Folha de S. Paulo


RÉPLICA

Brasil precisa discutir ideias, e não de ódio

É clara a divisão entre crítica de ideias e desrespeito humano. Alexandre Peter Pan Schwartsman ("Fiz, mas não fui eu"), pelo seu quadro psicológico, não sabe distinguir algo tão básico e, por isso, deve ser perdoado e tratado.

Como economista, é esperado o debate sobre o que realmente interessa à sociedade brasileira; sobre como vamos conduzir o país de volta ao caminho da criação de empregos e geração de renda, de modo sustentável de longo prazo.

É compreensível colocar a culpa da recessão atual na herança maldita de políticas econômicas recentes; mas a verdade é um pouco mais dura. O fato é que a economia brasileira exauriu seu modelo de crescimento. As regras do jogo do capitalismo brasileiro precisam ser refundadas. O Brasil precisa enfrentar uma ampla e profunda agenda de reformas políticas, institucionais e econômicas.

A realpolitik nos ensina, contudo, que os governos adotam mix de políticas econômicas, algumas de efetividade duvidosa, outras tidas como boas práticas. Tem sido assim no governo Temer. De um lado, tem-se as boas-novas, como a regra do teto de gastos, a proposta de reforma da Previdência, a reforma trabalhista e a flexibilização de critérios de conteúdo local, por exemplo.

De outro lado, um desavergonhado jogo de toma lá dá cá já despendeu mais de R$ 60 bilhões do Orçamento em pleno ajuste fiscal, promoveu reajustes inadequados aos servidores públicos, aceitou renegociações de dívida com Estados sem contrapartida adequada e está discutindo a flexibilização de regra de ouro do Orçamento público.

Sua política fiscal tem sido expansionista para si mesmo, mas já contratou austeridade e riscos de rupturas de regras fiscais fundamentais (como a do teto e a regra de ouro) para os próximos governos. Uma bomba-relógio foi instalada em meio à boas intenções.

Assim foi também no governo Dilma 1. Boas medidas econômicas se misturaram com gastos excessivos, especialmente em subsídios creditícios e na expansão de alguns programas púbicos que se mostraram ineficientes; adotou irresponsáveis práticas de contabilidades criativas; intervenção voluntariosa no setor de energia; ausência de agenda de políticas de comércio exterior etc.

Mas o mesmo governo Dilma 1 regulamentou a Funpresp (previdência dos servidores públicos), reformou a poupança -o que tem dado suporte ao Banco Central para atingir as atuais e celebradas baixas taxas de juros-, instituiu as comemoradas debêntures incentivadas (lei 12.431), e a LIG (letra imobiliária garantida) -que são instrumentos de grande importância para o financiamento de longo prazo; instituiu o valor incontroverso para todas as operações de crédito, operacionalizou e expandiu o Programa Agricultura de Baixo Carbono etc. Ainda vale considerar as diversas medidas de consolidação fiscal contidas no ovacionado Plano Levy.

O governo Dilma teve claros traços de um governo de incompetências, voluntarismo e equívocos. O governo Temer não passa no teste mínimo da ética e da integridade. O Brasil não precisa de nenhum dos dois! Ironicamente, critica-se o governo Dilma e aceita-se o governo Temer. Afinal, rouba, mas reforma.

Em vez de se imiscuir no ódio psicopático, o Brasil precisa discutir ideias. Colocar na mesa o que deu errado e o que pode dar certo. Mais de 12 milhões de desempregados e a pobreza crescente não têm tempo a perder.

MÁRCIO HOLLAND é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP)


Endereço da página:

Links no texto: