Folha de S. Paulo


Para chefe da OMC, abandonar área multilateral é 'equívoco enorme'

Salvatore Di Nolfi - 30.mai.2016/Associated Press
Diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, diz que abandonar área multilateral é 'equívoco enorme
Diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, diz que abandonar área multilateral é 'equívoco enorme'

O brasileiro Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), defende que o Brasil continue apostando em todas as frentes na política externa. Para ele, abandonar a área multilateral é "um equívoco enorme", capaz de fazer o país perder o "poder de barganha".

Desde que assumiu o ministério das Relações Exteriores, o tucano José Serra tem intensificado negociações bilaterais num movimento antagônico a uma das principais características da gestão petista, que se dedicou bastante a acordos multilaterais.

"O Brasil não pode abandonar negociações que oferecem oportunidade na área bilateral ou regional. Ao avançar nessa área, não precisa abandonar a área multilateral. Isso seria um equivoco enorme", disse Azevêdo à Folha, durante encontro da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) em Paris.

Azevedo, contudo, nega qualquer crítica à atuação do chanceler interino e diz que ele e Serra "estão falando a mesma coisa".

"Serra acha que tem que ser pragmático. Que tem que tentar tudo, que não tem que optar por A, B, C ou D", disse, depois de se encontrar com o ministro em Paris.

Para Azevedo, a política externa não se trata de um jogo com fichas limitadas. Países como os EUA, segundo ele, apostam em todas as frentes e é isso que ele acha que o Brasil deveria fazer.

"Pragmaticamente, você avança no que pode bilateralmente e, quando você negocia em várias frentes, você alavanca seu poder de barganha. Atuar em várias frentes não tem nenhuma desvantagem, é o que todos fazem", diz.

A OMC tem intensificado os acordos multilaterais, uma novidade para a entidade que reúne 162 países. Em 2013, a OMC fechou o chamado Pacote de Bali, que inclui um acordo para facilitação de comércio, e em 2015 assinou outro pacote de acordos em Nairóbi (Quênia). Há ainda uma série de negociações em curso sobre comércio eletrônico, concorrência, facilitação de licitações e transparência.

Segundo Azevêdo, Serra lhe disse que gostaria de ver essa agenda de novas tratativas para avaliar o que pode ser de interesse pode ser de interesse prioritário brasileiro.

"Todo mundo está fazendo isso, tentando identificar nas oportunidades novas quais são os setores de interesse e como avançar", disse, reiterando que a OMC não se limita à Rodada de Doha - atualmente empacada, nas palavras de Azevêdo.

Em reunião com ministros de países da OCDE, o ministro interino José Serra (Relações Exteriores) propôs que, ao invés de mega rodadas, o bloco adote um modelo de fluxo contínuo de resultados. Sugeriu a realização de pacotes a cada dois anos.

Serra aderiu às críticas sobre a Rodada Doha, que se transformou numa lista de promessas não cumpridas. Salientou também temas que, tradicionalmente, são verdadeiros entraves nas negociações: subsídios para agricultura e barreias sanitárias.

Para ele, as negociações em Nairóbi (Quênia) só não minaram a credibilidade da capacidade de negociação da OMC porque conseguiu-se proibir subsídios de exportação para produtos agrícolas.

"Os últimos dez anos não foram recompensantes. [...] Estamos prontos para tentar novas rotas", afirmou o ministro, emendando que "o que o Brasil não pode ter é paralisia na OMC".

As críticas de Serra são pontuais e dizem respeito a uma pauta que, notoriamente, não tem avançado. Ele está decidido a intensificar as conversas bilaterais, enquanto tenta, ao mesmo tempo, incitar uma ação mais efetiva nas negociações multilaterais.

A postura contrasta com o governo petista, que priorizou as rodadas multilaterais.

VENEZUELA

Sobre a crise econômica na Venezuela, Azevêdo não pretende fazer nenhum movimento dentro da OMC. "A OMC não faz nada como instituição. Não vamos atrás dos países monitorando, vendo o que estão fazendo", afirmou, emendando que, por ora, nenhum dos 162 membros se manifestou disposto a discutir a situação venezuelana na entidade.

Ao ouvir que o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, convocou um encontro para discutir um plano de ação naquele país, Azevêdo reagiu: "Eu não convoco reunião nenhuma".
"Os acordos da OMC têm fazer sentidos a longo prazo e não podem ficar presos a problemas pontuais de curto prazo", afirmou.


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