Folha de S. Paulo


Austrália atinge marca de 25 anos de crescimento sem recessão

HO/AFP
Austrália completa marca de 25 anos sem recessão: última recessão do país aconteceu em 1991
Austrália completa marca de 25 anos sem recessão: última recessão do país aconteceu em 1991

A Austrália chegará à marca de um quarto de século de crescimento sem recessão na sexta-feira (1º), um recorde que elevou seu padrão de vida e o tornou um dos melhores do planeta.

A última recessão sofrida pelo país aconteceu em 1991 —o ano em que os Wallabies venceram sua primeira Copa do Mundo de rúgbi e os astros pop Michael Hutchence e Kylie Minogue se separaram. Os economistas dizem que sorte e boa gestão permitiram que a Austrália escapasse das crises mundiais, entre as quais a crise financeira de 2008, que prejudicaram outros países.

A Austrália está a caminho de ultrapassar o recorde estabelecido pela Holanda na era moderna, com 26 anos de crescimento consecutivo entre 1982 e 2008, conquistado com base na descoberta de petróleo no Mar do Norte pelo país.

"Boa parte do sucesso se deve a reformas que foram adotadas nos anos 80 e 90, para tornar a economia australiana mais flexível", disse Paul Bloxham, economista do banco HSBC. "Elas incluíram forte redução de tarifas, desregulamentação do mercado de trabalho, câmbio livre para o dólar australiano e desregulamentação do sistema financeiro".

Bob Hawke, primeiro-ministro da Austrália entre 1983 e 1991, diz que foi desafiado a promover reformas por Lee Kuan Yew, então primeiro-ministro de Cingapura, que alertou que a Austrália seria "o lixo branco pobre" da Ásia se não abrisse sua economia.

O economista Saul Eslake diz que a criação de um regime de política monetária altamente confiável pelo Banco de Reserva da Austrália, que em geral conseguiu manter a inflação em sua meta de 2% a 3% ao ano, foi crítico para o sucesso.

"O banco central foi o único nos países desenvolvidos que não cometeu o erro de deixar as taxas de juros baixas demais por tempo demais no começo dos anos 2000"', ele disse. "Essa é uma grande razão para que a Austrália não tenha sofrido contração no mercado habitacional ou uma crise financeira interna em 2007-2009, quando tantos outros países ocidentais o fizeram".

Ao contrário de muitas das demais economias ocidentais, a Austrália manteve a disciplina fiscal no final dos anos 90 e começo dos 2000, com o então primeiro-ministro John Howard gerando superávits orçamentários em 10 dos 11 anos até 2007-2008, inclusive.

Mas a boa gestão é apenas parte da história. A Austrália é afortunada por contar com uma boa base de recursos naturais e por ser próxima da Ásia, a região de mais alto crescimento no planeta. A disparada na demanda da China por minério de ferro, carvão e outros minerais, nas duas últimas décadas, melhorou os termos de comércio internacional da Austrália e elevou sua renda.

"Com exceção da China mesma, não existe país no planeta que tenha obtido mais benefícios do rápido crescimento e industrialização da China", diz Eslake.

A alta imigração e o rápido crescimento populacional ajudaram a Austrália a apresentar desempenho superior ao de outras economias ocidentais e escapar da recessão. Isso ajudou a alimentar um boom na habitação nos últimos três anos, o que deu sustentação à economia durante uma prolongada queda no mercado de commodities.

Vista de fora, a Austrália muitas vezes é rotulada como economia cuja base são os recursos naturais, a exemplo do Canadá ou Brasil, ambos os quais sofreram recessões recentes devido a quedas acentuadas nos preços das commodities. Mas o país é muito mais diversificado e está desfrutando de um boom na exportação de serviços à China, incluindo educação e turismo. Uma depreciação acentuada no dólar australiano funcionou como amortecedor, com um crescimento econômico anualizado de 3,1% no primeiro trimestre.

Alguns observadores advertem que a economia australiana está mais exposta a um choque externo agora do que em qualquer momento dos últimos 25 anos, devido ao nível muito elevado de endividamento doméstico, à dívida pública em alta e à dependência quanto à China. O crescimento populacional também está se desacelerando, de 2,2% em 2008 para 1,4% em 2014.

E já que a ascensão econômica meteórica da Ásia propeliu o sucesso australiano, há quem advirta que a região pode causar o tipo de choque que o travaria.

"A Ásia vem sendo uma grande fonte de força para a Austrália, e agora recebe a maior parte das exportações do país", disse Matt Sherwood, diretor de estratégia de investimento da administradora de patrimônio Perpetual. "Mas também é crescente fonte de risco devido à elevação imensa do endividamento nos últimos sete anos, o que a expõe cada vez mais a uma alta nas taxas de juros dos Estados Unidos ou no dólar dos Estados Unidos. Não se pode afirmar que qualquer boom que cause endividamento tenha terminado bem, na história".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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