Folha de S. Paulo


Sardinha avança entre consumidor mais rico; atum, entre mais pobres

Keiny Andrade - 1.dez.2015/Folhapress
São Paulo, SP - 01.12.2015 - COMIDA - Fotos para edição de Natal do Comida, com receitas que levam os ingredientes que ficaram mais baratos ou não subiram de preço neste ano. Foto feita no Ghee Banqueteria, prato de sardinha, com farofa de pão e batatas, e bolo de abacaxi com chantily com raspas de limão. Foto: KEINY ANDRADE/Folhapress COMIDA ***Exclusivo***
Prato de sardinha, com farofa de pão e batatas

Nas gôndolas brasileiras, o mar tem estado para peixes em lata.

As vendas do produto cresceram acima da inflação no último ano, segundo duas das principais consultorias de mercado, a Nielsen e a Euromonitor.

E o mercado assiste a uma novidade: enquanto o atum —uma espécie de peixe mais cara— ficou mais presente que antes na mesa das famílias de nível socioeconômico menor, a sardinha —produto visto como popular— está em alta entre os mais ricos, segundo a consultoria Nielsen.

Em parte, isso é resultado de investimento da indústria em divulgar qualidades nutricionais do peixe: além de ômega 3, elas têm alto teor de cálcio, por causa das espinhas que se dissolvem no cozimento.

Análises de mercado apontavam preocupações em relação ao efeito para a saúde dos enlatados, afirma Renata Martins, analista de pesquisa da Euromonitor Internacional, o que levou a indústria a lançar opções com até 80% menos sódio, por exemplo, além de fazer campanhas publicitárias para deixar claro que, apesar de serem conservas, os produtos não têm conservantes.

O que permite que uma lata dure até quatro anos é o processo industrial: as latas são fechadas hermeticamente e depois submetidas a alta temperatura, o que cozinha o conteúdo e o esteriliza.

O avanço de enlatados entre consumidores mais ricos também reflete a adoção de embalagens mais práticas e a ampliação dos tipos de produtos.

Eduardo Knapp - 9.out.2014/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 09-10-2014 16h26:COMIDA. Producao com latas de comida enlatada: sardinha, atum, molho de tomade, milho, ervilhas, seleta de legumes e molho de tomate (Foto Eduardo Knapp/Folhapress.COMIDA)
Latas com tampa do tipo abre-fácil

No total, dados da Euromonitor mostram que o consumo de peixes em conserva subiu 13,8% no valor vendido entre 2014 e 2015 (já descontada a inflação), chegando a R$ 3.196,3 bilhões.

Em volume, a alta foi de 5,4% entre 2015 e 2014, nos cálculos da Euromonitor, e de 5,2% no último ano móvel no levantamento da consultoria Nielsen. A alta supera a da cesta onde estão contidos nas análises da Nielsen, a de Culinários, que vendeu 1,5% a mais em volume.

nos carrinhos de compra - Distribuição dos consumidores de cada produto, entre as classes

TRABALHO JÁ FEITO

Segundo Martins, da Euromonitor, o consumidor de maior aquisitivo é o principal responsável pelo aumento de vendas do que a indústria chama de "itens com maior valor agregado".

O jargão costuma indicar que o fabricante assumiu funções que antes eram do cliente.

O filé de sardinha, por exemplo, já vem sem pele e espinhas. O atum ou salmão já está misturado a batata, maionese, ervilha ou azeitona, num pote que, além da tampa abre-fácil, vem com um garfinho de plástico.

As embalagens que dispensam abridor de lata resultaram em crescimento de vendas de 11% ao ano em número de unidades, de 2010 a 2015, segundo a Euromonitor.

A própria introdução de outras espécies de peixe —além do salmão, cavalinha, mexilhões e espécies mais nobres de atum, como o yellowfin— faz parte dessa estratégia de crescer em um nicho em que o volume pode até ser menor, mas o lucro é maior.

Antes restritos a duas ou três variedades de sardinha e atum, os fabricantes chegam a oferecer hoje mais de 50 linhas diferentes de produtos.

Dados da Euromonitor mostram esse avanço da lucratividade: nos últimos cinco anos, o aumento real do segmento foi de 29,5% em volume e de 89,6% em valor, já descontada a inflação.

MAIS LUCRATIVOS

Na Gomes da Costa, que divide a liderança do segmento com a Camil (cada uma tem cerca de 40% do mercado), os produtos premium representaram apenas 7% do faturamento anual (atum representou 30% e sardinhas, 63%).

Os patês e produtos especiais, porém, são os mais lucrativos, segundo a presidência da empresa, cuja meta é elevar a fatia de receita obtida por eles para 30% até 2020.

Também na empresa os resultados cresceram mais que o volume entre 2007 e 2015. O faturamento anual quase quadruplicou, já descontada a inflação —foi de R$ 300 milhões para R$ 1,3 bilhão—, enquanto a produção foi de 20 mil toneladas/dia para 65 mil/toneladas dia.

Ou seja, dos R$ 15.000 por tonelada produzida que obtinha em 2007, a empresa passou a faturar R$ 20.000 por tonelada.

Para a Euromonitor, no entanto, por serem mais caros, devem ser mais afetados enquanto durar a atual crise econômica.

A consultoria estima que o segmento de peixes em conserva terá um crescimento médio anual recorde, de 6%, em 2016, mas vê desaceleração nos próximos anos, principalmente porque eram os produtos premium que vinham puxando o desempenho.

As estratégias mais agressivas de preços da indústria, oferecendo produtos mais baratos, pode compensar em parte esse efeito. Segundo Sabrina Balhes, gerente de contas da consultoria Nielsen, a venda de atum ralado (mais barato que o sólido) está mais forte neste ano.

atum preferido - Distribuição das vendas por tipo, em %

A consultoria detecta um aumento na penetração de enlatados em famílias de nível socioeconômico mais baixo, embora a porcentagem ainda fique abaixo da registrada no topo da pirâmide de renda.

O segmento de menor renda também elevou a compra de opções mais baratas em latas de 250 gramas em que o peixe já vem limpo e preparado —o que também economiza gás.

CUSTO-BENEFÍCIO

A Nielsen prevê que as vendas do segmento continuem crescentes, não apenas na quaresma (quando o consumo de peixe é sempre mais alto) mas em todos os meses do ano.

Sabrina Balhes, porém, diz que o ritmo desse crescimento vai depender do custo-beneficio que as marcas consigam entregar durante a crise econômica.

O consumidor brasileiro vem buscando cada vez mais opções econômicas, diz ela, seja na escolha do ponto de venda (com a migração para os atacarejos, que vendem embalagens maiores e produtos mais básicos) seja na troca por marcas mais baratas.

As latas de sardinha maiores, em que o custo por quilo é mais baixo, tiveram no último ano móvel o triplo do crescimento de venda da média do segmento.

Segundo pesquisa da Gomes da Costa divulgada pelo "Supermercado Moderno", 90% dos compradores tanto de sardinhas quanto de atum em lata são mulheres, de todas as faixas etárias.

Elas compram de duas a três latas, uma vez por mês, mostra a pesquisa.

sardinhas preferidas - Distribuição das vendas, por tipo de conserva

O MERCADO

Os dois grandes fabricantes, que concentram 80% do mercado de peixes enlatados brasileiros, se alternam na liderança por pequena diferença.

Segundo números da Euromonitor, em 2015 a Camil tinha 40% do mercado de peixes e frutos do mar em conserva (que exclui produtos com vegetais e também caviar), em valor de vendas, e o grupo Calvo, dono da Gomes da Costa, 38,7%.

A Camil cresceu com a venda de grãos e se consolidou em pescados em 2012, com a compra da Coqueiro, que era da Pepsi Co. Em 2011, havia comprado as marcas sul-americanas Pescador, Alcyon e Navegantes.

A Gomes, no entanto, é a marca mais vendida, seguida por Coqueiro, Alcyon e, em quarto lugar, a 88, também do grupo Calvo.

As marcas Coqueiro e Gomes da Costa têm se alternado na liderança das mais vendidas, segundo estudo de marcas da SM (que levanta dados de 2.903 supermercadistas de todo o Brasil).

Na pesquisa, os varejistas apontam em questionário as três marcas que acreditam ser as mais vendidas em suas lojas, em ordem de importância.

O instituto pondera os resultados de acordo com a ordem em que foram apontadas, para determinar o "share of mind" (ou taxa de lembrança) de cada uma.

Com portfolio maior, a Camil liderou a pesquisa de 2015, com 46% das menções, praticamente empatada com a Gomes, que teve 45%. Outros fornecedores ficam muito atrás: Heinz Brasil, com 3% (marca Quero), Rubi (1%) e Beira-Mar (1%)

Fatia dos fabricantes - Marcas citadas como as mais vendidas por 2.903 supermercadistas

Analistas da Euromonitor avaliam que a estratégia de lançar produtos como salmão em conserva e saladas prontas valorizou a marca Gomes, que é identificada como mais "premium".

A Camil, no entanto, valorizou a marca Coqueiro com novas embalagens.

O consumo brasileiro de pescados cresce, mas ainda está longe do de países europeus ou asiáticos.

Em 2009, em média o brasileiro comia 6,9 quilos de pescados por ano (o espanhol, 37 quilos), dos quais 230 gramas eram de enlatados (4,77 quilos na Espanha).

Em 2015, o consumo médio do brasileiro era de 10,6 kg de peixe por ano, segundo o Ministério da Pesca, 600 gramas dos quais, enlatados, segundo a Gomes.

O recomendado pela OMS é 12 kg por ano e a média mundial é 19 kg por ano.

A INDÚSTRIA

Do ponto de vista da produção industrial, não há um levantamento que separe apenas o segmento de peixes enlatados.

Divulgação
linha de produção da fábrica de conservas da Gomes da Costa em Itajaí, SC
Linha de produção da fábrica de conservas da Gomes da Costa em Itajaí, SC

A Abia (associação da indústria de alimentos) acompanha preparações e conservas de pescados —o que inclui conservas de pescados (de atum, sardinha e outras espécies), pescados congelados (porcionados) e outros (patês, pratos prontos e semiprontos congelados ou não).

Pelos dados mais recentes, a produção passou de R$ 1,82 bi em 2007 para R$ 2,48 bi em 2010 e R$ 4,60 bi em 2014, já descontado o efeito da inflação..

No último ano, no entanto, o faturamento encolheu; 2015 fechou com R$ 4,65 bi em valores nominais. Considerando o impacto da inflação, houve uma queda de 7% no faturamento, em termos reais, no ano passado.

Embora a indústria nacional tenha elevado as exportações de 2014 para 2015, a fração ainda é muito pequena em relação ao mercado interno: foi de US$ 15 milhões para US$ 45. Já a importação caiu de US$ 74 para US$ 48.


Endereço da página:

Links no texto: