Folha de S. Paulo


Apple é alvo de autoridade regulatória na China e obrigada a cancelar serviços

Johannes Eisele - 17.out.14/AFP
Chinese girls check out the iPhone 6 in an Apple store in Shanghai on October 17, 2014. Apple began selling its latest iPhone in China, nearly a month after other major territories due to a licence delay by regulators, but it faces a tough battle with rivals led by Samsung in the crucial market. Staff at an Apple Store in downtown Shanghai clapped and congratulated iPhone 6 customers as they left the shop, which opened two hours early for those who had pre-ordered. AFP PHOTO / JOHANNES
Visitantes testam iPhone 6 em loja da Apple em Xangai

Há anos, o sucesso das companhias de tecnologia dos Estados Unidos no mercado da China vem encontrando limites. Quem quer que capture participação de mercado ou influência demais enfrenta um contra-ataque da parte de Pequim.

A Apple vinha, em geral, sendo exceção a essa tendência. Mas, agora, a companhia do Vale do Silício começa a enfrentar ação das autoridades regulatórias contra seus serviços na China, o que pode sinalizar que seu bom relacionamento com o país começa a se desfazer.

Na semana passada, as lojas iBooks Store e iTunes Movies da Apple foram forçadas a fechar no país depois de apenas seis meses de operações. Inicialmente, a Apple parecia ter a aprovação do governo para introduzir os serviços. Mas, então, uma organização regulatória, a Administração Estatal da Imprensa, Publicações, Rádio, Filme e Televisão, exigiu o fechamento, de acordo com duas fontes, que falaram sob a condição de que seus nomes não fossem mencionados.

"Esperamos poder voltar a oferecer livros e filmes aos nossos clientes na China tão logo seja viável", afirmou uma porta-voz da Apple em comunicado.

A reviravolta impressiona, dado o histórico da Apple na China. Ao contrário de muitas outras empresas de tecnologia norte-americanas, a Apple conseguiu introduzir diversos produtos novos no mercado chinês, entre os quais, recentemente, seu serviço Apple Pay, de pagamentos com aparelhos móveis. Caso a resistência do governo chinês a esse tipo de expansão se repita, a companhia sediada em Cupertino, Califórnia, pode sair prejudicada.

Em grau superior ao de muitas empresas de tecnologia, a Apple depende da operação de seu software –o que inclui a App Store e serviços como a iTunes, estreitamente integrados ao iPhone e iPad– para manter a fidelidade dos usuários aos seus aparelhos.

A Apple, que vem enfrentando desaceleração nas vendas de seu iPhone, também depende da China para crescer, de modo que novas medidas de repressão a serviços, por parte de Pequim, podem prejudicar as vendas.

A empresa vê na China seu segundo maior mercado, atrás apenas dos Estados Unidos. Seus números no país asiático serão divulgados na terça-feira, quanto a Apple anunciará seus resultados trimestrais.

INDISPOSIÇÃO

A reação da China contra a Apple demonstra que a companhia pode enfim ter se tornado vulnerável ao forte escrutínio que outras empresas de tecnologia norte-americanas já enfrentam no país há alguns anos. Ele foi estimulado pelas revelações de Edward Snowden, antigo prestador de serviços à Agência Nacional de Segurança norte-americana, em 2013, de que empresas dos Estados Unidos são usadas para conduzir espionagem cibernética para Washington.

A China tem objetivos amplos em suas ações contra a Apple, disse Daniel Rosen, sócio fundador do Rhodium Group, uma consultoria de Nova York especializada na economia chinesa.

"Eles se interessam por proteger o conteúdo que o povo chinês vê, policiar a segurança nacional e favorecer gigantes nacionais como a Huawei, Alibaba e Tencent", disse Rosen. Nessa nova era, ele acrescentou, a China "se mostrará fortemente indisposta a aceitar o domínio de empresas estrangeiras na Internet, especialmente empresas dos Estados Unidos".

Depois do fechamento dos serviços da Apple, o presidente chinês Xi Jinping conduziu uma reunião na terça-feira (19), em Pequim, sobre as restritivas políticas chinesas para a internet. Os principais líderes do setor de tecnologia chinês, entre os quais Jack Ma, da gigante do comércio eletrônico Ali Baba, e Ren Zhengfei, o comandante da Huawei, participaram do evento.

"A China precisa melhorar sua gestão do ciberespaço, e trabalhar para garantir conteúdo de alta qualidade, com vozes positivas criando uma cultura saudável e positiva que seja uma força para o bem", teria declarado Xi, de acordo com reportagem da agência estatal de notícias Xinhua.

Desde o vazamento de documentos promovido por Snowden, a mídia estatal chinesa identificou oito companhias norte-americanas como "guerreiras guardiãs", e que foram classificadas como enraizadas demais em setores cruciais para o país, como a energia, comunicação, educação e forças armadas.

As vendas dessas empresas, entre as quais Cisco, IBM, Microsoft e Qualcomm, na China caíram à medida que a fiscalização do governo endurecia. Algumas delas tiveram de passar por revistas policiais em suas instalações, investigações e multas. Algumas foram pressionadas a vender seus ativos no país, entregar tecnologia e colaborar com parceiros locais se quiserem expandir seus negócios na China.

POUPADA

Ainda que a Apple seja uma dessas oito empresas, ela até então enfrentou menos complicações.

Em 2013, a Apple assinou um acordo com a maior operadora de telefonia móvel da China, a China Mobile, para a venda de seu iPhone no país, depois de seis anos de esforço para conquistar a operadora. No mais recente ano fiscal da Apple, consumidores chineses gastaram US$ 59 bilhões com seus produtos. O presidente-executivo da empresa, Tim Cook, fez múltiplas visitas à China. E embora a empresa tenha enfrentado oposição ocasional –especialmente um ataque da mídia estatal e do Partido Comunista ao seu serviço de atendimento ao consumidor– ela, em geral, foi poupada de ataques.

Mas começaram a surgir sinais de que haveria problemas. Xi vem liderando uma campanha que está congelando a internet, com reforço da censura e tomando por alvo as ferramentas online usadas para contornar o sistema de filtros de conteúdo do país, apelidado de Grande Firewall da China. O presidente também criou novos instrumentos políticos para manter o controle sobre as comunicações eletrônicas.

Xi preside um comitê de líderes importantes formado para estabelecer uma política mais enxuta para a internet e a tecnologia, e fazer do país uma "potência cibernética".

Além disso, o governo chinês propôs, dois anos atrás, uma lei de combate ao terrorismo que requereria que empresas estrangeiras entregassem ao governo suas chaves criptográficas –os códigos que permitem que comunicação codificada seja interceptada e compreendida–, por motivos de segurança. Ainda que essa porção do texto tenha sido abandonada, os analistas afirmam que o governo deseja acesso a todas as comunicações dentro do país.

PROTEÇÃO

Os dois serviços da Apple fechados pelas autoridades regulatórias chinesas, iTunes Movies e iBooksStore, concorrem diretamente com produtos de companhias chinesas de internet. Pequim recentemente adotou iniciativas de apoio à economia do país, que enfrenta crise, enfatizando setores que exigem mais capacitação profissional e oferecem margens de lucro melhores, como a internet.

Esse esforço pode terminar afetando outros serviços da Apple. O Apple Pay, por exemplo, concorre com serviços de pagamentos móveis de duas das maiores empresas chinesas: Alibaba e Tencent.

Em longo prazo, a linha dura da China com empresas estrangeiras de tecnologia como a Apple pode ter consequências pesadas para a economia da China, disse Rosen.

"Da mesma forma que a China e sua população ganharam muito em bem-estar com o aprofundamento das ligações entre o país e a produção mundial de tecnologia, desmontar essas conexões provavelmente causará pesadas perdas econômicas", ele disse.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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