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Temer planeja privatizar Congonhas e Santos Dumont; veja entrevista

Alan Marques/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 16.05.2016. O presidente interino da República, Michel Temer, dá entrevista exclusiva para a Folha sobre a o política de seu governo. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER *** ESPECIAL ***
O presidente interino da República, Michel Temer, dá entrevista exclusiva à Folha

Em busca de recursos para reduzir o rombo nas contas do governo, o presidente interino, Michel Temer, disse à Folha que vai estudar a privatização dos aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ). "É possível que venhamos a privatizar, vai ser analisado, Congonhas e Santos Dumont, o que deve dar uma boa soma", afirmou.

Lembrado de que não havia apoio à ideia no governo Dilma Rousseff, Temer disse não ver hoje resistências na área econômica. "Também não há da minha parte."

Congonhas e Santos Dumont têm a rota mais movimentada do país, a ponte aérea Rio-São Paulo. A inclusão dos dois na lista de privatizações é uma mudança importante no pacote de concessões que está sendo montado pelo governo interino. Inicialmente, a ideia era vender só quatros unidades neste ano –Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza–, o que renderia, no mínimo, R$ 4,1 bilhões de receita.

Já foram concedidos à iniciativa privada seis aeroportos, responsáveis por 45% do fluxo de passageiros do país.

Há dois modelos em discussão sobre o futuro de Congonhas e Santos Dumont. Um, da área econômica, prevê a venda do controle, mantendo a Infraero como sócia minoritária. Outro, do setor de aviação civil, prevê uma gestão privada das unidades, mas com controle acionário nas mãos da estatal. Uma holding da Infraero teria 51% do capital, mas seriam abertas empresas para gerir os aeroportos. Nelas, o novo sócio privado seria majoritário e responsável pela gestão.

Temer disse esperar que a venda de ativos e a recuperação da economia gerem receitas suficientes para cumprir a meta fiscal de 2017, que prevê deficit de R$ 139 bilhões, mas não descartou a possibilidade de elevar impostos.

"O meu desejo é que não aumente, mas, se houver absoluta necessidade, não tem o que fazer." Ele citou a Cide, tributo que incide sobre combustíveis, e o PIS/Cofins como hipóteses em estudo.

O peemedebista recebeu a Folha no gabinete presidencial, onde disse que a chance de a Operação Lava Jato atingi-lo é zero. "Pode botar um zero em letras garrafais."

Temer assumiu o cargo interinamente em maio, quando o Senado instaurou o processo de impeachment da presidente Dilma e ela foi afastada do cargo. Questionado sobre o que mudará no seu governo se o Senado condenar a petista em agosto e afastá-la definitivamente, respondeu: "Não muda nada. Sei da interinidade, mas estou agindo como se fosse efetivo".

Temer disse, porém, que só enviará ao Congresso propostas para as reformas previdenciária e trabalhista "depois do impeachment".

Apesar de não admitir publicamente, Temer diz acreditar que terá os votos necessários para assumir a Presidência em caráter definitivo. "Mas é uma questão que deixo por conta do Senado."

E se Dilma voltar, será uma frustração? "Minha não será. Não vivo da Presidência, vivo da minha vida interior", disse, fazendo a ressalva de que tem grande prazer em ser presidente e que seu objetivo é colocar o país "nos trilhos".

O presidente interino, Michel Temer, disse que já sente "novos ares" na economia, não descarta conceder um novo Refis (refinanciamento de dívidas) pedido por empresários e que, se confirmado no cargo, começará a fazer viagens internacionais para buscar investimentos para o país.

O peemedebista recebeu a Folha um dia depois de Eduardo Cunha renunciar à presidência da Câmara. "Eu acho que, para ele, foi melhor", disse, acrescentando que pediu à base aliada que busque um candidato único para substituí-lo. Mas adiantou não acreditar nisso.

Assista

Folha - A nova meta não indica que o governo ainda precisa fazer mais na área fiscal?

Michel Temer - A meta [de R$ 139 bilhões] foi realista, porque muitos propunham que fosse maior, que fosse menor, e chegamos a um valor que, pelo menos na aparência, é realista. Vai exigir sacrifícios? Vai.

A ala política do governo queria uma meta de R$ 160 bilhões. Por que optou por essa?

Eu pensei melhor: "Não, quero uma meta menor". E pressionei um pouquinho a Fazenda e o Planejamento para chegarem a uma meta menor. Pegou bem para o mercado.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, admitiu que talvez seja necessário aumentar tributos. O que será elevado?

É um talvez, por enquanto, não é nada definido. Vamos verificar com a venda dos ativos se vai ser necessário. A Cide está sendo pensada, mas temos de ver as consequências, pode ter impacto na inflação. PIS/Cofins é outra hipótese. Meu desejo é que não aumente, mas, se houver absoluta necessidade, não tem o que fazer.

O que será colocado à venda?

Entraram em pauta, ontem [quinta-feira, dia 7], os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont, o que deve dar uma boa soma. Não quero dizer que haja uma confirmação, mas pensa-se nesses dois aeroportos. Tudo isso vai abatendo do deficit.

Vão privatizar os dois aeroportos?

Houve essa conversa. É possível que venhamos a privatizar, vai ser analisado.

No governo Dilma, havia resistência.

Hoje eu não vejo essa resistência na área econômica. E também não há resistência da minha parte.

O que mais estará à venda?

Eles vão levantar a lista do que é privatizável. Correios acho complicado, porque deu prejuízo muito grande. A Petrobras não dá, tem uma simbologia muito grande.

Qual a idade mínima ideal para aposentadoria?

A idade de 65, que, aliás, já está na Constituição, para homens. Fala-se sempre na equiparação entre homens e mulheres, mas acho que tem de haver uma pequena diferença. Dois a três anos. Hoje é de cinco anos.

Neste curto prazo de governo, os juros vão cair quando?

Vou estimular estudos no sentido de que haja uma queda de juros neste ano ainda, mas se for possível.

O sr. tem sido criticado por ter um discurso de austeridade fiscal e, na prática, distribuir bondades, como aumento para funcionalismo, renegociação de dívida dos Estados...

As pessoas acreditam que o governo é um foco só. Governo só existe para fazer restrições e impedir gastos. Governo não é isso. Imaginou se eu não cumprisse esses acordos [de aumento do funcionalismo], feitos no governo anterior? Os servidores do Judiciário entram em greve, os do Ministério Público, também, os servidores civis entram em greve e fazem movimento nas ruas. Seria um desastre, até porque eles legitimamente diriam que havia um acordo com o governo. E não é o governo passado ou atual, é o governo do Brasil.

Depois dos Estados, há mais gente querendo refinanciamento de dívidas, como o setor industrial.

Querem um novo Refis, não é? Não sou radicalmente contra. Tem muita gente que quer produzir, obter um empréstimo, e não pode porque começou num Refis e não continuou o pagamento. Com isso foi impedido de obter crédito. Pedi para estudar este assunto.

Mas não estimula as empresas a ficarem devendo apostando num refinanciamento?

Não acredito, porque num dado momento isso vai parar.

Passada a interinidade, se acontecer isso, o que mudará no seu governo?

Não muda nada. Porque eu sei da interinidade, mas estou agindo como se fosse efetivo. Eu acho que farei viagens internacionais, que não tenho feito agora para evitar qualquer espécie de constrangimento, com o objetivo de revelar que o país entrou numa normalidade absoluta e buscar investimentos.

O sr. falou em fazer maldades, quando elas virão?

Não são maldades. São aparentes maldades, em benefício do país. Eu disse algumas medidas impopulares. Elas são impopulares na primeira visão. Sequencialmente, serão populares, porque as pessoas dirão que deram certo.

O tópico da Previdência Social é sempre tido como algo impopular. Mas não é, hoje, até as pesquisas mostram isso. Uma diz que 65% da população é a favor da reforma da Previdência, até com limite de idade.

As reformas da Previdência e trabalhista vão ser encaminhadas antes ou depois do impeachment?

Depois do impeachment. Não há nem condições para ser antes. Temporalmente.

Eduardo Cunha ouviu seu conselho?

Ele não é homem de receber conselhos. Não convenço ele de nada, sempre foi assim. Eu até, pessoalmente, sem nunca ter dado conselho direto, acho que, para ele, foi melhor.

Quem vai ser o novo presidente da Câmara?

Não sei e não vou entrar nisto. Só fiz uma proposta. Disse que seria útil para a Câmara fazer um grande acordo e ter um único candidato. É claro que seria bom para o governo também. Mas aí você me pergunta, será que é possível? Pelo que tenho ouvido parece difícil, haverá disputa.

Se houver disputa, para quem o governo fará campanha?

Para ninguém.

Qual é o placar hoje do julgamento do impeachment da presidente Dilma?

Prefiro deixar por conta do Senado. Só posso falar do placar anterior, foram 55 votos.

Tem mais votos agora?

Dizem-me que sim, mas essa é uma questão que deixo para o Senado.

Na hipótese de o Senado aprovar a volta da presidente, será bom ou ruim para o país?

Ah, não sei, quem vai dizer isso é o povo. Ou melhor, quem vai dizer será o Senado.

Não vai ser uma frustração para o senhor?

Minha não será. Você sabe que não vivo da Presidência. Vivo da minha vida interior. Agora, quando tenho uma missão, e eu já recebi missões difíceis na vida, eu as enfrento. Tenho muito gosto, muito prazer cívico em poder presidir o país, mas com que objetivo? Colocá-lo nos trilhos. Se o destino decidir que não, decidido estará.

Quando a população vai sentir uma melhora na economia?

Eu já sinto novos ares. Sinto. Estou falando de alguns setores.

Mas o desemprego...

Quanto tempo vai demorar para você reduzir sensivelmente o desemprego, eu não saberia dizer. O que tenho de fazer, como governante, é produzir atos para o combate ao desemprego. No começo do ano que vem começaremos a ter resultados.

O sr. teme a cassação da chapa no TSE?

Sabe que isso não está nas minhas preocupações. Só penso quando vocês se recordam disso.

Teme ser surpreendido pela Operação Lava Jato envolvendo o seu nome?

Zero de chance. Não tenho a menor preocupação. Porque nunca me meti nisso. Nunca entrei nessas histórias. Há uma notícia, mas depois aquilo não cola, não vai para a frente. Não tenho a menor preocupação. Zero. Pode botar um zero em letras garrafais.

Qual sua avaliação da Lava Jato?

Positiva para o país.

O que fazer para que essas práticas descobertas pela Lava Jato não se repitam?

Fiscalização administrativa, consciência de que esses atos não podem ser praticados, seja pela área privada seja pela pública. A conscientização disso é importante, e a Lava Jato, nesse sentido, ajuda nessa conscientização.

E delatores, o que acha deles?

Está previsto na lei, aquilo que está previsto na lei não discuto, eu concordo.

É a favor de mudar a lei?

Não, eu nunca pensei nisso e nunca sugeri.


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