Folha de S. Paulo


Robôs flexíveis podem revolucionar produção mirando em companhia menor

Gerard Julien - 31.jan.2016/AFP
Crianças interagem com robô desenvolvido por empresa francesa
Crianças interagem com robô desenvolvido por empresa francesa

Percorrer a fábrica da SEW-Eurodrive em Baden-Württemberg é como caminhar por um túnel do tempo.

De um lado, a iluminação é tênue e operários trabalham em longas linhas de montagem, repetindo as mesmas tarefas incessantemente. Do outro, uma frota de caminhões robotizados com caçambas baixas percorre a fábrica, reabastecendo estações de trabalho reformuladas.

Nessas pequenas células, um único operário, ajudado por um sistema robotizado, monta todo um sistema de transmissão que será usado para diversas finalidades, de propelir um carro a propelir uma linha de produção de refrigerantes. Mais adiante, um braço robotizado, chamado Carmen, ajuda os operários a carregar as máquinas ou a apanhar componentes em seus repositórios.

Nessa seção, a iluminação é mais brilhante e os operários se declaram mais felizes. "Tudo está exatamente onde preciso. Não preciso erguer as partes pesadas", diz Jürgen Heidemann, que trabalha na SEW há 40 anos, desde que tinha 18. "Isso é mais satisfatório porque produzo o sistema todo. Na linha antiga, eu só fazia uma parte".

Heidemann é parte de uma nova categoria de operários, que estão aprendendo a trabalhar lado a lado com a mais recente geração de sistemas robotizados. Tradicionalmente, os robôs industriais ficavam protegidos dentro de gaiolas, porque suas dimensões avantajadas e movimentos rápidos tornavam insegura a interação com pessoas. Eles requerem programadores altamente treinados para determinar suas tarefas e, depois de instalados, raramente são movidos.

Agora, uma geração de máquinas mais leves, móveis e versáteis está chegando às fábricas para trabalhar em segurança ao lado de operários humanos, graças a avanços nas tecnologias de visão e sensores, e no poder de computação. Se uma pessoa se coloca no caminho das máquinas, elas param de funcionar. Para programá-las basta um tablet, ou mover seus braços na sequência correta; não é necessário saber código. E se alguém precisar do robô em outra parte da fábrica - ao contrário dos pesados braços robotizados que povoam as fábricas de automóveis do planeta, que são afixados ao piso -, é fácil movê-los.

Máquinas colaborativas como essas são conhecidas como cobôs, e são tão novas que respondem por apenas uma fração das vendas mundiais de robôs industriais: menos de 5% do volume recorde de 240 mil robôs industriais vendidos no ano passado.

REVOLUÇÃO

Mas a indústria diz que esses robôs flexíveis - com preço médio de US$ 24 mil por unidade, de acordo com o banco Barclays - têm o potencial de revolucionar a produção, especialmente para as companhias de menor porte que respondem por 70% da produção industrial do planeta.

A maioria delas vêm enfrentando dificuldades para se automatizar dado o alto custo associado à robótica tradicional. Mas com um salário industrial médio de US$ 11,80 por hora nos Estados Unidos e de 7,40 libras por hora no Reino Unido, de acordo com o site de comparações salariais PayScale, pode ser questão de meses para que os preços mais baixos comecem a se fazer sentir. James Stettler, analista da Barclays Capital, estima que o mercado de cobôs pode crescer de pouco mais de US$ 100 milhões no ano passado para US$ 3 bilhões em 2020.

"Muita gente vem esperando por esse tipo de avanço", diz Jesse Rochelle, engenheiro de produção na Stenner Pump, uma companhia sediada na Flórida e que emprega 90 pessoas. A Stenner comprou um cobô de dois braços da Rethink Robotics, chamado Baxter, 18 meses atrás.

O novo operário da empresa está sendo usado para transportar peças da linha de produção para a de embalagem, reduzindo em 75% a necessidade de mão de obra humana no processo. Já que o Baxter não precisa trabalhar em uma gaiola ou parar sempre que um ser humano se aproxima, o pessoal da Stenner pode tocar seu trabalho sem preocupação. "Reduzimos significativamente o tempo de nosso ciclo de matéria prima a produto concluído", disse Rochelle.

Ele acrescenta que os robôs colaborativos de baixo custo são excelentes para as pequenas e médias empresas como a Stenner, que precisam concorrer contra rivais em mercados de custo mais baixo. "O uso de cobôs por pequenas empresas pode... no mínimo manter empregos locais", disse.

Mas não há como escapar ao medo de que a chegada dos robôs à fábrica possa tornar redundante grande parte da força de trabalho humana. Os economistas Carl Frey e Michael Osborne, da Universidade de Oxford, estimaram que cerca de metade dos empregos dos Estados Unidos podem estar em risco por conta da automação.

O surgimento de robôs altamente adaptáveis pode elevar esse risco. Os avanços na tecnologia de garras, aprendizado mecânico e inteligência artificial inevitavelmente ajudarão a retificar algumas das fraquezas dos cobôs atuais. Lidar com cabos elétricos, produtos têxteis ou mudanças de tarefas continua a ser um desafio para os robôs industriais. Um estudo constatou que um robô demorava 20 minutos para dobrar uma toalha, por exemplo.

SUBSTITUIÇÃO

As empresas negam que os cobôs substituirão os operários, descrevendo-os em lugar disso como auxiliares para as tarefas "tediosas, sujas e perigosas" que os seres humanos não gostam de ou não estão equipados para executar. Mas muitas relutam em exibir seus novos operários robotizados, talvez por medo de atrair publicidade adversa em sua exploração das maneiras pelas quais essa nova força de trabalho poderia ser usada. Diversas recusaram pedidos do "Financial Times" para mostrar seus robôs em ação.

Muitos sindicatos nem mesmo começaram a considerar as implicações da colaboração entre robôs e operários humanos sobre seus membros. "Vai acontecer, e as perdas de empregos podem ser horrendas, em certas áreas", disse Tony Burke, secretário geral assistente do sindicato Unite. "O problema é que ninguém sabe de verdade".

Joe Shelton, administrador na fábrica de automóveis da Nissan no Tennessee, diz que os encarregados de materiais ficaram ansiosos quando veículos guiados autônomos começaram a ser usados na fábrica. "Eles sentiam que os veículos tomariam seus empregos", disse.

Agora, porém, "se tornaram muito receptivos a eles. Trabalham lado a lado". Ninguém foi demitido, ele insiste, e a vida ativa de uma fábrica construída há 30 anos foi estendida, em lugar disso. O tempo necessário para reconfigurar a linha a fim de produzir modelos novos foi reduzido de mais de um ano a apenas dias, graças aos sistemas mais flexíveis de logística robotizada, ele disse.

Na fabricante europeia de aviões Airbus, um robô móvel preso à lateral de uma fuselagem perfura as dezenas de milhares de orifícios necessários para fixar as partes de um avião de passageiros, enquanto seres humanos trabalham em estreita proximidade.

Stéphane Maillard, que trabalha em montagem de aviões há 13 anos, diz que os robôs não substituíram seu trabalho. "Mudaram minha maneira de trabalhar", ele diz. "Antes, era muito manual. Agora, envolve pilotar o robô. 100% das pessoas que trabalharam aqui prefeririam não voltar ao passado".

O grupo está testando um robô sobre rodas que se moverá dentro do avião para marcar os locais em que trabalhadores precisam instalar suportes - posições que precisam ter precisão milimétrica.

Os seres humanos têm motivo para entusiasmo diante da recente decisão da Mercedes-Benz quanto a substituir robôs por seres humanos em algumas de suas linhas. As máquinas simplesmente não tinham a agilidade necessária a acompanhar a demanda crescente por produtos personalizados, enquanto nós, humanos, podemos nos "reprogramar" em uma fração de segundo.

"Estamos deixando de lado a ideia de maximizar a automação e as pessoas voltarão a assumir papel maior nos processos industriais", disse Markus Schäfer, diretor de planejamento de produção da montadora. "Quando temos pessoas e máquinas cooperando, como por exemplo uma pessoa orientando um robô parcialmente automático, somos muito mais flexíveis e podemos produzir muito mais produtos diferentes na mesma linha. A variedade é grande demais para que máquinas possam encará-la".

Cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) provaram a veracidade da experiências da Mercedes-Benz. Trabalhando com outra montadora alemã de automóveis, a BMW, pesquisadores constataram que equipes mistas de robôs e pessoas eram cerca de 85% mais produtivas do que qualquer dos dois grupos trabalhando sozinho.

Em Baden-Württemberg, Heidemann confia em que sua humanidade continuará a garantir seu emprego - não importa o quanto as máquinas se tornem inteligentes. A tarefa de montar uma engrenagem de transmissão é muito mais delicada do que parece. "Você precisa de destreza, de sensação. Um robô poderia danificar a engrenagem", ele diz.

E o futuro em prazo mais longo não é sua preocupação, de qualquer forma. "Vou me aposentar em seis anos", ele diz, com um largo sorriso. "E dentro desses seis anos, não vai acontecer".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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