Folha de S. Paulo


'Sou contra falar em privatização da Petrobras', diz presidente da empresa

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O presidente da Petrobras, Pedro Parente, disse à Folha que não haverá "dogmas" na venda de ativos da estatal e admitiu estudar o controle compartilhado com o setor privado de algumas subsidiárias, como a BR Distribuidora ou a Transpetro.

"Na hipótese de a gente abrir a maior parte do controle, é com cocontrole", afirmou, lembrando que isso será feito obedecendo a três condições: maximizar o valor dos ativos, preservar a empresa verticalizada e manter os seus interesses estratégicos.

Dogma, para Parente, é apenas a privatização da estatal. "Não acho que a sociedade brasileira esteja madura para sequer discutir, isto sim é dogma, a privatização da Petrobras."

Em entrevista à Folha no escritório de São Paulo, Parente afirmou que os diretores envolvidos no petrolão "foram escolhidos com a intencionalidade" de praticar crimes e apontou que uma das razões da crise da estatal foi "fazer deliberadamente a escolha desses desonestos para liderar a empresa".

Nome apontado pelo presidente interino, Michel Temer, como um dos trunfos de seu governo para ganhar a confiança do mercado, Parente sorriu antes de responder se ficaria na empresa numa eventual volta de Dilma Rousseff. "Não sei. Não tenho a menor ideia", afirmou.

Fabio Braga/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 15-07-2016: Exclusiva com Pedro Parente, Presidente da Petrobras. (Foto: Fabio Braga/Folhapress, MERCADO)***EXCLUSIVO***.
Pedro Parente, Presidente da Petrobras

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Folha - Que diagnóstico o sr. faz da situação da empresa, um mês após ter assumido?
Pedro Parente - A empresa estava muito doente. Há um ano e meio, era uma hemorragia aguda: não tinha balanço e estava no limite de provocar resgate de dívidas. A turma que chegou naquela época conseguiu resolver essa hemorragia. Mas ainda há problemas complicados, e a síntese deles é o nível de endividamento.

Logo depois da capitalização, em 2010, a Petrobras tinha dívida equivalente a menos de uma vez sua geração de caixa. Quatro anos depois, saltou para quatro vezes a geração de caixa. E [isso foi gasto] em projetos que depois se mostraram totalmente equivocados, desastrosos. Veja por exemplo o Comperj, no qual a empresa investiu US$ 13 bilhões, mas não obteve nenhum retorno.

Faz sentido fazer parcerias para futuros investimentos?

Faz todo o sentido. A gente é muito bem-sucedido em parcerias no upstream [exploração e produção], e nós achamos que faz sentido reproduzir esse modelo de parcerias em outras áreas da empresa. Mas não podemos esquecer questões estratégicas. Para extrairmos o melhor resultado possível da empresa, temos de manter a empresa verticalizada.

A gente tem de estar no upstream e no downstream [refino e distribuição]. Mas não precisa estar com 100%. Não quero entrar em detalhes porque ainda trabalhamos no planejamento estratégico. Mas vemos valor nas parcerias. Reduzem riscos, a necessidade de aporte de capital, trazem tecnologias e cultura diferentes. A grande discussão que se coloca neste momento: controle ou cocontrole (controle compartilhado)?

Seria com cocontrole?

Eu não quero me antecipar. Agora, independentemente de uma direção ou de outra, o fundamental é preservar os interesses estratégicos da Petrobras. Se for cocontrole, só será feito na medida em que garantirmos a preservação dos nossos objetivos estratégicos. Em exploração, a gente já tem muitas parcerias, inclusive minoritárias. É uma discussão importante que seja colocada, mas não estou comunicando uma decisão. Estudamos todas as alternativas, sem dogma.

Na BR Distribuidora está mais avançada...

Para a BR Distribuidora recebemos três propostas e estamos avaliando se a modalidade em que foi escolhida é a que mais agrega valor para a empresa. Se existirem outras possibilidades, mais competitivas, para nós, fará sentido. Não vamos olhar essas questões com dogmas, mas observando três condições: maximizar o valor da Petrobras, preservar sua condição de empresa verticalizada e nossos interesses estratégicos.

O sr. abre mão em qualquer área de ser o controlador?

Quando digo que é sem dogma, é que olhamos todas as questões presentes. Meu medo é vocês colocarem: "Presidente da Petrobras admite vender controle". Eu não quero chegar a esse ponto, porque não tenho decisão nesse ponto. Estamos falando em cocontrole, na hipótese de a gente abrir a maior parte do controle, é com cocontrole.

O sr. não está falando em cocontrole na estatal Petrobras como um todo?

De jeito nenhum. Quero deixar clara a minha opinião, eu não acho que a sociedade brasileira esteja madura para sequer discutir, isto sim é dogma, a privatização da Petrobras. Eu acho que o trabalho que a gente tem de fazer é transformar a Petrobras de volta na maior empresa brasileira.

O gigantismo da Petrobras contribuiu para os desvios investigados na Lava Jato?

A empresa fez diversas modificações de controles internos, não temos mais decisões monocráticas. Hoje, as decisões da empresa são feitas em comitês estatutários para evitar que esse problema aconteça de novo.

Dada a intencionalidade dos agentes que cometeram esses crimes, é difícil acreditar que o problema tenha sido essa ou aquela forma com que a Petrobras faz suas compras e suas licitações. Eles dariam uma volta em qualquer tipo de sistema porque, no fim do dia, a consecução da prática não se dava na própria empresa, na assinatura dos contratos. Esse dinheiro saía depois de fazer o pagamento [às empreiteiras], conforme as delações. Tenho visto afirmarem que o regime de compras da Petrobras foi uma das causas. Eu tenho dúvidas. Porque havia uma claríssima intencionalidade de agir daquela forma.

Eles tinham muita autonomia para decidir, não?

Tinham, e houve uma trajetória que se mostrou muito funcional ao que aconteceu: exigir um conteúdo local muito maior, inclusive em áreas em que o país não tinha condições de atender. Todas as metas aparentemente autorizadas pelo pré-sal, mas que depois se mostravam irrealistas. E, em razão dessas metas irrealistas, precisamos construir mais refinarias, fazer mais contratos disso e daquilo. E é em razão dessas obras que não produziram resultados que temos a situação de hoje.

A intencionalidade desses agentes que transformaram a Petrobras em vítima é a principal razão, não o gigantismo.

Vítima de sua equipe...

Não é da sua equipe, é de uma minúscula minoria. Em um grupo de 80 mil indivíduos, 20, 30 são desonestos. O problema é fazer deliberadamente a escolha desses desonestos para liderar a empresa. Eles foram escolhidos com essa intencionalidade.

O Palácio do Planalto, que chancelou a indicação, também teve essa intenção?

Sem comentários.

A Petrobras deveria ser fatiada para ser mais eficiente?

Eu estou lá para provar o contrário. Eu seria absolutamente contra que ela fosse fatiada. Quero deixar claro que eu sou contra falar em privatização da Petrobras.

E o conteúdo nacional?

Eu sou a favor de uma política de conteúdo nacional. O que não acho aceitável nem possível é que seja uma política de reserva de mercado. Talvez o prejuízo mais grave foi o atraso na construção. Temos que ver aquilo que o país tem mais condições de produzir com competitividade.

O sr. é a favor da volta do modelo de concessão no pré-sal?

O modelo de partilha é o menos favorável para as empresas. Mas isso é questão de política de governo.

Tem projeção recente das perdas com ações nos EUA?

Nós estamos trabalhando para ter a menor perda possível. Eu não faço projeção. Nosso trabalho é reduzir ao mínimo, se possível não pagar nada nessas ações.

É possível não pagar nada?

O nosso trabalho é deixar absolutamente evidente que fomos vítimas dessa quadrilha. Vejam a distinção que existe entre a situação da Enron e a da Petrobras. A Enron praticou uma série de atos e iniciativas que tiveram como consequência o benefício da própria empresa. A Petrobras não teve benefícios, só teve perdas, uma perda financeira, uma perda reputacional.

Não há um provisionamento?

Para nós, não é caso para provisionamento de perdas.

A meta de venda de ativos de US$ 15 bilhões neste ano será mantida?

Entre US$ 15 bilhões e US$ 16 bilhões. Considerando o que já fizemos, que não foi muito, estamos hoje com uma meta de US$ 14,1 bilhões. Estamos mantendo a meta.

A venda vai se acelerar?

Não posso dizer ainda, mas a grande discussão será, atendendo às questões estratégicas da empresa, qual a velocidade com que vamos reduzir o endividamento. Em hipótese nenhuma será pior que a meta colocada.

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RAIO-X PEDRO PARENTE

Nascimento
Nasceu no Rio, em 21 de fevereiro de 1953

Formação
Engenharia, UnB

Cargo
Presidente da Petrobras desde 2 de junho

Carreira
Presidente da Bunge Brasil (2010-2014); vice do grupo RBS (2003-2009); de 1999 a 2002, foi ministro de FHC (Planejamento e Casa Civil); ficou conhecido como "ministro do apagão", ao coordenar a Câmara de Gestão da Crise de Energia, em 2001


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