Folha de S. Paulo


Empresas usam selfies para estudar comportamento dos consumidores

AFP
Empresas usam selfies para estudar preferências dos consumidores
Empresas usam selfies para estudar preferências dos consumidores

Allison Shragal, 28, de Chicago, não é modelo, ou famosa na Internet. Ela trabalha como assistente administrativa em uma empreiteira. Mas quase todos os dias empresas lhe pagam por fotos que a mostram envolvida em atividades de rotina —escovar os dentes, tomar café da manhã, limpar o banheiro.

Se Shragal tirar número suficiente de selfies com o seu smartphone e subi-los com um app especial, ela pode "ganhar US$ 20 por fora, o que dá para pagar a manicure", ela diz.

As imagens aparentemente corriqueiras que ela registra, quando combinadas a milhares de outras, oferecem percepções que empresas como a Crest estão ávidas por estudar. Elas empregam uma companhia de Chicago chamada Pay Your Selfie para recolher essas percepções e apresentá-las em forma de relatórios sobre o comportamento dos consumidores, com o objetivo de atingir pontos a que os grupos de foco e pesquisas não conseguem chegar.

Entre as informações que a Crest, controlada pela Procter & Gamble, extraiu de sua recente busca de selfies, que durou um mês: das 16h às 18h, muito mais gente escova os dentes, em busca de hálito fresco para o happy hour. Esse conhecimento pode se provar útil quando a Crest decidir em que horário do dia iniciar futuras campanhas de mídia social.

Os usuários do app recebem de 20 centavos de dólar a US$ 1 por tarefa concluída - no caso da Crest, uma foto tirada quando a pessoa estiver escovando os dentes com seu produto Crest favorito. Os usuários não têm direito a receber mais de uma vez por tarefa: o app só permite um selfie por tarefa.

Os selfies são uma maneira de empresas obterem informações que as pessoas não conseguem ou querem articular durante grupos de foco ou quando submetidas a outras técnicas tradicionais de pesquisa, disse Ravi Dhar, diretor do Centro de Percepções do Consumidor na Escola de Administração de Empresas da Universidade Yale. Por exemplo, eles podem levar a compreender que espécie de ritual acompanhada certos tipos de consumo, ele afirmou.

A Pay Your Selfie, que está em operação desde setembro, não requer que os participantes tenham seguidores em um site como o Instagram. Na verdade, os usuários não precisam compartilhar imagens publicamente (ainda que possam fazê-lo). Isso torna o serviço diferente de uma empresa como a Popular Pays, que oferece aos usuários do Instagram a oportunidade de postar fotos sobre marcas como a Nike em troca de brindes ou pagamento.

A opção de privacidade sugere maior possibilidade de autenticidade, disse Aparna Labroo, professor de marketing na Escola Kellogg de Administração de Empresas, Universidade Northwestern. "Se a tarefa vem quando a pessoa está naturalmente engajada na atividade relevante, e tirar um selfie for minimamente intrusivo, ela pode capturar alguns momentos autênticos".

Cerca de 11% dos homens nas fotos da Crest estavam sem camisa, um nível de conforto que a marca raramente encontra ao usar outros instrumentos em seu arsenal de pesquisa, disse Kris Parlett, gerente sênior de comunicação da P&G Oral Care. Outros métodos de pesquisa incluem recrutar voluntários para que gravem vídeos de sua rotina diária de cuidado com os dentes, em seus banheiros, ou para que os escovem em "suítes de percepção" - simulacros de banheiro que permitem a observação do participante por analistas.

"Não é o tipo de dado que se possa obter da Nielsen", disse Michelle Smyth, fundadora da Pay Your Selfie, em referência às fotos de torso nu. "É um tipo excepcional de pesquisa".

As companhias determinam o número de selfies a serem recolhidos, da ordem de milhares ou dezenas de milhares, e pagam pelo menos US$ 2 por imagem utilizável à Pay Your Selfie; parte do dinheiro vai para o participante. Um computador avalia as fotos para determinar se há um rosto visível e se a iluminação é adequada.

VALIDAÇÃO

Os usuários do app precisam fornecer dados biográficos como sua idade e cidade, só recebem pagamento por fotos "validadas", e têm direito a sacar o total acumulado em suas contas sempre que elas atingirem um mínimo de US$ 20. Oito funcionários da Pay Your Selfie avaliam as fotos para produzir relatórios sobre suas constatações.

Os resultados são reveladores, disse Alex Blair, dono de quatro lojas franqueadas da Freshii, uma rede de fast food saudável de Toronto. Ele recorreu à Pay Your Selfie para duas tarefas.

Em uma, a empresa solicitava aos participantes que postassem selfies mostrando petiscos saudáveis que eles comessem fora do restaurante. No caso de alguns participantes, isso quis dizer chocolates Snickers.

"Nosso foco são os alimentos orgânicos e novos macronutrientes bacanas. Nossos clientes gostam de quinoa, couve, favas", disse Blair. "Mas algumas das fotos estavam tão distantes dessa onda que nos ajudaram a nos realinharmos ao mercado de massa".

Blair disse que os selfies podem ser usados para determinar se as lojas devem se concentrar mais em smoothies ou sanduíches pré-embalados. (Os selfies pareciam indicar os segundos.) As imagens também podem ajudar a identificar bairro nos quais criar novas unidades, com base em as pessoas estarem em seus escritórios (sugerindo que uma unidade no distrito financeiro poderia ser boa aposta) ou sentadas no sofá em suas casas usando roupas de ginástica.

Um problema com as pesquisas tradicionais junto ao consumidor é a distância entre o que as pessoas dizem fazer (ou gostariam que pensássemos que fazem) e aquilo que elas fazem de verdade. Os selfies poderiam aparentemente sofrer do mesmo problema, como sabe qualquer pessoa que tenha tirado um deles e decidido que era revelador ou embaraçoso demais para postar. Mas Shragal, por exemplo, diz que se acostumou tanto ao app que ela nem avalia mais as fotos que envia.

"No começo, eu tentava obter uma boa foto", disse Shragal, que costumava realizara justes estéticos como remover a espuma da pasta de dente de sua boca antes de se fotografar para a Crest. "Mas depois de meses de fotos, meu foco passou a ser realizar a tarefa corretamente e terminar logo".

Muitas vezes as tarefas requerem ter ou comprar o produto de uma empresa. Mas a Lakeshore Beverage, distribuidora de bebidas de Chicago, pediu que os usuários tirassem fotos segurando uma cerveja Goose Island 312 diante do local de compra, e descobriu em que lojas as pessoas costumavam comprá-la.

"Foi interessante para nós porque a base de usuários do app é um pouco mais generalizada que os compradores específicos de cerveja que costumamos buscar com nosso marketing", disse Matt Tanaka, até recentemente diretor de marketing digital da Lakeshore. "Isso nos ajuda quando estamos conversando com o estabelecimento de varejo onde as pessoas tiram muitos selfies; podemos dizer a eles que são estabelecimentos preferenciais". (No caso da 312, os estabelecimentos eram lojas Target e Walgreens.)

A Pay Your Selfie não quis revelar para quantos clientes já trabalhou. A empresa conduz pesquisas próprias, em parte como forma de atrair novos negócios. "O que você está comendo no café da manhã?", foi uma recente tarefa solicitada a usuários. Para a geração milênio, as principais escolhas eram Pop-Tarts e Froot Loops, segundo as fotos. (Os fundadores da Pay Your Selfie disseram que posteriormente se reuniram com uma "marca importante de sucrilhos".)

Mesmo tarefas sem patrocínio de empresas específicas "são maneira rápida e poderosa de compartilhar informações que podem parecer desinteressantes para o consumidor mas são vitais para os anunciantes", disse Jean McLaren, presidente da Marc USA, agência de publicidade cujos clientes incluem a rede de drogarias Rite Aid. Ela disse que está pensando em trabalhar com a Pay Your Selfie.

McLaren disse que gostou da ideia recriar a despensa de uma pessoa montando múltiplos selfies aparentemente aleatórios dos mesmos usuários - uma "forma mais rápida e barata de obter informações que anteriormente só poderiam ser obtidas por meio de longas entrevistas pessoais".

"É como voyeurismo automatizado", ela disse.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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