Folha de S. Paulo


Argentina divulga primeiro dado de inflação do governo Macri

Depois de seis meses sem um índice oficial de inflação e de nove anos de dados considerados manipulados, a Argentina divulgou nesta quarta (15) seu índice de preços.

A inflação em maio foi de 4,2% em relação a abril, de acordo com o Indec (órgão equivalente ao IBGE) —o dado é referente apenas a região da Grande Buenos Aires.

O instituto não fez um levantamento de preços para os meses passados deste ano nem para o período kirchnerista (2003-2015).

As estatísticas de preço do país foram colocadas em dúvida pela primeira vez no fim de 2006. Em 2014, por exemplo, enquanto o governo dizia que a inflação havia subido 23,8%, o Congresso Nacional (baseado em informações de consultorias privadas) falava em 38,5% —diferença de 14,7 pontos percentuais. Em 2013, o FMI passou a questionar o indicador oficial.

O problema de manipulação de dados começou quando o kirchnerista Guillermo Moreno chegou à Secretaria de Comércio Interior. No cargo, o economista pediu acesso à lista de estabelecimentos cujos preços eram analisados para se elaborar o índice de inflação.

Inflação na Argentina continua em alta —Preços em maio sobem no país

A informação, no entanto, costuma ser confidencial e a direção do instituto à época negou lhe o acesso, o que levou Moreno a substituir os chefes do órgão, segundo a funcionária do Indec Carolina Ocar, uma das autoras do livro "No Somos Cómplices de La Mentira" (Não Somos Cúmplices da Mentira).

Os trabalhadores passaram, então, a relatar que os indicadores estavam sendo maquiados e que a inflação era maior que a divulgada oficialmente.

"Houve demissões de funcionários antigos. A maior parte da equipe continuou no órgão, mas ficou sem tarefa e sob uma grande pressão", conta Ocar.

Os trabalhadores começaram também a protestar contra Moreno, abraçando o prédio do Indec uma vez por mês durante nove anos, sempre que se divulgava o índice de preços.

Do lado do governo de Cristina Kirchner e de funcionários que apoiavam as medidas de Moreno, no entanto, se afirmava que a imprensa divulgava índices falsos. Em 2011, uma faixa em que se lia "'Clarín' miente" foi colocada no Indec, tomando quase quatro andares da fachada do prédio. Moreno nega até hoje a intervenção no instituto.

Diante da divergência entre os números oficiais e das consultorias econômicas, o governo multou as empresas para que elas deixassem de divulgar seus dados —foi quando o Congresso Nacional criou seu índice.

Com a posse de Mauricio Macri, em dezembro do ano passado, decidiu-se paralisar o levantamento de preços temporariamente enquanto uma nova metodologia era criada.

Nesta quarta, o diretor do Indec, Jorge Todesca, afirmou que pretende ampliar a pesquisa atual para poder ter um indicador que abranja estabelecimentos de todo o país, e não só da Grande Buenos Aires. Por enquanto, não há prazo para isso. Todesca disse ainda que uma comissão do FMI chegará ao país nos próximos dias para analisar o trabalho do órgão.

Enquanto o diretor do instituto divulgava o dado oficial, manifestantes tomaram as ruas próximas ao edifício do órgão em um protesto contra as políticas econômicas macristas. Eles reclamavam da inflação elevada (estima-se que esteja em 20% no acumulado do ano), do aumento das tarifas públicas (o reajuste do gás, por exemplo, chegou a 500%) e da estagnação econômica (a projeção é que o PIB cairá 1% neste ano).

Lucas Ferraz/Folhapress
Fachada do Indec exibe uma faixa contra o jornal 'Clarín'; funcionários do órgão denunciam intervenção do governo
Fachada do Indec exibe faixa contra o 'Clarín'; funcionários do órgão denunciam intervenção do governo

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