Folha de S. Paulo


Ideologia não vai definir ganhos nas concessões, afirma Moreira Franco

Ueslei Marcelino/Reuters
Moreira Franco, secretário-executivo do Programa de Parceria em Investimentos
Moreira Franco, secretário-executivo do Programa de Parceria em Investimentos

O governo deverá restringir, nas próximas concessões de projetos de infraestrutura, um mecanismo muito usado pelas empreiteiras que venceram leilões de rodovias e aeroportos nos últimos anos.

A ideia é inibir consórcios que tenham empreiteiras como sócias de contratar empresas coligadas para tocar obras exigidas pelas concessões.

"Consórcio é para operar aeroporto, não é para arrumar trabalho para um braço da empresa", disse à Folha o secretário do Programa de Parcerias de Investimentos, Moreira Franco. Escolhido pelo presidente interino, Michel Temer, para organizar um pacote de parcerias com o setor privado, Moreira afirma que a "ideologia não vai definir ganhos nas concessões" e que "não vai haver subsídio" como no passado.

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Folha - O que fará os investidores voltar a apostar no Brasil?

Moreira Franco - Estamos fazendo um esforço para restabelecer algo que o país sempre teve, mesmo no regime militar: um ambiente de segurança jurídica. Regras contratuais eram respeitadas.

Deixaram de ser?

Deixaram. Por mudanças, indefinição de fóruns e excessiva centralização de poder. Desde que a presidente Dilma [Rousseff] veio para a Casa Civil, começou uma concentração de poder na pasta. Isso enfraqueceu o poder político dos ministérios e o poder técnico das agências.

Quais seriam três medidas para atrair mais investidores?

A primeira é a questão de prazo. É absolutamente impossível fazer uma análise adequada e criteriosa em 45 dias, que era o prazo antes entre o lançamento do edital e o leilão. Isso gera atropelo, pressão e descontrole. Precisamos de, no mínimo, cem dias. No setor de óleo e gás, um ano.

Quais outras medidas?

Só vai se publicar o edital após licença prévia [ambiental]. Também queremos mudar a natureza dos contratos.

Contrato de concessão não é contrato de obra. Como todas as grandes empreiteiras participaram de todas as licitações [de concessões], a concessionária fazia a obra com o braço de empreiteira.

Criou-se a cultura de fazer as regras de contrato muito mais como se fosse um contrato de obra do que de concessão. Isso tem que mudar. No plano jurídico e no plano cultural.

Como?

Tenho levado à consideração de meus companheiros a hipótese de termos uma proibição, talvez um constrangimento, de que uma empresa, que tenha uma empreiteira e seja a cabeça do consórcio, possa contratar do mesmo grupo.

A ideia é contratar fora?

Consórcio é para operar aeroporto, não para arrumar trabalho para um braço da empresa. Temos que estimular que venham empreendedores com disposição e cultura de fazer investimentos e buscar retornos na prestação de um serviço de qualidade.

É difícil inibir a participação de uma empresa que tenha braço de empreiteira, mas [precisamos ter] uma regra que iniba essa prática.

Haveria menos competição?

Já temos isso hoje, com um ambiente concorrencial muito fraco. Os mesmos atores estão em todos os lugares.

Como resolver?

Estamos organizados para recorrer ao Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] para definir regras para estimular a concorrência. Precisamos de um ambiente em que possam participar empresas estrangeiras, e uma das iniciativas, que é singela mas não era feita, é ter todos os documentos em inglês e português.

A Operação Lava Jato encontrou uma troca de mensagens entre o sr. e o ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Azevedo, sobre o leilão do aeroporto de Confins, quando o sr. estava no governo Dilma. A PF suspeita de favorecimento.

Não há acerto nenhum. Ele conversa comigo para dizer que participou e ganhou. Conversei com todos, porque a gente tinha receio de não haver disputa nos leilões. Havia um esforço grande para não dar vazio.

Como financiar as concessões?

O BNDES, a Fazenda e nós estamos trabalhando numa nova modelagem. Ela tem de romper com um dos grandes problemas dessa rodada que foi o uso excessivo do BNDES como fonte única e exclusiva.

Como atrair empresas para projetos de longo prazo quando uma aplicação em títulos do governo rende 15% ao ano?

Isso tem que ser visto. Não dá para numa modelagem de financiamento trocar a ideologia pela aritmética. E isso foi feito [no governo anterior].

Quiseram resolver com ideologia problemas que só a arimética resolve. Querer discutir taxa de retorno a partir de critérios ideológicos é impossível. Para que a taxa de retorno fosse aquela que o governo quis, ele teve que mobilizar o BNDES para financiamento com juros subsidiados.

O governo Dilma dizia que fazia isso para reduzir o custo da logística. Qual o caminho?

Não vai haver subsídio, não dá para haver. O modelo anterior nos deixa para este ano um deficit de R$ 170,5 bilhões. Não dá para repetir aquilo. A ideologia não vai definir ganhos nas concessões do governo Temer.

Como será o novo modelo de financiamento dos projetos de concessão?

Não vai haver taxa de retorno nem se vai dizer com quanto o BNDES vai entrar. [O BNDES] pode ser até financiador, mas não pode indicar o vencedor.

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RAIO-X WELLINGTON MOREIRA FRANCO

Nascimento: 19 de outubro de 1944, em Teresina, Piauí

Profissão: sociólogo

Cargo: secretário do Programa de Parcerias de Investimentos

Carreira: ministro da Secretaria de Aviação Civil e da Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo Dilma; vice-presidente da Caixa no governo Lula; deputa federal e assessor especial do governo FHC; prefeito de Niterói (1977/1982); governador do Rio (1987/1991)


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