Folha de S. Paulo


Cúpula da Embraer autorizou pagar propina no exterior, afirma gerente

Um funcionário da Embraer com mais de 30 anos de casa disse, em depoimento ao Ministério Público Federal do Rio, que a cúpula da empresa autorizou o pagamento de suborno a uma autoridade da República Dominicana durante negociações para venda de oito aviões Super Tucanos, entre 2008 e 2009.

Gerente da área de defesa da companhia, Albert Phillip Close assinou acordo de delação premiada para colaborar com as investigações e no dia 4 de abril deste ano revelou aos procuradores detalhes sobre as negociações.

Segundo ele, a Embraer pagou US$ 3,5 milhões de propina ao coronel aposentado da Força Aérea Carlos Piccini Nunez, que dirigia a área de projetos especiais do Exército dominicano na época. O contrato obtido pela Embraer tinha o valor de US$ 92 milhões.

O caso foi descoberto pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que informou a empresa e as autoridades brasileiras sobre os delitos em 2010. A Embraer tem colaborado com as investigações, por temer punições previstas pela legislação americana para empresas com negócios nos EUA que praticam atos de corrupção no exterior.

Documentos foram compartilhados com o procurador brasileiro Marcelo Miller, que até o mês passado fazia parte da força-tarefa que conduz a Operação Lava Jato.

Em comunicado sobre os resultados do segundo trimestre, divulgado na sexta-feira (29), a Embraer informou que separou US$ 200 milhões (R$ 685 milhões) para o pagamento de uma multa que deverá ser definida em breve como consequência das investigações americanas.

A empresa informou também que negócios em outros países também estão sendo analisados, e não só na República Dominicana. Uma pessoa que acompanha as investigações disse à Folha que os EUA examinam contratos da Embraer em nove países.

Albert Close, o gerente que colabora com as investigações no Brasil, disse ao procurador Miller que começou a examinar o caso da República Dominicana em 2009, quando foi encarregado de analisar um contrato da Embraer com uma empresa chamada 4D, de US$ 3,5 milhões.

"O documento não tinha estrutura, não tinha objeto e não descrevia os serviços prestados", disse Close. Após falar com seus subordinados, ele descobriu que a 4D era de uma pessoa chamada "Piccini" e mandou cancelar o pagamento. "Como não havia base para a contratação, não houve pagamento naquele momento", afirmou Close.

Piccini era o coronel Carlos Piccini Nunez. Como o pagamento da propina não saiu, o militar passou a assediar os funcionários da Embraer, disse Close, cobrando a propina por telefone e publicando mensagens no Facebook.

O gerente disse que então avisou seu superior, Orlando José Ferreira Neto, vice-presidente-executivo de defesa e segurança. Segundo Close, o chefe desconhecia o assunto e pediu que analisasse se a 4D tinha prestado os serviços previstos em seu contrato.

No segundo semestre de 2009, disse Close, dois funcionários da Embraer viajaram à República Dominicana para discutir o contrato dos Super Tucanos. Eles se reuniram com um senador dominicano, que, segundo Close, cobrou a propina de forma "muito agressiva" e ameaçou impedi-los de deixar o país.

TUBARÃO

Uma pessoa familiarizada com o caso disse à Folha que o senador reteve os passaportes dos brasileiros e avisou que, caso a dívida não fosse paga, os dois funcionários "virariam comida de tubarão".

Segundo Close, os brasileiros ficaram assustados e foram orientados por Ferreira Neto a pagar imediatamente parte da propina, "cem ou quatrocentos mil dólares". Mas o coronel Piccini continuou cobrando o restante.

Em setembro de 2009, segundo o delator, seu chefe disse que a empresa havia decidido pagar tudo. Ferreira Neto era subordinado diretamente ao então presidente da Embraer, Frederico Fleury Curado. Para Close, a operação teve o aval de Curado.

O gerente disse ter sido informado pelo chefe de que um antigo consultor da Embraer ficou encarregado de fazer os pagamentos a Piccini. Para isso, seu contrato com a Embraer foi alterado pelo então vice-presidente jurídico, Flávio Rimoli, disse.

Atualmente, Rimoli é vice-presidente de governança corporativa, auditoria e controle interno da construtora Camargo Corrêa, que criou o departamento após ser investigada pela Operação Lava Jato.

OUTRO LADO

A Embraer não quis fazer comentários sobre o depoimento prestado por seu gerente Albert Phillip Close ao Ministério Público Federal, dizendo por meio de nota de sua assessoria de imprensa que "não é parte desse processo" e "não tem acesso às informações nele contidas".

Em comunicado ao mercado divulgado na sexta-feira (29), a empresa afirmou que tem colaborado com as investigações conduzidas pelo Departamento de Justiça dos EUA e pela SEC, o órgão do governo americano que fiscaliza o mercado de ações.

"A companhia contratou advogados externos para realizar uma investigação interna em operações realizadas em três países", disse a Embraer. "Em decorrência de informações adicionais, a companhia voluntariamente expandiu o escopo da investigação interna para incluir as vendas em outros países."

Segundo a empresa, as negociações com as autoridades americanas para encerrar as investigações avançaram neste ano. A Embraer deverá pagar uma multa, para a qual separou em junho a quantia de US$ 200 milhões (equivalente a R$ 685 milhões).

Segundo a empresa, o acordo em discussão com o governo americano livrará a Embraer de um processo criminal e a obrigará a contratar um monitor independente para avaliar o cumprimento do que ficar combinado.

O advogado José Luis de Oliveira Lima, que representa Close, disse que o processo é sigiloso e não tem nada a comentar. O ex-presidente da Embraer Frederico Fleury Curado, que deixou o cargo em junho, não quis se manifestar.

O advogado Celso Vilardi, defensor do executivo Flavio Rimoli, afirmou que o fato de ele ter examinado os contratos com a República Dominicana "não quer dizer que ele soubesse de qualquer irregularidade". A Folha não localizou a defesa do ex-vice-presidente da Embraer Orlando José Ferreira Neto.

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QUEM É QUEM

O suborno teria sido pago ao coronel aposentado da Força Aérea dominicana Carlos Piccini Nunez, após pressão sobre a empresa. Um senador do país, que não foi identificado, teria ameaçado dois funcionários, disse Close

A propina foi paga por um contrato com um consultor, que a repassou a Piccini. A mudança foi feita por Flávio Rimoli, então vice-presidente jurídico da Embraer e hoje responsável pela área anticorrupção da Camargo Corrêa

Segundo o gerente da Embraer Albert Phillip Close, em 2009 o então presidente da empresa Frederico Fleury Curado autorizou o pagamento de US$ 3,5 milhões em propina para garantir a venda de oito aviões Super Tucanos para a República Dominicana

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RAIO-X EMBRAER 2º TRI 2016

PREJUÍZO LÍQUIDO
R$ 337,3 milhões

DÍVIDA LÍQUIDA
R$ 1,96 bilhão

RECEITAS LÍQUIDAS
R$ 4,77 bilhões

AERONAVES VENDIDAS
52

PATRIMÔNIO LÍQUIDO
R$ 12,26 bilhões

FUNDAÇÃO
1969


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