que seu país pagaria os empréstimos.

O governo Dilma acabou cedendo e aprovou US$ 176,5 milhões do BNDES para a modernização do aeroporto de Havana em abril de 2013, mas segurou a liberação do empréstimo até o ano seguinte.

O prazo de pagamento ficou em 15 anos e a garantia foi a receita do aeroporto, que já funcionava. A taxa de "equalização" do Tesouro para Cuba caiu dos 2,5% do governo Lula para 0,26% ao ano. A Odebrecht pediu ao Cofig que revisse o porcentual, mas não conseguiu.

Os subsídios para a modernização do aeroporto ficaram, portanto, em US$ 2,8 milhões, uma fração dos recursos liberados pelo Tesouro para viabilizar o porto antes.

QUEIXAS

Apesar da resistência do governo, os pleitos continuavam e o Brasil passou então a atrasar a análise dos financiamentos, o que levou a Odebrecht a se queixar com a embaixada brasileira em Havana.

Em abril de 2014, Lula voltou a Cuba a convite da empreiteira. Como a revista "Época" revelou em 2015, ele chegou a discutir com Castro garantias alternativas para liberar mais dinheiro do BNDES, mas não teve sucesso.

Com o Brasil entrando em recessão e o descontrole das contas públicas evidente, o governo deixou de aprovar novos projetos em Cuba. O país está pagando os empréstimos, na esperança de voltar a ter crédito do Brasil. Atrasos são pontuais e não passam de algumas semanas.

OUTRO LADO

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que recebeu recursos da Odebrecht e de outras empresas como remuneração por palestras que fez depois de deixar o governo, mas negou por meio da assessoria de imprensa do Instituto Lula que tenha recebido para defender os interesses da empresa em Cuba.

Como Lula tem reiterado desde que se tornou alvo das investigações da Operação Lava Jato, o Instituto Lula afirmou que as palestras são a única atividade remunerada do ex-presidente desde que entregou o cargo a Dilma Rousseff, em janeiro de 2011.

Ele confirmou ter feito uma palestra em Cuba no dia 26 de fevereiro de 2014 –"mais de três anos depois de deixar a Presidência da República"– e informou que recebeu por ela o mesmo valor de referência das demais 72 palestras que realizou entre 2011 e 2015 para mais de 40 empresas.

Questionado pela Folha sobre os motivos que o levaram a ignorar a recomendação dos técnicos do governo e aceitar garantias consideradas frágeis para os empréstimos cubanos, Lula não respondeu. Também não quis discutir se a amizade com Fidel e Raúl Castro influenciou a decisão de dar aval aos empréstimos destinados a Cuba.

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) informou que, dos US$ 980 milhões liberados para Cuba nos últimos anos, foram desembolsados US$ 775 milhões de 2009 a 2016, beneficiando 25 exportadores brasileiros.

O banco estatal afirmou ainda que o Fundo de Garantia à Exportação (FGE), desde sua criação, já arrecadou US$ 1,2 bilhão em prêmios pagos por diversos países para utilização do seguro que ele oferece às operações contratadas pelo BNDES.

Já as indenizações pagas pelo FGE ao Tesouro por causa de inadimplência dos importadores ficaram em apenas US$ 36,5 milhões, sendo que US$ 18,9 milhões foram recuperados posteriormente. O banco não disponibilizou dados específicos para Cuba.

Procurados, o Ministério da Fazenda e o Tesouro Nacional não responderam às perguntas da reportagem.

A Odebrecht, que no ano passado fechou acordo com o Ministério Público Federal para colaborar com a Operação Lava Jato, preferiu não dar entrevista, argumentando que os contratos eram fechados pelos governos do Brasil e de Cuba e que a empresa era só interveniente.

A assessoria de Dilma também não se manifestou.

SAIBA MAIS

Em maio de 2016, o BNDES suspendeu desembolsos de 25 linhas de crédito à exportação concedidas a empreiteiras envolvidas na Lava Jato. Elas tocavam obras em nove países.

O banco disse que faria nova análise dos projetos e condicionou a retomada dos pagamentos à assinatura de um termo de compromisso pelas empresas.

Em dezembro, a Queiroz Galvão voltou a receber para obra em Honduras. Em janeiro, houve rompimento do contrato com a OAS para obra na Argentina.

Colaborou WÁLTER NUNES, de São Paulo


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