Folha de S. Paulo


'Não podemos transformar telefones em fetiches', diz Obama

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, alertou a indústria de tecnologia contra a transformação dos telefones celulares em fetiches, em detrimento de qualquer outro valor. Esse foi o primeiro comentário de Obama sobre o debate em torno da criptografia desde que a Apple bateu de frente com o FBI, no mês passado.

A Apple está envolvida em uma disputa legal cada vez mais amarga com autoridades americanas sobre se a empresa pode ser forçada a ajudar os investigadores a invadir o iPhone usado pelo atirador de San Bernardino.

Na quinta-feira (10), o Departamento de Justiça acusou a Apple de usar uma retórica "corrosiva" para criar um "desvio" de suas responsabilidades legais – o que a Apple depois chamou de "golpe baixo".

Obama se recusou a comentar o caso da Apple especificamente. Mas disse a uma plateia no festival de tecnologia "South by Southwest", em Austin, no Texas, que, apesar da importância de uma criptografia forte para a prevenção do terrorismo e para a infraestrutura crítica nacional, em determinadas investigações criminais ou terroristas "tem de haver uma concessão para a necessidade de se obter aquela informação de algum jeito".

"Minha conclusão até agora é que não se pode ter uma visão absolutista sobre isso," disse ele, em uma aparente referência à forte posição tomada contra o governo pelo presidente da Apple, Tim Cook.

"Portanto, se o seu argumento é criar uma 'criptografia forte aconteça o que acontecer, criar caixas pretas', isso não estabelece o tipo de equilíbrio com o qual vivemos durante 200 ou 300 anos. E está fetichizando nossos telefones em detrimento de qualquer outro valor. Não pode ser a resposta certa."

Ele também alertou a indústria de tecnologia de que, se ela se recusar a fazer concessões, o Congresso dos EUA pode aprovar uma nova legislação que seria ainda mais difícil de tolerar para a Apple e para seus aliados do Vale do Silício.

"Se a comunidade de tecnologia diz: 'Ou temos uma criptografia perfeita e forte ou então é um Big Brother e um mundo orwelliano', o que veremos é que, depois de acontecer algo muito ruim, a política em relação a isso vai mudar e se tornar superficial e apressada e vai passar pelo Congresso de formas que não foram analisadas", disse Obama.

"Então, realmente haverá um perigo para as nossas liberdades civis porque as pessoas que entendem melhor disso e se preocupam mais com a privacidade e com as liberdades civis, de certa forma, se descomprometeram ou tomaram uma posição que não é sustentável para o público em geral ao longo do tempo."

O presidente admitiu que as revelações feitas por Edward Snowden sobre a extensão da vigilância da internet pelos EUA "elevaram as suspeitas das pessoas" e disse que o governo não deve ficar "analisando os telefones de todo mundo a torto e a direito".

Mas em relação às intrusões cotidianas, tais como scanners de segurança de aeroportos ou verificação do nível de álcool de motoristas, ele acrescentou: "Acredito que é incorreta essa noção de que, de alguma forma, com os nossos dados é diferente de outras concessões que fazemos. Precisamos nos certificar de que, dado o poder da internet e o quanto nossas vidas estão digitalizadas, há fiscalização. Estou confiante de que isso é algo que podemos resolver."

Nesta semana, o chefe da agência de vigilância eletrônica do Reino Unido pediu que as empresas de tecnologia cooperem com as autoridades policiais. Robert Hannigan, diretor do GCHQ, disse que o debate sobre segurança cibernética e privacidade não deve ser obsessivamente focado em qual foi a porta de entrada. "O ponto é se a entrada é legal".

"Deveríamos estar reduzindo o hiato, partilhando ideias e construindo um diálogo construtivo em uma atmosfera menos carregada", disse.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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