Folha de S. Paulo


Bom desempenho de brasileiros do surfe estimula consumo associado ao estilo

Zo Guimaraes/Folhapress
Surfe
O surfista e empresário Rick Cavalcante, 28

Quando Gabriel Medina entrou num tubo enorme no arquipélago de Fiji, em 2012, ganhando o Oscar do surfe mundial na categoria melhor onda, não subiu sozinho na prancha. Com ele, um mercado de jovens marcas "dropou" e saiu do anonimato.

A evolução do surfe brasileiro protagonizada pelo grupo de surfistas do "brazilian storm" (tempestade brasileira) coincide com a fundação de negócios de camisetas, bermudas e bonés com um estilo voltado para quem pratica ou se identifica com a imagem solar do esporte.

O carioca Rick Cavalcante, 28, lembra como a turma do surfe era "fashion" em 2012, quando morava nos EUA e estampava peças com a logo de sua grife, a Mufa, para os amigos do jiu-jitsu comprarem.

Numa passagem pelo Brasil, em 2013, sentiu a maré, largou a carreira no ringue e voltou com dinheiro só para um rolo de tecido. Investiu em sobras têxteis e fez "50 camisetas maneiras". A próxima coleção terá mais de 2.000 itens. Ele espera faturar R$ 200 mil neste ano.

"O lance é não ser pão-duro na escolha dos tecidos, não abusar de logos como as marcas estrangeiras e fazer roupas acessíveis, porque é injusto cobrar R$ 400 numa bermuda", diz Cavalcante.

Cada um de seus modelo é numerado até 60, o máximo que produz por criação. Faz sucesso a bermuda de alfaiataria de algodão peruano, que custa R$159 e pode ser usada no asfalto ou na areia.
"O público não é necessariamente profissional, é do tipo surfista hipster", brinca.

Faz sentido. Na indústria de moda surfe nacional, a quarta maior do mundo, 90% dos compradores não competem. "Vão em busca de uma filosofia de vida", diz o empresário Beto Pereira, 27.

Ao lado de outro amigo, há quatro anos o surfista paulista lançou a Chillstrong.

"Todos os dias surgem marcas querendo essa fatia de mercado, mas é preciso vivê-la, apoiar os surfistas jovens e transcender o esporte."

Desde que abriu um ponto de venda na Mooca, zona leste de SP, o negócio cresce 300% ao ano. Na loja, metade dos clientes é da cidade. No site, 70% são do sul.

Apesar de ter algumas das praias com melhores ondas e uma forte indústria têxtil, a região é carente de marcas próprias. Uma delas é a catarinense Santacosta, dos amigos Jefferson Matias, 29, e Christopher Stoner, 33.

O negócio que começou na casa de Matias virou e-commerce e, agora, também uma loja física onde as mulheres (40% do público), podem customizar camisetas. "Quando decidimos trabalhar por conta própria, íamos em busca de um estilo de vida tranquilo. Hoje, trabalho mais do que pego onda, mas trabalho 'amarradão'", diz Matias, curitibano que também promove festas em Balneário Camboriú, onde mora.

ONDA GIGANTE

Quem também "se amarrou" nessa praia, até então um "crowd" de empresários estrangeiros, foram grandes grupos do varejo de moda.

Em outubro de 2015, o carioca Soma, detentor das grifes Animale e Farm, comprou uma fatia da Foxton, dos empresários Rodrigo Ribeiro, 39, e Marcela Mendes, 35. Os planos são gigantes: abrir 20 lojas em dois anos e colocar a grife em 500 multimarcas.

"É um bom momento para o 'lifestyle' surfista porque nossos clientes, assim como nós, vieram de uma geração [a de 1990] em que o 'surfwear' era massificado", diz Ribeiro. "Como a imagem das marcas da época ficou engessada na estética californiana, surgiu uma turma disposta a conectar os clientes com um olhar autêntico, nacional."

Mas não quer dizer que as vendas de grifes como RipCurl, QuickSilver e Hurley, para citar alguns dos patrocinadores das estrelas do mar, tenham parado no tempo.

Prova disso é o desempenho desses nomes no rol do e-commerce Kanui, que nasceu em 2011 com a proposta de vender vestuário para esportes "outdoor" (ao ar livre) e viu o "surfwear" mastigar, hoje, 30% das vendas, com crescimento anual de 20%.

"O 'brazilian storm' alavancou as vendas. O surfe já faz parte do dia dia do país", diz o vice-presidente da Kanui, Bruno Henriques, 30.

No ano passado, ele vendeu parte de sua empresa para o Global Fashion Group, maior grupo de varejo on-line do mundo, que opera a Dafiti. O valor da aquisição não foi divulgado, mas pelo histórico de compras do grupo, as cifras não se restringiram a uma "marola".

ONDA REVOLTA

Marcas brasileiras tradicionais também se reposicionam para não morrer na praia.

No Rio, grifes como Armadillo e Redley, criadas entre os 1980 e os 1990, tiraram as pranchas do armário nas novas campanhas e na identidade visual das lojas. No Ceará, a Pena, uma das líderes do mercado nordestino, também repaginou o guarda-roupa para evitar um "lay-day".

"Tínhamos de dançar conforme a música, desenvolver na Ásia, nos mesmos galpões das grandes marcas, e acabar com a imagem hiponga do surfe dos anos 1970", diz o coordenador de marketing da grife, Rafael Forti.
No Dragão Fashion, maior evento de moda do Norte -Nordeste, ele apresentou uma Pena quase minimalista e com opções de blusas longas, alfaiataria e estampas contidas.

"Quem mais consome esse 'lifestyle' é o interior do país, prova de que os meninos do surfe acabaram com o estereótipo de que o esporte é coisa de 'vagabundo'. É um estilo de vida que saiu da marginalidade."

PEQUENO DICIONÁRIO

DROPAR subir na prancha e pegar a onda

CROWD aglomeração de surfistas no mar

MAROLA quando o mar está com ondas pequenas

LAY-DAY quando não há ondas e é preciso parar o campeonato


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