Folha de S. Paulo


Câmara aprova MP que permite controle de aéreas por estrangeiros

Com o apoio do governo de Michel Temer (PMDB), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (21) alteração em uma medida provisória que permite às empresas estrangeiras ter o controle total das companhias aéreas nacionais.

A MP original (714/2016), editada ainda por Dilma Rousseff, ampliava a participação estrangeira no capital das empresas aéreas de 20% para até 49%.

Emenda apresentada pelo líder da bancada do PMDB, Baleia Rossi (SP), ampliou para 100% essa possibilidade. A alteração foi aprovada por 199 votos a 71.

Para entrar em vigor, a medida tem que ser aprovada ainda pelo Senado e ser sancionada pela Presidência da República.

O líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), defendeu a medida sob o argumento de que ela contribuirá para a recuperação da economia e a modernização do setor.

"A crise econômica do país hoje nos obriga a isso. Quando nós estamos aumentando o capital estrangeiro de 49% para 100% não é porque o governo queria aumentar, é porque a necessidade nos impõe pela crise econômica incompetente, equivocada e corrupta do PT", disse Moura, para quem a mudança resultará em "mais investimento, passagens mais baratas, nova tecnologia, novas aeronaves, com mais segurança, com mais conforto".

"Entregar a proposta política de aviação civil brasileira 100% ao capital estrangeiro é uma desfaçatez. Quase país nenhum faz isso. Tem gente aqui que vem falar que a gente é do século passado. Por que os Estados Unidos não abrem? Isso é um cinismo", rebateu o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).

O ministro dos Transportes, Maurício Quintella, disse que outros países também adotam a abertura total de capital e que não faz sentido dizer que o setor de aviação é mais estratégico que o financeiro ou o de telecomunicações, em que a permissão a estrangeiros é total.

"É um anacronismo num momento desse vetar o investimento externo. Vai na contramão do crescimento do país", afirmou Quintella.

Além de aumentar o investimento no setor, a retirada de limite ao capital estrangeiro busca oferecer às grandes empresas aéreas do país uma saída para superar a crise. As quatro grandes do setor —TAM, Gol, Azul e Avianca— têm registrado prejuízo em suas operações.

Moreira Franco, ex-ministro da Aviação Civil e hoje secretário-geral do PPI (Programa Parceria em Investimentos) diz que sempre defendeu a abertura total e que próprio mercado já não respeitava mais a regra anterior, com acordos entre empresas que deixavam estrangeiros com o controle das companhias nacionais.

"As leis brasileiras vão se modernizando, se acomodando à realidade. O mercado há muito havia trespassado a antiga limitação de capital. Desde quando chefiei a Secretaria de Aviação Civil defendo o fim dessa barreira. O que temos que perseguir é que as empresas respeitem rigorosamente as leis brasileiras. A isso o governo precisa ficar atento", disse Moreira.

O governo passado se colocava contra a abertura total do capital sob o argumento de que as companhias aéreas pertencem a um setor concentrado e estratégico.

Integrantes do setor ouvidos pela Folha apontam que este ano dificilmente haverá qualquer mudança no quadro atual das empresas no país já que o ambiente ainda é inseguro para investimentos. Além disso, outras mudanças regulatórias ainda estão em andamento –como mudança nos direitos dos passageiros e revisão do horário de trabalho dos aeronautas– sem previsão de conclusão.

Para a Latam Brasil, a abertura de participação do capital estrangeiro nas companhias brasileiras é uma medida que pode impulsionar o mercado. "É um setor que exige capital intensivo, e essa medida estimula o crescimento, gerando riquezas."

A posição da companhia, no entanto, é contrária à Associação Brasileira das Companhias Aéreas (Abear), que tem como consenso a elevação do limite de capital estrangeiro do atual patamar de 20%, para até 49%. Azul e Avianca também acompanham o posicionamento da Abear. Procurada, a Gol não quis se manifestar.

"A Abear acredita que a discussão sobre a participação do capital estrangeiro em companhias aéreas brasileiras é parte de um debate amplo", disse a Abear em nota.

Para o professor da Universidade de São Paulo e especialista em aviação, Jorge Eduardo Leal, a abertura total do capital para as companhias estrangeiras deveria ser aprovada quando houver reciprocidade da medida com outros países.

"As companhias precisam de investimentos, mas do jeito como está proposto é um exagero total. Não há país no mundo que libere a participação máxima sem a reciprocidade", disse Leal.

Já o professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Alberto Ajzental, é a favor da liberalização do capital das companhias aéreas para o investidor estrangeiro. Segundo ele, limitar a participação em 49% significa reserva de mercado o que para o consumidor não é bom.

"Abrindo o mercado há mais concorrência, o consumidor terá mais opção. E pode até, ver uma redução de tarifas no longo prazo", disse Ajzental.

Fernando Marcondes, advogado especialista em infraestrutura e sócio do L.O. Baptista-SVMFA, também acredita que a medida poderá ser benéfica para o consumidor.

Segundo ele, manter a restrição do capital estrangeiro em empresas nacionais é um "atraso", uma resolução do tempo em que se pensava em aviação como setor estratégico. Além disso, o Brasil não tem conflitos com outros países para "defender" seus ares.

"Segue uma tendência de outros setores. É claro que, de imediato, visa atender uma necessidade de caixa da empresas, mas com o passar do tempo, os consumidores serão beneficiados com a medida. Haverá mais concorrência e isso é muito bom", disse Marcondes.

TARIFA

Durante a votação, foi retirada uma emenda do senador Romero Jucá (PMDB-RR) que modificava a forma de cobrança da tarifa de conexão. Em 2012, quando o país começou a privatizar os aeroportos, foi criada uma tarifa para os passageiros que passassem em um aeroporto entre o seu destino inicial e final. Essa tarifa, cerca de R$ 7 por passageiro, é paga pela empresa aérea para o aeroporto.

A emenda passava esse custo para a passagem dos usuários que fazem conexão. A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) defendia que, passando o custo ao passageiro que usa, seria dada transparência e evitaria um custo extra de impostos sobre esse gasto para as empresas que acabam todos os passageiros pagando.

Associações de consumidores, no entanto, reclamaram da medida dizendo que ela empurraria ao consumidor um custo que hoje é da empresa sem qualquer segurança de que ele será repassado aos usuários.

"Explicamos isso aos parlamentares na comissão e o relator entendeu. Lamentamos que tenha sido retirada", disse Eduardo Sanovicz, presidente da Abear.


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