Folha de S. Paulo


Para cortar custos, companhias aéreas brasileiras cedem pilotos à Ásia

Arquivo Pessoal
O piloto brasileiro Luciano Mangoni, que trabalha na Turkish Airlines

O mês do comandante Luciano Mangoni, 52, é fatiado em dois períodos. Na primeira parte ele descansa dez dias em Porto Alegre ao lado da mulher e da filha de 19. Nos outros 20 dias sua base é Istambul (Turquia), de onde decola com um Boeing-777 da Turkish Airlines para destinos nos Estados Unidos, no Canadá, na China, no Japão e nas Filipinas.

Há quase três anos é assim. Mangoni trocou o trabalho na TAM por uma licença não remunerada que o permitiu pilotar em empresas estrangeiras. "Foi uma saída para um momento em que as coisas não estão boas no Brasil."

Mangoni puxou a fila de uma tendência que agora está em alta. E as empresas nacionais incentivam. "Como o mercado encolheu, há pilotos sobrando no Brasil. Já no exterior é o contrário, faltam sobretudo pilotos experientes", diz José Adriano Castanho, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas.

"Vemos com bons olhos essa iniciativa. Com certeza evita demissões nessa crise."

CORTE DE CUSTOS

A maior parte das empresas apenas incentiva a licença, sem ajudar no contato com as companhias de fora. Já a Azul Linhas Aéreas formalizou uma parceria com a HNA, companhia chinesa que no fim do ano passado comprou 27,3% da brasileira.

Segundo o presidente da companhia, Antonoaldo Neves, há 150 tripulantes, 30 deles pilotos, em licença não remunerada que varia de seis meses a dois anos. Outros 100 estão inscritos para um programa específico com a HNA.

"Eu queria que fosse um programa de, no máximo, dois anos, mas os chineses querem três", diz ele.

A ida de pilotos para a China vai representar um corte de custo de 2% para a Azul. Parece pouco, mas pode ser um respiro. A Azul vendeu recentemente 20 aviões e sua capacidade encolheu 7%.

A renda do piloto é composta pelo salário fixo e uma remuneração por voo. Com menos voos, os pilotos perdem renda. Segundo o presidente da Azul, um piloto da companhia voava cerca de 60 horas por mês, mas, com a queda na demanda, passou a cerca de 55 horas por mês.

Mesmo que não houvesse a queda na renda, ainda assim os chineses pagam mais. "Um piloto da Azul ganha um salário anual de US$ 60 mil, entre salários e benefícios. Já os pilotos que vão para a China receberão cerca de US$ 100 mil anuais", diz Neves.

DEMANDA EM ALTA

O fato de a Azul ter uma universidade de pilotos ajudou na parceria com os chineses, segundo o presidente da companhia.

Formar um piloto no exterior é caro. No Reino Unido, por exemplo, quem quer se tornar piloto de Boeing-747 ou Airbus-A320 precisa estar disposto a gastar cerca de
£ 100 mil (o que equivale a mais de R$ 500 mil).

A Boeing, fabricante americana de aeronaves, estima que até 2034 serão necessários 558 mil pilotos comerciais, o que representa 28 mil novas vagas por ano.

O Grupo Latam Airlines, resultado da fusão entre a TAM e a chilena LAN, não quis falar sobre o programa de licença não remunerada, mas admite que passa por aperto. Reduziu a oferta de voos no mercado doméstico brasileiro em 2,5% no ano passado, cortou rotas e diminuiu o número de voos para os EUA.

SELEÇÃO

A Gol argumentou que não podia falar sobre o assunto porque estava em período de silêncio que antecede a divulgação de resultados. Mas, na quarta-feira (30), a companhia emitiu um comunicado sobre a ampliação do programa de licença não remunerada, iniciado em 2015.

"Observando a atual conjuntura do mercado da aviação fora do país, identificamos diversas oportunidades de trabalho com contratos temporários que apresentam um tempo mínimo de contratação entre três e cinco anos."

Segundo o comunicado, "empresas de recrutamento de pilotos demonstraram a intenção de realizar processo de seleção" com os pilotos da Gol que se interessassem em trabalhar na Ásia.

A Gol registrou prejuízo de R$ 4,29 bilhões no ano passado, alta de 284% sobre o resultado negativo de 2014.

Ao chegar à Turquia, o comandante Luciano Mangoni viu sua renda crescer 50% em comparação ao que ganhava na TAM.

No dia 2 de março, chegou ao fim a licença do comandante Mangoni e ele teve que decidir se retomava ao posto de comandante na TAM. "Resolvi continuar na empresa turca. Não quero mais voltar. Meu plano é me aposentar na Turquia", disse, antevendo um caminho sem volta.


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