Folha de S. Paulo


Usando algoritmos, inteligência artificial deve formar cartel do futuro

Eugene Hoshiko/Associated Press
Mulher à frente de cartazes de filmes em Xangai, na China
Mulher à frente de cartazes de filmes; executivo manipulou preços de produto na Amazon

David Topkins não é John Rockefeller. Mas, como o famoso barão da indústria, esse executivo de comércio eletrônico -um nome quase desconhecido- despertou preocupações fundamentais sobre as leis de concorrência econômica na era digital.

No primeiro processo criminal antitruste desse tipo, Topkins se declarou culpado em 2015, diante de um tribunal federal americano em San Francisco, de manipular os preços de cartazes clássicos de cinema vendidos no mercado on-line da Amazon.

Mesmo que o crime não parecesse assim tão notável, o método que ele usou foi revolucionário: Topkins admitiu manipular o mercado ao programar algoritmos específicos com a missão de manter preços artificialmente elevados.

Quando seus rivais aderiram ao plano, os algoritmos mantinham o que os promotores descreveram como "preços conspiratórios e não competitivos" para os cartazes.

A sentença contra Topkins ainda não saiu, mas as autoridades dos EUA e da Europa estão começando a considerar as implicações das ferramentas on-line cada vez mais poderosas que estão disponíveis. As modestas vendas de cartazes de Topkins empalidecem diante do truste petroleiro de Rockefeller, cuja fatia de mercado de 90% conduziu à promulgação da primeira lei antitruste dos EUA, em 1890.

Mas, ao expor tecnologias capazes de distorcer mercados de modos ainda inéditos, o processo contra ele é um marco na economia digital.

Mas as leis antitruste existentes, cuja premissa é a intenção e ação humana, podem se provar inadequadas para impedir que empresas abusem de seu poder de mercado na era digital, dizem alguns especialistas.

Mercados dominados por "vendedores robôs", ou bots automáticos para cálculo de preços, não responderão aos mesmos incentivos ou operarão da mesma maneira que mercados administrados por pessoas.

As preocupações sugerem que a promessa de preços mais baixos e escolha maior para os consumidores surgida com a economia digital pode evaporar. A ascensão da inteligência artificial e de poderosos algoritmos pode em lugar disso criar cartéis mais duradouros, capazes de manter preços mais altos em detrimento dos consumidores e em desafio aos regimes tradicionais de fiscalização.

"Há muito mais em jogo na economia propelida por dados, em razão do efeito rede", diz Maurice Stucke, ex-promotor público antitruste e professor na Universidade do Tennessee. "A concorrência, na forma pela qual a conhecemos, vai mudar."

FUTURO

Por enquanto, a maioria das autoridades regulatórias ainda considera que essa é uma preocupação para o futuro. Mas, à medida que os sistemas de formação de preços começam a se tornar mais autônomos, aspirantes a monopolista como Topkins poderão fazer seu trabalho de manipulação de preços sem ao menos conversar com os concorrentes.

Os computadores cuidarão do conluio em seu lugar, quer por meio do uso de um mesmo algoritmo, quer aprendendo com suas interações com outras máquinas -e tudo isso sem deixar uma trilha de mensagens de voz e e-mail incriminadoras.

"Encontrar maneiras de impedir conluios entre algoritmos de aprendizado automático pode ser um dos maiores desafios que as autoridades de defesa da competição já enfrentaram", diz um recente relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: