Folha de S. Paulo


Crítica

Juventude pode ser a vítima do envelhecimento mundial

Danica Coto - 9.fev.17/Associated Press
A group of retired friends play a table top game at the beach in San Juan, Puerto Rico, Thursday, Feb. 9, 2017. The group meets at the beach meet twice a week as they enjoy their retirement. The U.S. territory's public pension system faces a $40 million deficit and is expected to collapse within a year, threatening to plunge into poverty a significant portion of a booming elderly population already struggling with higher taxes and medical bills amid an economic crisis. (AP Photo/Danica Coto) ORG XMIT: RPTDC306
Aposentados disputam jogo de tabuleiro em praia em San Juan, Porto Rico

"Vamos questionar os lugares-comuns", sugere Sarah Harper em "How Population Change Will Transform Our World" (como as mudanças de população vão transformar nosso mundo, ainda sem tradução no Brasil).

Não espere, portanto, mais um livro sobre o envelhecimento global. Até poderia ser, já que a britânica Sarah Harper é referência no assunto.

Diretora do Instituto do Envelhecimento de uma das universidades mais renomadas do mundo (Oxford, na Inglaterra), é conselheira do gabinete do primeiro-ministro britânico e do Instituto de Política Previdenciária.

O campo de atuação profissional de Harper, porém, não se restringiu à velhice.

O MAPA DO TRABALHOÁfrica e Ásia terão fatias maiores de população em idade produtiva no futuro

Pesquisadora de migrações e dos impactos sociais das mudanças populacionais, ela ensinou política pública na Universidade de Chicago e se envolveu na elaboração de programas em áreas como aposentadoria, planejamento familiar, educação feminina e empregabilidade.

O ponto de partida de Harper é o mundo real e pessoas como a nigerina Samira, a malasiana Varya e a italiana Lisa, três mulheres nascidas em 1975 que a autora apresenta no começo do livro.

Passado, presente e futuro das três ilustram como a composição dos povos vem mudando de forma desigual em diferentes regiões do planeta. São essas mudanças que Harper resume e aprofunda nos cinco capítulos seguintes.

Um leitor já cansado do tema "como haverá cada vez mais velhos vivendo cada vez mais e isso fará as aposentadorias entrarem em colapso" pode se sentir desencorajado pelos títulos dos capítulos 2 e 3 ("Como chegamos até aqui" e "O peso grisalho").

Mas Sarah Harper merece o benefício da dúvida e retribui com juros. Em texto fluente e enxuto, ela consegue em menos de 200 páginas ser densa, objetiva e original.

Preconceitos sobre a capacidade de trabalho, de consumo e de poupança dos mais velhos são contrapostos a dados –e desmontados.

Há aqui algo que poderia começar a interessar desde já os formuladores de política brasileiros: a explicação de como uma população cuja fatia de idosos é cada vez maior pode trazer um segundo dividendo demográfico –desde que as condições necessárias tenham sido criadas e preparadas para isso.

Os mesmos formuladores terão ainda mais fonte de reflexão nos capítulos seguintes, sobre juventude e infância: o Brasil envelhece, mas terá mais da metade da população em idade produtiva ao menos até 2050, diz a ONU.

E o que é feito desses jovens tem consequências econômicas e políticas sérias. "Quando pobreza, urbanização e desemprego se encontram com uma ampla fatia de jovens entre 15 e 24 anos, os conflitos se acirram", diz Harper, que acrescenta: nunca houve no mundo tantos jovens nessa faixa etária.

Eles são hoje um quarto da população economicamente produtiva, mas chegam a 40% dos desempregados.

"A demografia atual é afetada por políticas e instituições –e são elas, e não a demografia por si só, que definem o que virá no futuro."

No caso da América Latina, Harper mostra como a imensa fatia de jovens, considerada motor importante do crescimento econômico, foi desperdiçada por "governança fraca, formulação instável de políticas públicas e falta de abertura econômica."

A janela latino-americana se abriu cedo demais para países de governos corruptos, desastres financeiros (e decorrente baixa poupança) e falta de educação e saúde.

As questões não estão apenas no passado. "Estamos enfrentando no século 21 problemas para os quais instituições do século 20 estão despreparadas", argumenta.

Nos próximos 15 anos, 2 bilhões de bebês nascerão no mundo, 2 bilhões de crianças entrarão na escola e 1,2 bilhão de adultos precisará achar um trabalho, mas o grupo dos acima de 60 anos crescerá mais rápido.

"Garantir que a mudança demográfica seja acompanhada de políticas públicas nacionais e internacionais será essencial nesse futuro."

"How Population Change Will Transform Our World"
QUANTO: R$ 74,10 (LIVRO DIGITAL;160 PÁGS.)
AUTOR: SARAH HARPER
EDITORA: OXFORD UNIVERSITY PRESS,


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