Folha de S. Paulo


Colecionadores de cédulas e moedas movimentam milhões de reais

Mais de cem pessoas carregando malas de dinheiro, ouro e prata reuniram-se no subsolo de um hotel no centro de São Paulo entre os dias 8 e 10 de dezembro.

A cena pode remeter em um primeiro momento a uma reunião dos potencialmente citados na delação da Odebrecht, mas trata-se na verdade do congresso anual dos numismatas brasileiros -colecionadores de cédulas, moedas e medalhas.

Embora sejam em sua maioria homens na faixa dos 50 aos 80 anos com a sexta-feira livre, as semelhanças com políticos param por aí. Em vez de sítios ou aulas de tênis, eles gastam dinheiro comprando dinheiro.

A Sociedade Brasileira de Numismatas calcula que, em três dias de evento, circulem mais de 400 mil peças e "milhões e milhões" de reais, diz Alexandre Barbosa, 49, um dos diretores da entidade.

A relutância em falar em cifras vem do medo de furtos e roubos. De todos os colecionadores que conversaram com a reportagem, só o terapeuta sexual Oswaldo Rodrigues Júnior, 57, aceitou dizer o valor da sua coleção de 5.000 peças, que calcula em "no máximo US$ 10 mil" —montante baixo no meio, de acordo com ele.

A moeda mais valiosa da numismática brasileira, por exemplo, é quase 50 vezes esse valor. A peça comemorativa da coroação de dom Pedro 1º, em ouro, foi arrematada em 2014 por US$ 499.375 na casa de leilões Heritage.

Mas qual é o prazer em gastar tanto dinheiro para comprar mais dinheiro?

Karl Marx, autor de "O Capital", tem um palpite: é o fetiche da mercadoria. Simplificadamente, o conceito designa a atribuição de um valor ao produto independentemente de sua utilidade ou processo de produção. Uma mistificação, de certa forma.

Para os numismatas, que se definem não só como colecionadores mas também como estudiosos, o que torna uma moeda ou cédula valiosa é essa aura ligada à sua história e à sua raridade.

A moeda da coroação de dom Pedro 1º vale quase meio milhão de dólares não só por ser de ouro. De 1822, ela foi a primeira moeda cunhada no Brasil independente e, por ter sido feita às pressas (atestando sua nacionalidade), saiu com um erro: em vez da coroa imperial, consta sobre o busto do novo mandatário uma coroa real.

Para alívio do imperador, foram feitas apenas 64 unidades, das quais se sabe hoje o paradeiro de somente 16.

"É legal ter uma peça dessas porque ela te faz enxergar como funcionavam as coisas na época", diz o estudante de direito Bruno Pellizzari, 20.

Peças da Grécia Antiga e do Império Romano também estão entre as favoritas de Pellizzari, que tem mais de 3.000 moedas de 200 países e épocas diferentes.

Rodrigues Júnior foi ainda mais fundo para se dedicar a "protomoedas": objetos usados como meios de troca em sociedades em que não havia moeda oficial. O psicólogo escreveu um livro sobre o tema ("Os Dinheiros Primitivos") em que descreve peças como as "manillas", espécie de bracelete que circulou na África entre os séculos 14 e 17 e foi usado por portugueses no comércio de escravos.

Além dos cabelos pretos e das espinhas no rosto, o que diferencia Pellizzari da maioria dos numismatas é a visão do hobby como um investimento. "Essa é a minha aposentadoria", diz ele.

Já os mais velhos relutam em reconhecer o valor de troca de suas cédulas e moedas. Segundo Barbosa, da sociedade numismática, "a grande maioria dos colecionadores é muito apegada e não vende, mas deixa uma boa herança para a família".


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