Folha de S. Paulo


Belo Monte vira realidade, mas caos na cidade da usina está longe do fim

A chegada de Belo Monte a Altamira (PA) era para ter revolucionado a cidade, segundo o discurso do governo e dos empreendedores.

As vésperas do acionamento da primeira turbina da usina, o caos no dia a dia da região, inclusive no rio Xingu, está longe de acabar.

Por causa do impacto socioambiental causado pela obra, um gigante de concreto erguido na Amazônia, uma série de ações socioambientais deveria ter sido concluída antes do início do funcionamento das máquinas.

O que se vê nas ruas é a aflição no dia a dia de quem se desligou do emprego em Belo Monte, mas continua na região, as obras viárias e de saneamento inacabadas e os ribeirinhos longe do rio onde eles
sempre viveram. Além dos índices de violência, como o número de roubos, que também estão em alta.

Até agora, a empresa Norte Energia, responsável pela megaobra, investiu mais de R$ 3 bilhões em ações socioambientais. Mesmo com o dinheiro injetado, os problemas se multiplicam.

O drama de Antoniel Mourão Pires é um deles.

Aos 37 anos, morador do Maranhão, ele mudou com a mulher e duas crianças para Altamira em agosto de 2013. Veio trabalhar como motorista de veículos pesados na obra."Minha perspectiva era vir e
construir um sonho e terminar minha casa lá em São Luís, mas nem consegui começar. Chegamos aqui e a realidade era outra".

Desempregado desde dezembro e sem vontade de voltar para a terra natal, o motorista está sufocado pelo aluguel em Altamira. O custo de vida na cidade subiu devido ao dinheiro que circulou no local nos
últimos cinco anos.

Quase 30 mil empregados chegaram para erguer a megabarragem. Mas, agora, com a saída de grande parte deles, o problema deve ser inverso. A economia local começa a murchar, o que é fácil de
perceber no comércio.

A reportagem encontrou Pires em um loteamento de moradia popular invadido, para onde ele pretendia mudar e se livrar do aluguel.

Outras seis pessoas da invasão, de um total de 60 famílias, são desempregados da usina de Belo Monte.

A família do motorista continua na casa alugada no centro da cidade. "Mas tem dia que não dá para comer direito", diz Pires, que para sobreviver está se desfazendo dos bens adquiridos na época que
estava no trabalho. O que mulher ganha como vendedora serve só para pagar o aluguel.

Na fila do desemprego, perto do escritório do consórcio que está fazendo Belo Monte, boatos de que novas contratações vão começar trazem dezenas de pessoas todos os dias. Muitos dormem ali mesmo,
no chão ou em redes, a semana toda.

"Trabalhei 1 ano e 6 meses na obra. No ano passado resolvi voltar para Pinheiro [MA] e levantar minha casinha. O que me trouxe aqui é a precisão, porque o dinheiro acabou", diz João Silva.

Além dos que vieram de fora, os moradores de Altamira também estão expostos por causa da crônica falta de saneamento básico da cidade. O esgoto ainda acaba indo, em parte, para o rio Xingu.

No início deste mês, o Ministério Público Federal de Altamira pediu a suspensão emergencial do barramento do rio, porque o esgoto tenderia a ficar acumulado na orla em frente da cidade.

Apesar de a empresa Norte Energia ter construído as redes coletoras e as estações de tratamento, não foi feito a ligação final para os imóveis.

Depois de um impasse entre o poder público local e a empresa responsável por Belo Monte, as ligações, assumidas pela Norte Energia, deverão ficar prontas em setembro, segundo o grupo.


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