Folha de S. Paulo


Presidente do BC dos EUA admite possibilidade de juros negativos

Jonathan Ernst - 9.out.2013/Reuters
Presidente do Fed, Janet Yellen, ao lado de Barack Obama, presidente dos EUA
Presidente do Fed, Janet Yellen, ao lado de Barack Obama, presidente dos EUA

Janet Yellen afirmou que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) estava mantendo em aberto a opção de adotar taxas negativas de juros, dados os ventos adversos que vêm se acumulando na economia mundial, mas afirmou que é improvável que elas sejam adotadas.

Falando ao Congresso em seu segundo dia de depoimento, na quinta-feira, a presidente do Fed defendeu a decisão de elevar os juros norte-americanos pela primeira vez em quase uma década, adotada em dezembro, ainda que tenha reconhecido que as condições econômicas e financeiras se agravaram, de lá para cá.

"Não é o que eu vejo como cenário mais provável", ela declarou, sobre os juros negativos, em resposta a uma questão do Comitê Bancário do Senado. Embora isso tenha lançado dúvida sobre o momento de quaisquer futuros aumentos dos juros, Yellen declarou que as condições ainda não haviam se deteriorado a ponto de "levar a próxima mexida a ser um corte".

Mas Yellen também deixou claro, como já tinha feito no primeiro dia de seu depoimento, quarta-feira, que o Fed estava considerando os juros negativos como uma opção real de política monetária, especialmente depois das recentes decisões do Banco do Japão e do Banco Central Europeu (BCE) quanto às taxas de juros.

"Estamos estudando [as taxas negativas] de novo, porque desejamos estar preparados caso precisemos oferecer maior acomodação", ela disse. "Eu não tiraria essa possibilidade do quadro. Mas teríamos de trabalhar para determinar se ela poderia funcionar no caso atual".

Que Yellen estivesse discutindo a possibilidade, dois meses depois que o Fed elevou os juros, é indicativo das dúvidas crescentes quanto à saúde da economia mundial.

Embora o Fed tenha persistido em seus argumentos favoráveis a uma alta gradual nas taxas de juros, começa a se intensificar a especulação do mercado sobre a possibilidade de que o banco central se veja forçado a reverter seu modesto aumento de 0,25% nas taxas de juros, anunciado em dezembro, e talvez ir ainda além a fim de sustentar o crescimento e estimular a inflação.

A probabilidade implícita que o mercado confere a uma taxa negativa de juros antes do final do ano que vem subiu acentuadamente, para quase 17%, no mês passado, de acordo com cálculos do Bank of America Merrill Lynch.

Juros negativos significam que um banco central define uma taxa negativa para os depósitos de fundos dos bancos comerciais, o que significa que os bancos pagam uma taxa por manter dinheiro depositado no banco central.

Diversos bancos centrais, entre os quais o BCE, o Riksbank da Suécia e o Banco do Japão adotaram taxas de juros abaixo de zero em um esforço ou para combater as preocupações quanto à deflação ou - no caso dos bancos centrais suíço e dinamarquês - para combater a entrada de capitais externos. Seguir esse exemplo nos Estados Unidos não seria de maneira alguma simples, caso o Fed venha a desejar fazê-lo.

No entanto, Yellen deu a entender que o banco central ainda precisa enfrentar numerosas questões subjacentes quanto aos aspectos práticos dessa política, entre as quais obstáculos legais e o impacto sobre "o encanamento do sistema de pagamentos" e os fundos mútuos do mercado monetário. Pressionado sobre o tópico por legisladores, na quarta-feira, Yellen afirmou que o espírito de "planejamento prudente" que um banco central precisa manter justificava o estudo de todas as opções abertas à instituição.

O Fed tem opções limitadas à sua disposição caso a economia dos Estados Unidos venha a sofrer um abalo.

Elas incluem reverter o aumento de juros decretado em dezembro, retornar à política de orientação futura quanto às taxas de juros para garantir aos mercados que elas se manterão baixas - o que seria politicamente complicado - ou arriscar os juros negativos.

Além disso, os sistemas de computadores que o Fed usa para calcular e administrar os juros sobre as reservas do país não oferecem a possibilidade de uma taxa negativa, aponta um documento do banco central, e a medida criaria dificuldades para o Departamento do Tesouro norte-americano ao lançar os rendimentos dos títulos do Tesouro ao território negativo.

O Fed recentemente divulgou uma nota preparada em 2010 sobre o impacto dos juros negativos, e o estudo apontava para diversas inconveniências. Uma delas é que não estava claro que a lei constitutiva do Fed permite que os juros sobre reservas excedentes sejam estipulados como negativos, ainda que não tenham surgido conclusões firmes e que a equipe de advogados da instituição tenha se provado criativa diante de obstáculos legais, no passado.

Os investidores institucionais também poderiam optar por manter moeda física a fim de evitar a penalidade, ainda que isso viesse a acarretar custos de armazenagem.

Uma das questões cruciais gira em torno do impacto sobre os fundos mútuos do mercado monetário, que movimentam trilhões de dólares, já que o setor não teria como evitar o repasse dos juros negativos aos seus clientes, o que destruiria seu modelo de negócios.

Quando o Fed estudou o assunto, em 2010, chegou ao ponto de definir que taxas de juros negativas não seriam um instrumento preferencial, em parte devido ao seu impacto sobre os fundos do mercado monetário, indicou. Yellen na quarta-feira. "Estávamos preocupados que isso não funcionasse no ambiente [do investimento] institucional", ela explicou.

Alguns analistas argumentam que o Fed bem pode se ver forçado a considerar a opção - mas só se as condições econômicas se tornarem suficientemente traiçoeiras.

"Se a economia dos Estados Unidos vier a enfraquecer o bastante, acreditamos que o Fed possa considerar juros negativos como maneira de aliviar a política monetária, mas só depois de exaurir outras opções", disse Mark Cabana, estrategista de juros do Bank of America Merrill Lynch.

"Devolver a taxa de juros ao zero, reimplementar a política de orientação futura e apelar mais vigorosamente ao Congresso por ação na área de política fiscal provavelmente seriam tentados antes que o Fed considere seriamente a adoção de uma política de juros negativos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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