Folha de S. Paulo


Vale quer avançar sobre lagoas em reserva florestal, diz órgão

A Vale quer mudar uma condicionante do licenciamento ambiental do projeto S11D, o maior da história da mineradora, para aumentar a reserva de minério a ser explorada na região, segundo órgãos ambientais.

Pelo licenciamento de instalação, a mineradora precisa manter uma distância mínima de 500 metros em relação a duas lagoas da Floresta Nacional dos Carajás, chamadas de Violão e Amendoim.

Elas são importantes porque servem como reservatório perene de água para a fauna da floresta. Em outros pontos da mata, as fontes ficam secas em certos períodos.

A Folha esteve nas lagoas, após percorrer mais de 60 quilômetros por dentro da floresta de Carajás, no início deste mês. No caminho encontrou animais como cotias, arara-azul-grande, veado-mateiro, quatis e jacamins.

Segundo fonte do Ibama, o desejo da Vale é reduzir o perímetro mínimo em torno da lagoa. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) vai além: a Vale quer explorar minério dentro delas.

"Para explorar aqui, você primeiro precisa drenar a água, depois explodir o solo e, enfim, lavra o minério", diz Frederico Martins, chefe da unidade de conservação da Floresta Nacional de Carajás.

Quando a Vale entrou com o pedido de licenciamento do S11D, em novembro 2009, estava prevista a destruição das lagoas. Elas foram retiradas dos planos posteriormente para viabilizar a obtenção de licença.

Além das lagoas, outro foco de preocupação são as cavernas da região. Estudo de impacto ambiental da Vale identificou 174 delas, sendo ao menos 16 preservadas por terem "relevância máxima".

A Folha esteve em uma destas cavernas. Localizada dentro do S11D, ela é habitada por uma espécie rara de morcego, amarelo, chamado Natalus.

Segundo uma nota técnica da Vale, as perdas de reserva provocadas pelos perímetros das cavernas e lagoas chegariam a 1,85 bilhão de toneladas de minério, o que representa 52% do potencial do empreendimento.

"Tal fato representaria o comprometimento da viabilidade do Projeto Ferro Carajás S11D", avaliou a mineradora no parecer técnico, registrado em junho de 2012 e disponibilizado no site do Ibama.

Leonardo Neves, líder de Meio Ambiente e Socioeconomia da Vale, diz que a atual configuração dos empreendimentos preserva as áreas das lagoas, mas que a empresa está "conversado com o ICMBio e o Ibama" sobre a questão.

Posteriormente, em nota, a Vale acrescentou que "acredita na viabilidade técnico-econômica do S11D". E que "ratifica o compromisso de preservar todas as cavidades de máxima relevância, em conformidade com os dispositivos legais vigentes".

Apesar da aparente incompatibilidade de preservação e mineração, a Vale conseguiu avanços importantes no S11D, ainda que após pressão dos órgãos ambientais.

A usina de beneficiamento foi instalada fora da Floresta de Carajás, numa área de pastagem, assim como a pilha de estéril. Isso reduziu a necessidade de desmatamento de 2.600 para 1.600 hectares.

Além disso, a usina foi projetada para funcionar com a umidade natural, sem geração de rejeitos e sem barragem. O consumo de água do processo será 93% menor, o equivalente ao consumido por uma cidade de 400 mil habitantes.

Em novembro do ano passado, uma barragem de rejeitos da Samarco (joint venture da Vale com a BHP Billinton) se rompeu em Mariana (MG) e deixou uma rastro de destruição, matando 19 pessoas.

MULTA AMBIENTAL

Outro avanço da Vale foi o sistema "truckless": em vez de caminhões transportarem o minério de ferro e estéril dentro do projeto, isso será feito com correias transportadoras, reduzindo combustíveis e emissão de CO2.

Ainda assim, a Vale foi multada em R$ 500 mil pelo Ibama, em meados de 2014, por deixar de cumprir um dos condicionantes, que previa que qualquer ampliação ou mudança no projeto deveria ser submetida ao órgão.

Atualmente, o MPF (Ministério Público Federal) em Marabá, no Pará, informa que investiga o cumprimento da Licença Ambiental Básica pela Vale no S11D e também no novo ramal ferroviário da mineradora. Umas das preocupações é poluição dos rios.

Procurada, a Vale disse que prestou os "devidos esclarecimentos" ao Ibama e que a licença de instalação foi posteriormente retificada. Disse ainda que recorre administrativamente da multa.


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