Folha de S. Paulo


Sem contrapartida clara, Estados não sairão da UTI, diz governador do ES

Alan Marques - 2.mar.2016/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL 02.03.2016. O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, participa da assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta entre a União, os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e a Samarco Mineradora S/A(FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER
O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung

Na contramão dos vizinhos Minas Gerais e Rio, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), 59, diz que a renegociação das dívidas dos Estados aprovada na Câmara faz com que o país siga "no caminho de gastança" trilhado nos últimos anos e que, em sua opinião, fabricou a recessão brasileira.

Para Hartung, como aprovado pelo Congresso, o pacote não ajuda os Estados em calamidade a saírem da UTI. Ele prevê que, sem ajuste, uma nova rodada de socorro seja necessária em seis meses.

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Folha - O Espírito Santo foi contemplado pelo pacote aprovado pela Câmara?

Paulo Hartung - O que foi aprovado prejudica todo mundo e o Espírito Santo também.

Há pouco tempo foi feita uma renegociação das dívidas dos Estados, da qual fui contra. O país gastou bilhões e ontem [terça, 20] houve uma nova rodada, porque foi incluída a possibilidade de suspensão de pagamento de dívidas sem contrapartidas. Isso pode levar para a despesa pública mais um rombo de grandes proporções. Porque, sem contrapartidas, a busca por esse programa será intensa.

Acredita que muitos Estados vão se interessar?

Sem contrapartida? Vira história conhecida. Todo mundo cria seus problemas, não assume responsabilidades e empurra para cima. Essa história de que o governo federal vai assumir... quem assume é a sociedade. O que a crise fiscal já produziu de efeito negativo? Mais de 12 milhões de desempregados.

E, por incrível que pareça, estamos seguindo o mesmo caminho trilhado nos últimos anos, de gastança, de irresponsabilidade fiscal.

Qual é o principal problema?

Não deveria ser reaberta a renegociação das dívidas. Elas não são o problema central dos Estados, mas sim a folha de ativos e inativos.

De ativos porque teve um crescimento em descompasso com as receitas. E de inativos porque a previdência do serviço público está falida.

Então se o problema é folha, é aí que temos que tratar. Mexer com dívida foi detectar a doença errada e usar o remédio errado. Não deu certo e aí entraram os remendos.

Esse regime [de falência dos Estados] é um remendo. Sem contrapartidas é o fim do mundo. Vai gastar um dinheiro que o país não tem, porque temos um deficit de R$ 170 bilhões, para não produzir resultado algum. O único resultado é negativo, de desorganização das contas públicas.

Os Estados em dificuldade colherão benefícios?

Sem contrapartidas claras não se cria condições desses Estados saírem da UTI. Alívio a conta-gotas está se mostrando absolutamente ineficaz.

O problema não é pequeno e não é conjuntural. É despesa que não cabe na receita. Se não consertar isso, em seis meses teremos uma nova rodada [de socorro aos Estados].

O Ministério da Fazenda já indicou que exigirá contrapartidas, mesmo sem lei.

Era bom que estivesse em lei, porque haveria regras claras. Abre-se uma porta, mas com contrapartidas legais, que vão nortear a possibilidade de abertura dessa porta. Sem isso claro, a fragilidade das relações toma conta. Pressão daqui, pressão de lá...

Pode abrir espaço para negociações pouco transparentes?

Um plano desses, que é complexo por natureza, precisa de um caminho sólido para trilhar. Era importante que tivessem estabelecido em lei regras para todos cumprirem com a mesma clareza.

Alguns governadores disseram que as contrapartidas eram exageradas.

Pode-se negociar detalhes, mas não foi o que foi feito. Todas as contrapartidas foram retiradas. Sem elas, vamos continuar caminhando neste mundo de fantasia que nos trouxe para o desastre.

Isso afeta o ajuste federal?

Já afetou. O sinal é na contramão do que precisamos. Quanto custa uma adesão [dos Estados ao regime especial] sem contrapartidas? R$ 30 bilhões? Isso eleva o deficit de 2017 para quanto? Será que o mercado topa uma relação com o Brasil, com a ampliação do deficit para o ano que vem? Eu não sei quanto vai custar isso.

Desgasta o ministro Henrique Meirelles (Fazenda)?

Não é bom para o ministro, mas não somente para ele. Não é bom para a economia, para o Brasil. Precisamos criar as bases para uma nova expansão, mas para isso precisamos consertar as contas públicas.


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