Folha de S. Paulo


Montadoras sabiam havia anos do risco em airbag da Takata, dizem advogados

Scott McIntyre/The New York Times
FILE Äî Cars that were traded in because of the Takata airbag recall, at a lot in West Palm Beach, Fla., Jan. 25, 2017. Plaintiffs in a class action say internal documents from at least four automakers show that they continued to use the flawed airbags to save on costs. (Scott McIntyre/The New York Times)
Carros com airbags que apresentaram falhas de segurança

Pelo menos quatro montadoras de automóveis sabiam há anos que os airbags da Takata eram perigosos e podiam se romper violentamente, mas continuaram a usá-los em seus veículos para economizar, afirmaram advogados que representam vítimas do defeito em uma petição encaminhada à Justiça federal dos Estados Unidos na segunda-feira.

A investigação criminal do Departamento da Justiça dos Estados Unidos sobre os airbags defeituosos da Takata até o momento vinha descrevendo as montadoras como vítimas iludidas por um fornecedor inescrupuloso que manipulou dados de segurança a fim de ocultar um defeito letal, vinculado a pelo menos 11 mortes e 100 pessoas feridas nos Estados Unidos.

As novas informações contra a Ford, Honda, Nissan e Toyota, no entanto, apontam para envolvimento maior das montadoras que usaram os airbags defeituosos da Takata por anos. O defeito resultou no maior recall de veículos da história dos Estados Unidos, afetando quase 70 milhões de airbags em 42 milhões de veículos.

A petição apresentada pelos queixosos ao tribunal federal dos Estados Unidos para o distrito sul da Flórida surgiu horas antes do horário marcado para que a Takata se declarasse culpada de fraude telegráfica pela prestação de falsas informações, o que representa um desfecho raro para empresas acusadas de irregularidades. Os promotores públicos federais também anunciaram no mês passado que haviam acusado três executivos da empresa pela falsificação de dados de testes, e multaram a empresa em US$ 1 bilhão.

Em petição apresentada ao tribunal da Flórida na semana passada, as montadoras mencionaram a declaração de culpa iminente da Takata como indicação de que a fornecedora era a única culpada, e que as montadoras haviam sido vítimas de um acobertamento de informações. Mas os queixosos - que teriam vantagem em processar as montadoras, dotadas de caixas mais polpudos, em companhia da Takata - vêm argumentando há muito tempo que as montadoras estavam envolvidas de maneira mais profunda no tratamento adotado para o defeito.

No terceiro trimestre do ano passado, o "New York Times" publicou reportagens que indicavam que as montadoras, em lugar de serem vítimas dos delitos da Takata, haviam pressionado seus fornecedores a cortar custos acima de todas as demais prioridades. As reportagens tinham por foco a General Motors, que não está entre as montadoras citadas no processo da Flórida, ainda que advogados dos queixosos tenham declarado estar preparando uma ação contra a companhia.

A petição encaminhada pelos queixosos à Justiça afirma que e-mails e documentos entregues pela Honda às autoridades demonstram que, em 1999 e 2000, a montadora esteve envolvida intimamente no desenvolvimento de um problemático propelente, ou explosivo, usado nos airbags da Takata. O propelente fica abrigado em um recipiente de aço conhecido como "inflater" [inflador], que no caso dos produtos da Takata corre risco de ruptura, e dispara fragmentos metálicos na direção do motorista ou passageiros do carro.

O proponente, baseado em um composto volátil, causou preocupações de parte de funcionários da Takata, na época, e incomodou os engenheiros da empresa por muito tempo. E durante testes dos "inflaters" da Takata em 1999 e 2000 nas instalações da Honda, pelo menos dois deles se romperam, de acordo com os documentos. Ainda assim, a montadora pressionou pela adoção de uma configuração especialmente problemática do propelente, desconsiderando as objeções da Takata. A Takata optou pelos airbags da Takata devido ao seu custo "relativamente baixo", segundo documentos da Honda mencionados na petição.

Os primeiros recalls dos airbags da Takata só viriam a acontecer quase uma década mais tarde, quando a Honda fez o recall de quatro mil veículos em 2008. O "New York Times" reportou que a Honda e a Takata foram informadas sobre a explosão do airbag de um Honda Accord no Alabama, em 2004, que disparou fragmentos metálicos e feriu o motorista do carro. Mas as duas empresas classificaram o incidente como "anomalia", e não promoveram um recall ou solicitaram o envolvimento das autoridades federais de segurança automotiva dos Estados Unidos.

A petição menciona documentos internos da Ford, Nissan e Toyota indicando que considerações de custos influenciaram a decisão da montadora de automóveis quanto a adotar os airbags da Takata, no começo dos anos 2000, a despeito das preocupações de segurança.

A Toyota usava os airbags da Takata "primordialmente" por motivos de custo, ainda que a montadora tivesse "sérias preocupações de qualidade" sobre a Takata e considerasse o desempenho da fornecedora quanto à qualidade "inaceitável", segundo a petição. Em 2003, um "inflater" da Takata se rompeu durante um teste nas instalações da Toyota, afirma a petição.

Em 2005, a Nissan começou a investigar a possibilidade de adicionar um agente de secagem aos "inflaters" dos airbags da Takata, devido à preocupação de que exposição à umidade tornasse o propelente especialmente instável, segundo a petição. Os engenheiros da Takata estavam há muito informados de que o explosivo era sensível à umidade, ainda que a empresa continue a sustentar que o explosivo pode ser estabilizado de maneira a resistir a condições de umidade.

E a Ford escolheu os "inflaters" da Takata apesar das objeções de um especialista da montadora nesse tipo de componente, que se opunha ao uso do propelente da Takata devido à sua instabilidade e sensibilidade à umidade, afirma a petição. Mas a Ford desconsiderou essas objeções por acreditar que a Takata fosse o único fornecedor capaz de produzir o grande número de "inflaters" de que a empresa necessitava.

A petição afirma que Ford, Nissan, Honda e Toyota também estavam cientes de casos de ruptura antes de ordenarem qualquer recall.

O documento também menciona a BMW, e aponta para provas circunstanciais de que a empresa esteve igualmente envolvida no que os promotores públicos federais norte-americanos, em sua queixa crime e ao anunciar a admissão de culpa pela Takata, definiram como "acobertamento". Mas a montadora alemã até agora se recusou a submeter documentos sobre o caso, a petição afirma.

Representantes da Nissan e da BMW afirmaram que as empresas não podiam comentar sobre processos em curso. Um representante da Toyota também se recusou a comentar. Honda, Ford e Takata não responderam a pedidos de comentário.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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