Folha de S. Paulo


Caso Oi mostra que pau que nasce torto morre torto, diz ex-ministro

Karime Xavier - 27.set.2013/Folhapress
O empresário e ex-ministro das comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros
O empresário e ex-ministro das comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros

Um dos condutores da privatização da telefonia no Brasil na década de 90, Luiz Carlos Mendonça de Barros diz, hoje, que os "pecados" que levaram a Oi ao pedido de recuperação judicial têm raízes na formação da companhia.

"Pau que nasce torto morre torto." Segundo ele, que deixou o cargo de ministro da Comunicações ao ser acusado de favorecer um dos concorrentes, a falta de um parceiro estrangeiro, como queria o governo FHC na privatização, desencadeou erros de gestão em toda a sua história.

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Folha - Pensando a concentração com um olhar histórico desde a privatização, o que aconteceu?

O ministro Sérgio Motta
O então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, que morreu em abril de 1998, foi quem preparou o modelo para a privatização do Sistema Telebrás durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB)

Luiz Carlos Mendonça de Barros - Antes da privatização, quando o ministro era o Sérgio Motta, havia o que ele chamava de uma cláusula pétrea regulando a ação da Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações], de que não deveria ser permitida a concentração. À época, tínhamos um monopólio público e a nossa preocupação era não replicar no Brasil o que ocorreu no México.

Lá, havia um monopólio público e, simplesmente, venderam para um dos sujeitos que é um dos mais ricos do mundo hoje. E ele passou a ter o monopólio privado.

O mexicano Carlos Slim
Carlos Slim Helú, o homem mais rico do México e um dos mais ricos do mundo, é dono da América Móvil

Não faz sentido sair de um monopólio público e ir para um privado. Isso ocorreu no México e lá, até hoje, tem uma dominância da empresa muito forte. Por isso o monopólio foi dividido, à época, em 12 empresas para que houvesse competição, e ficou estabelecido que não poderia haver concentração.

Como avalia o resultado que se tem hoje, principalmente diante do destino da Oi? O que se queria naquela época e o que se conseguiu?

A Oi é um outro problema. À época, outro princípio estabelecido, não na legislação, mas na orientação que se deu aos interessados, era que, como não havia nenhuma empresa brasileira com experiência no setor, que os consórcios que se formassem com capital brasileiro tivessem necessariamente uma operadora estrangeira para trazer experiência comercial e operacional.

Foi praticamente o que ocorreu em todos os leilões, menos o da Telemar, que hoje se chama Oi.

Tanto que, à época, eu acabei sendo acusado de favorecer a empresa italiana [um dos consórcios tinha a Telecom Italia]. Mas não era verdade. Simplesmente queria que os consórcios seguissem essa orientação.

Havia dois consórcios, um deles do Opportunity, que tinha capital nacional mas com um sócio operador, que era a italiana.

Ministro das Comunicações
Semanas depois da privatização, foram divulgadas fitas gravadas por meio de grampo ilegal em telefones do BNDES que levantaram suspeitas de um esquema montado para favorecer o consórcio liderado pelo banco Opportunity, de Daniel Dantas, no leilão da Tele Norte Leste, uma das empresas nas quais a Telebrás foi desmembrada, que se tornou a Brasil Telecom. O escândalo provocou a queda do novo ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, do então presidente do BNDES, André Lara Resende, e de dirigentes do Banco do Brasil e da Previ, o fundo de pensão dos empregados do banco

A Telemar não aceitou, disse que operaria sozinha a empresa. Eu, que era ministro das Comunicações, e o BNDES, que acompanhava, não tínhamos um instrumento legal para forçá-la a ter a operadora.

Por isso, nós achávamos que a solução do Opportunity, do ponto de vista do modelo de privatização, era a melhor alternativa.

Mas ficou pactuado, inclusive pela imprensa, que nós estaríamos fazendo o lobby da Telecom Italia, o que não era verdade. Nós achávamos que era a melhor opção. Eu sempre disse isso.

Infelizmente, por uma série de razões que não interessa conversar agora, ganhou a Telemar, sem ter uma operadora de experiência para orientar os negócios. O que está acontecendo hoje mostra que nós estávamos certos.

O sr. na época chamou a Telemar de Telegangue.

Isso foi por outros problemas. A Telegangue é por outros problemas de comportamento na época do leilão. Mas, basicamente, a nossa preocupação era ter uma empresa... a mais difícil de ser operada, porque a área de cobertura dela era a maior que tinha.

Mas ganharam, e ficou essa marca, que agora cobrou o seu preço. São os acionistas privados que vão pagar isso.

Quais foram os grandes erros na Oi?

A outra coisa que chama a atenção é que essa cláusula de não haver redução de competição foi alterada no governo do presidente Lula exatamente para permitir a fusão da Telemar com a outra fixa, que era a da região Sul, o que realmente agrediu esse princípio de não permitir a fusão.

governo do presidente Lula
Em 2008, via decreto, sem passar pelo Congresso, o ex-presidente Lula mudou a lei, driblando a regra em vigor que proibia que um controlador fosse dono de duas concessionárias de telefonia fixa, para permitir a fusão da antiga Telemar com a BrT (Brasil Telecom), que resultou na Oi, que seria, nas palavras de Lula a indicada para ser a supertele nacional

São esses dois pecados capitais que a Oi carregou. A primeira foi não seguir a orientação na época, de ter uma operadora.

E o mais estranho é que, quando ela se uniu a uma operadora, que foi a Portugal Telecom, a portuguesa provocou aquele prejuízo monstruoso na empresa.

É como dizia meu pai: 'pau que nasce torto morre torto'. É um pouco isso. É uma pena.

O que espera?

Agora, como o mercado brasileiro de telecomunicação é um dos maiores do mundo, certamente vão aparecer outros grupos da área.

O que não pode é deixar Telefónica e outras que estão aqui, a TIM ou a América Móvil, absorverem esse mercado.

Vai aparecer estrangeiro?

Não tenha dúvida. O mercado brasileiro é muito grande. E mudou muito.

Há outra questão importante que foi outro erro da Oi, e certamente um erro que adveio da falta de experiência do grupo: a telefonia hoje é rádio, ninguém mais usa telefone fixo, é muito pouco.

Eu não tenho dúvida de que vai aparecer estrangeiro, mas espero que não deixem entrar pessoas com histórico pouco recomendável, como era o caso de um investidor russo, agora de um egípcio... Não vamos, de novo, perder a oportunidade de ter aqui uma operadora internacional de nome e experiência. Certamente, se isso acontecer, resgata rá rapidamente a empresa.

O egípicio
A Folha apurou que o bilionário egípcio Naguib Sawiris está interessado na compra do controle da Oi. Também tem interesse o bilionário russo Mikhail Fridman que, antes da recuperação judicial da Oi, propôs se tornar seu maior acionista colocando até US$ 4 bilhões na companhia desde que ela se fundisse com a TIM

E o grande desejo do Lula de fazer a supertele nacional fica para trás. Foi erro?

É uma besteira. Qual é a importância? Primeiro que não existe isso. Você não cria essas coisas. Quando tenta criar, é isso o que acontece: acaba em um fracasso monstruoso. É a mesma coisa agora com esse negócio das companhias áreas. Qual é a importância de ter uma companhia aérea nacional? O que interessa para o consumidor são empresas fortes e ter uma legislação para evitar monopólio e manter sempre a questão da competição. O mais importante para o consumidor é ter competição, e não ser nacional ou a estrangeira. Já acabou isso. A Oi é o maior fracasso nesse sentido.

Como ficará o mercado?

Vai haver prejuízos muito grande para o sistema financeiro, para os investidores, mas o mercado está aí. Agora estamos indo para o 4G. Tem um fronteira tecnológica extraordinária. E o mercado brasileiro é muito grande. O brasileiro fala muito no telefone. O brasileiro e o italiano são os dois que mais falam ao celular. Vão aparecer uns três ou quatro grupos internacionais de qualidade e do ponto de vista da infraestrutura do país e do consumidor haverá um ganho extraordinário.

Não há risco de se elevar a concentração?

A Anatael não vai deixar porque ela tem instrumentos para isso. Quando houve concentração, foi o governo que fez uma legislação especial para permitir a fusão das duas [Telemar com a BrT]. Não acredito que agora, com essa equipe econômica, que tem a competição como valor importante, isso vá acontecer.

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RAIO-X LUIZ C.M. DE BARROS, 73

Formação
Graduado em engenharia pela USP e doutor em economia pela Unicamp

Trajetória
É sócio-fundador da Quest Investimentos e presidente do conselho consultivo do Grupo Azimut. Foi presidente do BNDES, ministro das Comunicações e diretor do BC


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