Folha de S. Paulo


Publicidade brasileira conquista 90 leões, pior desempenho desde 2012

Reprodução
Campanha da Aspirina, criada pela AlmapBBDO: pessoas consideraram a campanha machista
Campanha para a Bayer produzida pela AlmapBBDO retirada do ar após ser acusada de machista

A publicidade brasileira volta para casa do Cannes Lions Festival Internacional de Criatividade, que terminou neste sábado (25) na Riviera Francesa, com 90 Leões —18 a menos do que no ano passado— e uma polêmica em torno de uma campanha considerada machista que arranhou a imagem da agência mais premiada do país, a AlmapBBDO. No total, foram 10 Leões de Ouro, 22 de Prata e 58 de Bronze, distribuídos por 16 agências.

A intolerância com relação a mensagens publicitárias sexistas tirou dois Leões da Almap, em um ano em que a indústria foi chamada à responsabilidade social.

No auditório do Palais de Festival, temas como racismo, desigualdade e machismo dominaram os debates e também garantiram muitos leões às campanhas "engajadas". Até o secretário geral da ONU, o sul-coreano Ban Ki-moon, subiu ao palco pra cobrar dos presidentes dos maiores grupos de propaganda do mundo um maior engajamento na promoção do desenvolvimento sustentável.

2016 tinha tudo para ser o grande ano da AlmapBBDO em Cannes: o criativo Marcello Serpa, que esteve à frente da agência por 22 anos —até agosto do ano passado, quando se retirou do mercado—, foi homenageado com o prêmio mais prestigioso do festival, o Lion of St. Mark, por sua contribuição à indústria. A agência, que já foi três vezes Agência do Ano em Cannes, não economizou em inscrições e bateu recorde de Leões: ganhou 23, mas terminou com 21.

A campanha da Almap para a Aspirina, da Bayer, acusada de machismo, não só levou à devolução dos troféus como revelou uma prática nada edificante: o pagamento, pela agência, para a veiculação da peça só para inscrevê-la no festival, o que a caracteriza como "peça-fantasma" e é proibido pelo regulamento.

A campanha foi veiculada na mídia impressa e traz frases como "Calma amor, não estou filmando isso.mov", num diálogo entre uma aspirina normal e uma superforte (mulher e homem). Não demorou para o assunto tomar conta das redes sociais e a marca Aspirina ser acusada de incitar a gravação não consensual de ato sexual e reduzir a questão a uma dor de cabeça que se cura com aspirina. A marca foi alvo de boicote e surgiu até uma página no Facebook com frases ironizando a campanha (facebook.com/vaiumaaspirina).

A polêmica que dominou Cannes partiu de cyberativistas no Brasil, que contataram a influente publicitária americana Cindy Gallop. A exposição íntima sem consentimento é o crime mais denunciado no serviço de denúncia Safernet: foram 332 casos no país em 2015.

Bastou um tuíte de Gallop, que tem 43,8 mil seguidores e fez uma palestra sobre sexo na propaganda em Cannes, para o assunto ganhar repercussão global, levando a Bayer não apenas condenar a propaganda, mas a revelar que a AlmapBBDO pagou pela veiculação para poder inscrever a peça na competição.

A agência também levou uma reprimenda do líder criativo global da BBDO, David Lubars. Após a nota da Bayer, a AlmapBBDO decidiu retirar as peças da competição.

Uma das palestras mais aplaudidas foi a da publicitária Madonna Badger, que emocionou a plateia ao revelar sua história pessoal de perda de suas três filhas e seus pais em um incêndio doméstico e de como o sofrimento a levou a se engajar em um movimento contra a cultura do estupro e a objetificação da mulher na propaganda. [#WomenNotObjects].

O depoimento de Badger fez uma outra mãe romper o silêncio no Brasil. Daniela Schmitz, mãe da participante do Master Chef Junior que foi assediada virtualmente durante a exibição do programa na Band, falou sobre o caso em um artigo publicado no site Meio e Mensagem.

"Depois de ouvir a história da Madonna Badger, tive vergonha da minha dor e do meu silêncio", escreveu. "Recomendo que a gente radicalize, deixando de consumir marcas que promovam a objetificação da mulher. Checando e deixando de contratar pessoas que planejam, criam ou aprovam essa forma de "comunicação."

Se por um lado o machismo fez o Brasil perder dois Leões, uma campanha para denunciar a prática na música rendeu cinco estatuetas (1 ouro, 2 pratas e 2 bronzes) para outra agência brasileira, a FCB, com a campanha "Músicas de Violência" para o jornal "O Estado de São Paulo".

A ação de mídia programática no aplicativo de música Shazan identifica músicas cuja letra incita a violência e a objetificação da mulher e chama a atenção de quem busca a música apresentando histórias reais de mulheres que sofreram com o mesmo tipo de violência.

Outra campanha da mesma agência para o mesmo cliente, também nesse tema da violência contra a mulher [#7Minutos1Denúncia], foi a única finalista brasileira na categoria Glass, introduzida no ano passado e que premia campanhas que falam de inclusão e minorias. "Esse assunto ganhou tal proporção que o festival criou essa nova categoria", diz Joanna Monteiro, diretora de criação da FCB.

"Hoje, com as mídias sociais e com o jeito como as pessoas estão reagindo, as marcas precisam pensar, repensar novamente sobre suas crenças e DNAs. Não dá mais para fazer piadas e campanhas machistas. Ficou velho."

RACISMO

O escritório paulista da AKQA ganhou ouro em Excelência em vídeo musical interativo, e mais 3 bronze em outras categorias, com um videoclipe criado para o cantor pop americano Usher para o lançamento da música "Chains", que denuncia violência racial. Outra campanha denunciando cyberataques de racismo, para a ONG Criola, rendeu 4 Leões para a W3haus. A campanha "Espelhos do Racismo" reproduziu tuítes racistas em outdoors localizados na vizinhança dos autores dos tuítes.

RANKING AGENCIAS

Mesmo com a devolução dos dois Leões, a AlmapBBDO liderou o ranking das brasileiras mais premiadas, com 21 estatuetas, das quais três de Ouro. A J. Walter Thompson ficou em segundo com 12 (mas nenhum Ouro), seguida de Y&R, com 7, e da FCB, com 6, ambas com dois ouros. Africa e DM9DDB ganharam 7 leões cada, mas nenhum Ouro.


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