Folha de S. Paulo


Em Cingapura, comida de rua recebe estrela do guia de culinária Michelin

Edgar Su /Reuters
Comida de rua de Cingapura recebe estrela do guia de culinária Michelin
Comida de rua de Cingapura recebe estrela do guia de culinária Michelin

Uma fila de 100 pessoas se estende diante de uma pequena barraquinha de comida na Chinatown de Cingapura, e os fregueses aguardam impacientemente pela oportunidade de provar o premiado frango refogado com molho de soja criado por Chan Hon Meng.

Ele sempre teve fregueses leais, mas desde que recebeu uma estrela no guia Michelin, ondas de novos gourmets vêm acorrendo à sua barraca, em números tão grandes que ele enfrenta problemas para acomodar a demanda.

Chan é um dos dois "camelôs", assim conhecidos por terem começado vendendo comida como itinerantes, que receberam estrelas do guia de culinária francês em sua primeira edição em Cingapura, lançada no final de julho.

Apenas um restaurante, o Joel Robuchon, dirigido pelo chefe francês que dá nome à casa, conquistou o cobiçado ranking máximo do guia: três estrelas.

"Eu já tinha ouvido falar do guia Michelin, mas imaginava que eles só dessem estrelas a restaurantes", disse Chan, cortando carne de frango para a sua especialidade, servida acompanhada por arroz ou noodles amarelos fininhos, e por seu agora famoso molho escuro de soja.

Um prato custa 2,50 dólares de Cingapura (US$ 1,85), o que provavelmente o torna a refeição Michelin mais barata do planeta.

"O fato de que tenho essa estrela mostra que comida simples como a nossa também merece um prêmio mundial", disse Chan, nascido na Malásia.

A barraca dele, Hong Kong Soya Sauce Chicken Rice & Noodle, serve exatamente o que seu nome descreve - frango com arroz ou noodles, ao molho de soja. Como outras barracas de comida, o foco é criar pratos muito característicos, que convençam os fregueses a voltar.

Chan, 51, diz que agora vende 180 porções de frango ao dia, 30 a mais do que sua média anterior à estrela no Michelin.

"Se o número aumentar ainda mais, não terei como atender, e não quero servir às pessoas comida abaixo do padrão", disse o cozinheiro.

Ele trabalha 17 horas por dia em sua minúscula cozinha, onde fileiras inteiras de frangos estão penduradas aguardando uso.

A barraca fica em uma praça de alimentação que abriga muitos outros cozinheiros, que oferecem ampla variedade de pratos, de caranguejo com chili a intestinos de porco.

Velhos ventiladores de parede oferecem o único alívio contra a umidade de Cingapura e o calor das cozinhas, mas a fila para o frango de Chan ainda assim não para de crescer.

Do outro lado da cidade, em uma modesta praça de alimentação, fica a barraca de Tang Chay Seng, a Hill Street Tai Hwa Pork Noodle. Desde que ela recebeu uma estrela no guia Michelin, a barraca vem atraindo centenas de fregueses ao dia em busca de um prato de carne de porco moída acompanhada por noodles.

Os fregueses hoje encaram espera de até duas horas por um prato de cinco dólares de Cingapura - antes, a espera costumava ser de 30 minutos.

O pai de Tang veio da província de Guangdong, China, para Cingapura; a especialidade da barraca, o "Teochew", se origina de Guangdong. Inicialmente, ele encontrou emprego como assistente de açougueiro, antes de começar a vender picadinho de porco e noodles em um café na Hill Street, com a ajuda de seus três filhos.

"Aprender uma técnica como essa não é fácil. Trabalhamos com muito afinco o tempo todo, e não tive infância", disse Tang. Ele começou a cuidar da barraca nos anos 60, depois que seu pai adoeceu.

"A parte mais importante são os noodles. Tudo mais pode ser feito seguindo uma receita, mas a massa precisa ser cozida no ponto certo, e isso só se aprende com a prática", ele explicou.

Leslie Tay, médico que mantém um popular blog chamado "ieatishootipost", descreveu a comida das barracas como "a verdadeira culinária" de seu país.

As barracas de comida surgiram no começo do século 20, atendendo a imigrantes que chegaram a Cingapura em busca de trabalho quando a ilha era colônia britânica, e ofereciam pratos baratos que ajudavam os imigrantes a matar a saudade de casa.

Depois que Cingapura se tornou independente da Malásia, em 1965, os vendedores de rua passaram a ser fiscalizados para garantir a higiene; muitos deles eram itinerantes, sem acesso a água corrente, e jogavam seus restos de comida direto no bueiro.

"Por isso esses itinerantes foram transferidos a praças de alimentação, áreas básicas mas protegidas, com barracas nas quais eles podiam vender comida, com saneamento e espaço para que os fregueses comessem", acrescentou Tay.

Tang demorou décadas para desenvolver sua reputação. Há muito encarado com apreço pelos gastrônomos de Cingapura, seu picadinho de carne de porco já consta de guias de viagem e de blogs de culinária.

Mas ele está conformado com o fato de que a nova geração talvez não tenha a garra necessária a fazer das barracas de comida um sucesso.

Em 2010, ele abriu um processo —e venceu— contra um sobrinho que havia aberto uma barraca rival com nome semelhante, acusando-o de tentar explorar a popularidade da Hill Street sem trabalhar para isso.

Ele acrescentou: "Meu filho tentou abrir uma barraca, mas não aguentou porque tem problemas na perna. Eu também tenho problemas nos pés, porque fico em pé mais de 18 horas por dia".

Tang, 70, acrescentou que "o trabalho é duro, mas não sei fazer outra coisa".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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