Folha de S. Paulo


Não vejo nenhum desastre na mesma proporção de 2008, diz economista

Anna Carolina Negri - 22.jun.2009/Valor/Folhapress
22/06/2009 Editoria: Seminarios do Valor Personagem: Dean Baker, economista americano de Washington. Reporter: Alessandra Carvalho Local: SP Pauta: Seminario: Bancos Publicos: Financiamento ao Desenvolvimento e Regulacao Bancaria. Personagens para a revista Valor Financeiro/Bancos Publicos. Foto: Anna Carolina Negri/Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
Economista norte-americano Dean Baker

Um novo crash como o de 2008 não está no horizonte, mas a economia mundial vai crescer mais lentamente. Países consumidores de commodities serão beneficiados; produtores têm perspectivas muito ruins. Grande parte da América Latina viverá recessões e o melhor a fazer é desvalorizar moedas. Nesse cenário, o Brasil deve priorizar a geração de empregos.

A análise é do economista norte-americano Dean Baker, 57, cofundador do Center for Economic and Policy Research, sediado em Washington. Doutor pela Universidade de Michigan, ele foi um dos raros estudiosos a identificar a bolha imobiliária nos EUA, ainda no início dos anos 2000. Previu o crash e a recessão resultante.

Autor de "Plunder and Blunder, the Rise and Fall of the Bubble Economy" (2009), Baker diz à Folha que novas bolhas vão explodir, mas terão efeitos regionais. Sua receita para os países saírem da crise: aumento dos gastos para impulsionar a economia.

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Folha - Qual sua visão sobre a economia mundial?
Dean Baker -Teremos um período de crescimento mais lento, com uma mudança substancial de países exportadores de commodities para países consumidores de commodities. Isso é uma perspectiva ruim para grande parte do mundo em desenvolvimento, que pertence ao primeiro grupo. Por outro lado, o Japão, muitos países europeus e alguns em desenvolvimento se beneficiarão do fato de pagar muito menos por petróleo e outras commodities. Para muitos desses países, a poupança chegará perto de 1% do PIB. Isso terá um efeito enorme para impulsionar o crescimento em países que enfrentam profundas dificuldades. Para grande parte do mundo em desenvolvimento, que pertence ao grupo dos exportadores de commodities, essa é uma perspectiva ruim.

O sr. previu o crash de 2008. Haverá outro?
Não vejo o mesmo tipo de bolha direcionando crescimento como a que tivemos na última década. Não há evidências de que alguma grande instituição financeira tenha uma concentração de dívida de produtores de energia concentrada o suficiente para ser duramente atingida pela crise. Haverá mudança por região, mas é difícil enxergar um colapso mundial.

Algo mudou no mercado financeiro desde 2008? Há um controle maior?
Não estou certo de que haja um controle muito maior. Os mercados parecem ter tido uma reação exagerada sobre a China e os preços do petróleo Ðeles costumavam ver preços baixos de petróleo como boa notícia. Não vejo nenhum desastre de proporções como em 2008, mas os mercados estão realmente numa montanha russa.

Podem estourar novas bolhas?
A economia tem bolhas o tempo todo. Agora, há uma bolha no mercado imobiliário de San Francisco, o que em parte reflete uma bolha em muitas ações de empresas de tecnologia e mídia social. Essas duas bolhas devem desinflar juntas. Isso não terá grande impacto na economia, mas será um duro baque na região de San Francisco.

A crise de 2008 resultou em mais concentração de riqueza em todo o mundo. Hoje, os 64 homens mais ricos do mundo possuem riqueza equivalente à da metade da população do mundo. A desigualdade só cresce. Por quê?
Parte da riqueza compra poder político, que é então usado para promover políticas para ampliar ainda mais a riqueza dos ricos. No alto dessa lista [de políticas] eu colocaria a austeridade, uma vez que ela enfraquece o poder de barganha dos trabalhadores e desloca para os integrantes do topo a renda dos trabalhadores que estão nas escalas médias e inferiores da distribuição de renda. E o setor financeiro continua sendo uma ótima maneira de tornar os ricos mais ricos às custas de todos.

Quais são as consequências da redução do crescimento chinês e da queda no preço do petróleo e outras commodities para o crescimento global?
O maior impacto é provavelmente no preço das commodities. Como a China tenta deixar de ser dependente de fabricação e exportação para se tornar centrada em serviços, sua futura demanda por commodities deve ser muito mais limitada. Essa é uma notícia muito ruim para exportadores de commodities e certamente será também um entrave no crescimento de muitos países ricos que seriam exportadores de manufaturados para a China.

Não vejo isso trazendo uma recessão mundial, mas certamente reduzirá o ritmo de crescimento global. Se o governo será capaz de fazer a transição sem grandes rupturas é uma questão em aberto. Essa é uma mudança difícil de realizar, mas a China tem vivido 35 anos sem recessão.

O preço do petróleo deve continuar a cair? Por quê?
Os altos preços do período entre 2009 e 2014 levaram a um aumento na produção. O custo de retirar o petróleo de um poço depois que ele foi encontrado é geralmente baixo. Isso significa que é improvável que ocorra uma grande queda na produção no curto prazo. A entrada no mercado do petróleo do Irã, com o fim das sanções, é outro fator para ampliar a oferta. Em um prazo um pouco mais longo, está havendo um grande progresso no desenvolvimento de energias alternativas e avanços no armazenamento de baterias. Provavelmente as atuais cotações do petróleo subirão, mas nunca mais veremos o barril a US$ 100.

O que a América Latina deveria fazer para enfrentar essa queda nas commodities?
Idealmente, os países deveriam ter tentado tirar vantagens da renda obtida pela alta nas commodities para diversificar suas economias. Em geral, esse não foi o caminho tomado. Agora, tentam usar as receitas obtidas para satisfazer necessidades básicas da população (alimentação, saúde, educação). Sobrou pouco dinheiro para o desenvolvimento econômico. Preços baixos de commodities significarão uma menor pressão inflacionária, o que pode trazer algum benefício. De forma geral, é melhor para os países deixar o valor de suas moedas em patamares baixos para promover as exportações. Muitos países da região agiram na direção oposta e sustentaram moedas sobrevalorizadas.

Como o sr. avalia a situação brasileira e que conselhos daria ao governo?
Não sinto que saiba o suficiente para dar conselhos. Mas, de maneira geral, diria que o foco deve ser a criação de empregos. Deve ser a maior prioridade. Os custos do desemprego são enormes para os trabalhadores e gerações futuras.

Como o sr. avalia o panorama de trabalho no mundo?
Precisamos de maior demanda na economia, o que pode acontecer mais facilmente se os governos gastarem mais para satisfazer as necessidades de suas populações. Alguns governos, como nos EUA, no Japão e na Europa, estão em melhores condições do que outros para gastar mais e lidar com grandes deficits. Se esses governos impulsionassem a demanda, isso provocaria um avanço da demanda também em outros países.
Deveria haver também foco na redução de oferta como forma de atingir o pleno emprego. Houve grandes reduções na duração da semana média de trabalho e no ano de trabalho no último século. Isso poderia apertar o mercado de trabalho e permitir que trabalhadores tivessem ganhos salariais reais.

Como o sr. analisa a economia nos EUA? Está correto o movimento de alta nos juros?
A economia norte-americana está longe de se recuperar da recessão de 2008. Está tendo um crescimento fraco, a uma taxa de 2% nos últimos cinco anos. Devido ao aumento do dólar e à redução nas exportações e a uma queda na construção não-residencial (há uma pequena bolha nesse mercado), é possível que o crescimento seja até mais lento em 2016. Com a inflação bem abaixo da meta do Fed (2%), é difícil ver alguma boa razão para o aumento da taxa de juros em dezembro. As consequências da elevação em 0,25 ponto são limitadas. A grande questão é saber se o Fed seguirá com altas em 2016. Seria um erro grave.

O que mudou na economia dos EUA desde 2008?
Continuamos a ter um mercado de trabalho muito fraco, o que levou a uma grande mudança de cerca de 4 pontos percentuais na renda nacional dos salários. Há também um crescimento extremamente lento na produtividade. Isso está relacionado à fraqueza do mercado de trabalho. Muitas pessoas são forçadas a aceitar postos com baixa remuneração e produtividade (por exemplo, em restaurantes ou no varejo), pois é a única oportunidade que conseguem encontrar.

A Europa superou a crise?
A Europa está ainda mais longe de superar a crise do que os EUA. Ela enveredou mais intensamente na austeridade do que os EUA e o seu banco central não foi tão acolhedor quanto o Fed. O Banco Central Europeu se tornou melhor nos últimos anos, mas é difícil compensar o impacto da austeridade fiscal. Facilmente, pode se passar mais uma década até a Europa se recuperar integralmente. Preços mais baixos do petróleo vão ajudar.

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RAIO-X

Idade
57 anos

Atuação
Ex-consultor do Banco Mundial e co-fundador do Center for Economic and Policy Research

Formação
Doutor pela Universidade de Michigan

Bibliografia
Autor de "Getting Back to Full Employment" (2013), "The End of Loser Liberalism" (2011), "Taking Economics Seriosly" (2010), "Plunder and Blunder, the Rise and the Fall of the Bubble Economy" (2009)


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