Folha de S. Paulo


Crítica

Biógrafo põe duelo entre Hayek e Keynes em seu devido lugar

Por que ainda saem livros sobre um debate que ocorreu há 80 anos? No caso do que envolveu os economistas John Maynard Keynes e Friedrich August von Hayek, a resposta é simples: ele ainda não acabou.

Simpatizantes, seguidores e alguns oportunistas discutem em nome deles até hoje e a cada solavanco global os dois são invocados para serem publicamente desmentidos ou reabilitados.

E por que ler a versão da história contada pelo jornalista Nicholas Wapshott? Um motivo é que o autor, especialista em perfis e biografias, faz um livro palatável para quem quer entender melhor o conflito de ideias mesmo sendo leigo em economia.

Wapshott coloca os personagens e suas propostas no devido contexto, o período que vai do acordo de paz que arruinou a Alemanha após a Primeira Guerra Mundial até a Guerra Fria que se seguiu à Segunda Guerra Mundial.

O resultado é um livro de história que discute escolhas mais que econômicas, políticas: deve o governo intervir na economia? Em que casos, até quando, por que meios? Quais os riscos?

De forma simplificada, Keynes defendeu que o governo patrocinasse projetos que gerassem empregos e multiplicassem o investimento na recessão, mesmo que precisasse se endividar.

Procurava remediar no menor prazo possível o desemprego agudo desencadeado pela depressão dos anos 1930.

Hayek condenava intervenções do governo no livre mercado a economia deveria se equilibrar sozinha, mesmo que isso levasse muito tempo. O nazismo, que emergia com força, e regimes autoritários eram os verdadeiros inimigos do austríaco.

Seus pontos de vista também divergiam. Keynes propôs estudar a economia a partir de agregados, como poupança e investimento o que ficou conhecido como macroeconomia. O campo de Hayek era a microeconomia: as escolhas individuais se manifestavam em elementos como custo e valores, que deveriam ser objeto de estudo.

Conflito direto entre eles houve apenas um, bastante agressivo, em 1930. Hayek chamou as ideias de Keynes de obscuras, assistemáticas e incompreensíveis.

O economista de Cambridge contra-atacou rotulando o pensamento do rival como confusão assustadora, tolice e exemplo extraordinário de como um lógico sem remorso pode terminar num hospício. Acabou aí.

Hayek tentou treplicar, mas foi ignorado. Nos 16 anos seguintes (Keynes morreu de problemas cardíacos em 1946, aos 62), eles divergiram sobre a atuação do governo, mas aceitaram argumentos alheios em outros campos.

SEXO E CASAMENTO

Para os já familiarizados com a teoria econômica, pode haver alguma graça nas descrições e breves episódios pessoais, como o caso homossexual de Keynes com Duncan Grant e o casamento com a bailarina Lydia Lopokova.

Ou a prima Helene, paixão da juventude que fez Hayek abandonar um casamento de 20 anos e dois filhos, sofrer dificuldades financeiras e emigrar para os EUA.

No final, Wapshott destina vários capítulos a como políticos, principalmente nos EUA, usaram ideias gerais dos dois economistas em seus cálculos, e como o pensamento de Keynes acabou sequestrado por intelectuais socialistas, embora o britânico tenha criticado expressamente o comunismo soviético.

E, afinal, qual das torcidas sai vencedora? No ano 2000, o influente economista Milton Friedman argumentou:

Não existe dúvida sobre quem venceu a discussão intelectual. A opinião intelectual do mundo de hoje é muito menos favorável aos planejamentos centrais e controles do que era em 1947.

Vantagem de Hayek. Mas...

Keynes X Hayek
Nicholas Wapshott
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O que é mais duvidoso é quem venceu a discussão prática. O gasto governamental em quase todos os países do Ocidente é maior, e a regulação governamental das empresas, também. Ou seja, avanço dos keynesianos.

Friedman aparece na obra como um conciliador vivo de dois expoentes. Entusiasta da atuação do governo no New Deal dos anos 1930, adotou a abordagem macroeconômica de Keynes, mas se identificou com o liberalismo de Hayek. Avaliava que a intervenção do Estado impedia o mercado de criar riqueza.

Morreu em 2006.

E então veio a crise global de 2008 e embaralhou todas as cartas de novo.

KEYNES X HAYEK
AUTOR Nicholas Wapshott
EDITORA Record
Quanto R$ 62,90 (448 págs.)
AVALIAÇÃO bom

OS OPONENTES

Conheça os economistas retratados na obra

Reprodução
O economista inglês John Maynard Keynes, aos 53 anos, com sua mulher, a bailarina Lydia Lopokova, em 1936
O economista inglês John Maynard Keynes, aos 53 anos, com sua mulher, a bailarina Lydia Lopokova

John Maynard Keynes (1883-1946)

Nacionalidade
Britânico

Formação
Estudou no Colégio Eton e formou-se em economia no King's College, da universidade de Cambridge

Principal mentor
Alfred Marshall

Carreira
Funcionário do Tesouro britânico. Participou das negociações pós-Primeira Guerra, em Versailles. Professor do King's College, Universidade de Cambridge. Diretor do Bank of England. Foi um dos principais idealizadores do acordo de Bretton Woods, pprogressista e pragmático

Principais contribuições
> Fator multiplicador (investimentos impulsionam novos investimentos, o que multiplica seu efeito)
> Preferência pela liquidez
( em momentos de insegurança, os agentes preferem ficar com o dinheiro líquido, abrindo mão de
gastá-lo ou emprestá-lo)
> Modelo AD-AS (curva de demanda e oferta agregadas)
> Macroeconomia (a economia pode ser mais bem entendida compreendendo-se o quadro geral, olhando-se agregados da economia, como oferta, demanda e taxas de juros)

Quem influenciou
John Kenneth Galbraith, Paul Samuelson, Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Paul Krugman, Thomas Piketty

LSE Library
O economista austríaco laureado com o Prêmio Nobel Friedrich August von Hayek
O economista austríaco laureado com o Prêmio Nobel Friedrich August von Hayek

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Friedrich von Hayek (1899-1992)

Nacionalidade
Austríaco

Formação
Filosofia, psicologia e economia na Universidade de Viena, doutorados em direito e ciência política

Principal mentor
Ludwig von Mises

Carreira
Professor na London School of Economics (LSE), na Universidade de Chicago e na Universidade de Freiburg. Prêmio Nobel de Economia em 1974

Principais contribuições
> Ciclo de negócios (ocorre quando a taxa de juros, preço que equilibra decisões de poupadores e investidores, se desajusta)
> Conhecimento disperso (nenhum agente econômico tem todas as informações)
> Livre mercado (preço formado sem intervenção é principal informação sobre decisões dos agentes)
> Microeconomia (entender a economia como um todo é impossível; é preciso estudar a ação de indivíduos no mercado, a partir de itens como custos e valor)

Quem influenciou
Milton Friedman, Arthur Betz Laffer, Sir Karl Raimund Popper e George Stigler


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