Folha de S. Paulo


Temos menos tempo para transição suave, diz especialista em Previdência

Ricardo Borges/Folhapress
Tafner diz que não se pode ter mais regimes diferenciados na previdência

Esta reforma da previdência tem que ser a reforma da unificação, opina o especialista Paulo Tafner, 58. Técnico aposentado do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), onde estudou a previdência por décadas, Tafner afirma que não se pode mais ter regimes diferenciados para funcionários públicos, privados, trabalhadores rurais e militares. "É preciso caminhar para um sistema único".

Nesta entrevista, ele faz o diagnóstico do problema. Se não fizermos nada, o Brasil será o país do mundo que mais gastará em previdência até meados da década, o que poderá nos levar à situação limite de corte de benefícios. A reforma envolverá quem já está no mercado, pois os efeitos das mudanças têm que ser entregues na próxima década.


Folha - Por que precisamos de uma reforma?

Paulo Tafner - Já gastamos muito em previdência, o deficit [diferença entre a arrecadação e o valor gasto] é de mais de 3% do PIB. E temos uma mudança demográfica que se processará nos próximos 15, 20 anos, que significará menos gente para sustentar um número maior de aposentados. A previdência não pode crescer 6%, 7% ao ano, como vem crescendo, e isso só se faz mudando as regras. Precisamos evitar a situação limite de cortar benefícios no futuro e temos menos tempo para uma transição suave. O que poderia ser diluído em 20 anos, terá que ser entregue em 10. Se nada for feito, na próxima, terá que ser diluído em cinco anos. E se nada for feito terá que cortar, porque a transição demográfica estará quase completa.

Como devem se comportar os gastos neste cenário?

A perspectiva é que subam dos atuais 11,6% do PIB para 18% em 2060, o que é muito. O Brasil será o país que mais gastará com previdência no mundo, a história não é boa.

Qual das mudanças em discussão é inadiável?

A idade mínima, não é mais possível ter trabalhadores se aposentando com 50 anos. É possível criar uma regra de transição para todo mundo, com idade mínima de 62 anos para homens e 58 para mulheres, subindo progressivamente em 10 anos até chegar a 65 e 63 anos. É preciso caminhar para um sistema único, em que não haverá diferenças entre funcionários públicos e privados e, no futuro, se pode pensar numa reforma que valha para todos.

As centrais dizem que a idade mínima pune quem começou a trabalhar mais cedo.

Esse é um discurso fácil que não corresponde aos dados. Quem começa mais cedo são os informais, os que entram pela porta dos fundos do mercado de trabalho, não os filiados ao sindicatos.
O informal vai acabar se aposentando por idade, 10 anos depois dos que conseguirão se aposentar por tempo de contribuição. Então, não é a defesa do trabalhador mais pobre. Se estabelecer uma idade seria "prejudicar" os mais favorecidos então é razoável que isso ocorra.

E o que seria desejável fazer?

Acabar progressivamente com as aposentadorias especiais. Não há razão que justifique que professores se aposentem cinco anos antes dos demais trabalhadores. Precisamos aprimorar ainda as regras de pensão. Não faz sentido uma pensionista receber 100% do benefício se ela tem cinco filhos e outra receber o mesmo se não tem nenhum filho. Em todos os países, há diferença no valor em função do número de filhos menores de idade. Outra coisa é acabar com a possibilidade de acúmulo de benefícios. A legislação permite que uma pessoa receba mais de uma aposentadoria enquanto muitos acabam no LOAS (benefício assistencial, a pessoas de baixa renda, no valor de um salário mínimo). Também é necessário rever a paridade no setor público, pela qual os aumentos concedidos aos funcionários são estendidos aos aposentados.

Qual impacto disso?

Em alguns Estados, a cada R$ 1 de aumento concedido aos professores da ativa, o custo do governo é de R$ 4, é um escândalo. O Estado não dá aumento porque gastaria demais e, com isso, não consegue valorizar a carreira.

O governo diz que deixará de fora militares.

Fazer mudanças na previdência significa mudanças na carreira militar. O militar vai para a reserva precocemente, porque a carreira vai se afunilando e dali ele não tem mais para onde ir. A maioria dos comandantes está convencida de que precisam mudar, mas é preciso cuidado. Militar não pode ter renda complementar e os cargos do topo ganham menos do que servidores civis. Mas isso não pode ser resolvido na previdência e não faz sentido deixá-los de fora [da reforma]. As pensões para filhas solteiras, por exemplo, é algo anacrônico. Talvez seja o caso de rever a atual contribuição de 1,5% [do soldo] para 3%, 4%, caso queiram manter esse benefício. O mesmo poderia valer para as filhas de juízes.

E o aposentado rural?

O que temos que fazer é endurecer progressivamente as regras para que a aposentadoria se aproxime da urbana. Mudaram as características do trabalho rural. O trabalhador hoje vive na cidade, muitos têm carteira assinada. Aquele trabalhador da roça, com enxada, está no rural distante, não no interior de Goiás, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná... O Brasil não é rural como há 30, 40 anos.

Quem menos contribui e mais ganha?

Os que mais recebem transferências são mulheres de aposentadorias especiais, como professoras, seguidos de homens com aposentadorias especiais. Em seguida, vêm mulheres e homens que se aposentam por tempo de contribuição e, por fim, os trabalhadores por idade e os benefícios assistenciais. De maneira geral quem menos contribui em relação ao que ganha são os trabalhadores mais qualificados.

Por quê?

Esses trabalhadores se aposentam por tempo de contribuição. E do jeito que está a nossa regra (30 anos para mulheres e 35 anos para homens), eles se aposentam muito precocemente. Se ele começa a trabalhar aos 20 anos, aos 55 ele se aposenta. Se viver até os 80 anos, receberá o máximo por 25 anos. Os que têm aposentadoria especial recebem ainda mais transferências. Uma professora se aposenta com 25 anos de profissão. Se ela ganha R$ 5.000, vai contribuir com 11% do que ganha. Se aposentar aos 50 e viver até os 80 anos, vai receber 100% do que ganhava por 30 anos, mais tempo do que trabalhou.

Se voltarmos a crescer o deficit da previdência se resolve?

O PIB certamente voltará a crescer antes que volte a crescer o emprego. Melhora um pouco a situação porque empresas que estão com dificuldade de pagar os tributos voltarão a pagar. Mas as pessoas vão continuar a se aposentar a uma taxa que nas próximas duas décadas será muito forte, a despesa vai aumentar e a receita [que depende do emprego] não.

Se a sociedade aceitasse aumentar a idade, poderia ter um benefício maior?

Não creio e não concordo que as aposentadorias paguem pouco. Em nenhum país do mundo, um trabalhador que ganha US$ 20 mil se aposenta ganhando US$ 20 mil. Mesmo quem ganha menos, não vai ganhar o mesmo. Já no Brasil, para os que ganham em torno de R$ 5.000 [teto do INSS], a aposentadoria é integral.

Apartar a regra de correção do salário mínimo do piso da previdência é imprescindível?

Como o PIB foi negativo no ano passado e como a regra de reajuste é inflação mais PIB, significa que nos próximos dois anos o salário mínimo não terá aumento. É possível adiar essa discussão para daqui a dois anos, quando teremos um presidente eleito e que terá mais legitimidade para tratar do assunto. Mas isso será necessário. O número de benefícios de um salário mínimo está crescendo assustadoramente, são 60% do total, então todo aumento são gastos na veia.

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RAIO-X

Formação
Economista formado pela USP, doutor em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro)

Atuação
É professor e diretor-presidente da Companhia Fluminense de Securitização. Foi coordenador do Grupo de Estudos da Previdência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diretor do IBGE e subsecretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro. Autor de diversos livros sobre previdência, como "Demografia: uma ameaça invisível - o dilema previdenciário que o Brasil se recusa a encarar", "Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas" e "Reforma da Previdência - a visita da velha senhora".


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