Folha de S. Paulo


Economistas questionam argumentos do governo em reforma da Previdência

Em meio às discussões sobre a reforma da Previdência, que o governo quer aprovar ainda neste ano, representantes de servidores públicos e professores de universidades federais rebatem o discurso oficial sobre a necessidade de mudanças no sistema de aposentadorias.

Em debate promovido nesta terça (24) pela Pública, central sindical que reúne cerca de um terço dos servidores do país, economistas questionaram o cálculo do deficit da Previdência e as limitações provocadas pelo envelhecimento da população.

A professora da UFRJ Denise Gentil sustenta que o desequilíbrio nas contas previdenciárias decorre da crise econômica (que afeta a arrecadação de impostos) e do desvio de verbas que deveriam ser recolhidas para financiar as aposentadorias e pensões.

Reforma da Previdência
As mudanças propostas na aposentadoria

O argumento é que o governo retira recursos da Seguridade Social para financiar outras despesas e cita como exemplo a DRU (Desvinculação das Receitas da União), que permite ao governo usar livremente 30% de todas as receitas públicas, livrando-as de destinações obrigatórias e vinculações.

Gentil também ressalta que desonerações tributárias concedidas a empresas retiraram, em 2015, cerca de R$ 170 bilhões da Seguridade Social.

"É um discurso contraditório do governo quando diz que há deficit de R$ 85 bilhões mas por outro lado faz desonerações em receitas desse sistema", afirmou.

Em sua avaliação, o governo entrega esses recursos "gratuitamente" às empresas, sem exigir contrapartidas como geração de empregos, ao passo que, no caso da Previdência, exige que trabalhadores contribuam por pelo menos 15 anos (o governo quer elevar a contribuição mínima para 25 anos).

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Protestos do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) contra a PEC do teto de gastos e a reforma da Previdência bloqueiam vias em São Paulo, na manhã desta sexta-feira (11). Desde às 6h30 um grupo bloqueia a pista sentido São Paulo da rodovia Anchieta, no km 23, na região de Ferrazópolis, em São Bernardo do Campo
Protesto contra reforma da Previdência em São Paulo

"A disputa pelo orçamento está assimétrica", diz.

As críticas são conhecidas pelos técnicos do governo. A própria Gentil é autora de estudo divulgado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) no ano passado, em que classificava o deficit da Previdência de mito.

O argumento do governo é que essa contabilidade é parcial, pois desconsidera que a Seguridade Social também deve financiar o SUS (Sistema Único de Saúde) e os benefícios assistenciais, como o bolsa família. Se contabilizadas todas as despesas, o resultado é deficitário, diz o governo.

Gentil rebateu ainda o que chamou de "alarmismo fiscal" e questionou o fato de o governo não cobrar por dívidas de empresas com o INSS, que somariam R$ 350 bilhões.

"O governo diz que essa reforma precisa de dureza e crueldade porque nossa situação fiscal é grave. Eu me oponho veemente ao alarmismo fiscal. Não é a Previdência que provoca o desequilíbrio fiscal".

Em sua análise, são as despesas com juros as que mais subiram nos últimos dez anos e as que consomem a maior parte do Orçamento. Ainda segundo Gentil, essas verbas acabam nas mãos de "rentistas" e do sistema financeiro, que, em sua opinião, seria o maior beneficiado pelas mudanças na Previdência.

Eduardo Fagnani, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e autor de estudo patrocinado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística Estudos Socieconômicos) e Anfip (associação dos auditores da Receita Federal), disse que a reforma proposta pelo governo vai empobrecer os idosos.

Segundo ele, a Previdência beneficia direta e indiretamente 90 milhões de pessoas no país.

"Sem a Previdência e a Seguridade, a pobreza extrema entre os idosos vai aumentar", diz.

Em suas estimativas, a pobreza para os maiores de 65 anos pode chegar a 50% no médio prazo, dado o "caráter restritivo" que assumiria o sistema de aposentadorias. Ele criticou especialmente a proposta de exigir 25 anos de contribuição e a elevação da idade para aposentadorias assistenciais, de 65 para 70 anos.

"A tragédia da desproteção social começa a ser tecida agora. Hoje não vemos velhos nas ruas pedindo esmolas, daqui a 20, 30 anos teremos uma massa de idosos pedindo dinheiro", diz.

Ele também demonstrou preocupação com as receitas futuras para financiar a Previdência, dado que em sua opinião as classes de renda mais baixa poderiam deixar de contribuir se não vislumbrarem acesso à aposentadoria.

'FALÁCIA' DEMOGRÁFICA

Ambos os pesquisadores desconfiam das projeções oficiais que indicam que, com mais idosos no futuro, o sistema atual de financiamento da Previdência se tornaria inviável.

"Vamos ter mais idosos no futuro de fato, mas uma coisa é aumentar o número de idosos e o gasto. Outra coisa é achar que não haverá receita para cobrir esse gasto", diz Gentil. "A receita virá do crescimento da produtividade dos trabalhadores ativos".

Em sua avaliação, o governo deve investir em inovação e educação para elevar a produtividade do trabalhador, o que impulsionaria a capacidade de o país gerar e distribuir riquezas. "Não existe determinismo demográfico".

Ela também afirmou que despesas hoje direcionadas aos jovens poderiam ser revertidas aos idosos, uma vez que a população ficaria mais envelhecida.

Já Fagnani disse que os países europeus financiam seus sistemas de Previdência com recursos de impostos. Na Dinamarca, afirmou, 75% dos recursos das aposentadorias e pensões vêm dos cofres públicos.

Ele rejeitou argumento de que os europeus também estão reformando seus sistemas neste momento.

"As reformas são recentes e só foram feitas após a crise de 2008/2009. Portanto não tem a ver com o envelhecimento da população".

"Muitos países aumentaram a idade [de aposentadoria] recentemente e quando já estavam muito mais envelhecidos do que nós. Estamos nos antecipando ao que os europeus só fizeram nos últimos anos e subindo a idade de forma abrupta", acrescentou Gentil.


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