Folha de S. Paulo


É um bom momento para olhar para o Brasil, diz sócio de fundo americano

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Geoff Lewis, sócio do Founders Fund, fundo de investimento em tecnologia

Na contramão dos principais segmentos da economia que sofrem com a crise, o setor de tecnologia é o negócio mais seguro para se fazer investimentos neste momento no país —desde que, claro, o investidor não busque retorno nos próximos dois anos.

Quem diz é Geoff Lewis, sócio do Founders Fund, fundo de investimento em tecnologia que nasceu com capital de US$ 1 bilhão e concluiu, no início deste ano, seu primeiro aporte de recursos no Brasil e na América Latina.

A despeito da crise, o fundo está de olho nas oportunidades brasileiras.

De acordo com Lewis, o foco é investir em empresas que estão muito à frente de seus concorrentes, ou que criaram seus próprios mercados.
"Não gostamos de competição. Muitas pessoas estão tirando seu dinheiro do Brasil e achamos que seria um bom momento para olhar para o país", disse.

O fundo integrou grupo de investidores que injetou US$ 52 milhões na brasileira Nubank, start-up que administra cartões de crédito com taxas mais baratas que as cobradas pelos bancos no país.

A empresa se junta ao portfólio do fundo, que inclui Facebook, Spotify, Airbnb e a companhia privada de viagens espaciais SpaceX.

Os investimentos são feitos com horizonte de dez anos, explica Lewis. A previsão é fazer de 15 a 30 novos negócios neste ano no mundo.

Lewis conversou com a Folha por telefone, da Califórnia. Leia os principais trechos da entrevista:

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Folha - Por que o fundo decidiu investir na Nubank?
Geoff Lewis - Nós achamos que é um negócio que tem tudo para crescer, seja no momento atual, seja em tempos melhores. A empresa irá bem mesmo em tempos ruins porque oferece um produto muito melhor para os brasileiros. Os outros cartões de crédito no Brasil têm taxas de juros insanamente altas e os bancos podem ser incrivelmente predatórios com seus consumidores no varejo. Por outro lado, os bancos vão muito bem nesse momento de forte retração da economia.

O que o fundo viu de diferente na empresa?
Justamente a tecnologia por detrás. Além da tecnologia lançada —toda a gestão do cartão de crédito e relacionamento com a administradora se dá online, por meio de aplicativo de celular—, o produto é melhor para o consumidor, pelas taxas de juros mais baixas que qualquer outro cartão no país. Ou seja, é algo que é melhor para o consumidor e agrega grande tecnologia.

Administrar cartões de crédito não é propriamente uma novidade no Brasil.
Mas os bancos no Brasil não serão capaz de competir com o que a Nubank oferece. Eu estive no Rio recentemente. Os caixas eletrônicos não funcionam no horário em que as agências não estão abertas. O banco passa 70% do tempo fechado. Isso me parece insano. Não há competição que pressione o setor para uma melhora do serviço.
Sem precisar bancar uma estrutura física, os custos permitem não cobrar a maioria das taxas. A empresa está oferecendo um serviço de padrão mundial e por isso estamos investindo mesmo num momento tão ruim da economia brasileira.

Por que a decisão de investir só agora?
Foi algo que pensamos muito e levamos em conta: a economia está mal. Acreditamos, porém, em investimentos com prazos de dez, 15 anos.

Que perfil de empresas o fundo busca?
Procuramos empresas que façam algo muito melhor do que qualquer outra. Buscamos as que criaram ou sejam praticamente as únicas em seus mercados, não por privilégio, mas por ter uma qualidade muito superior a dos concorrentes. Acreditamos que daqui dez anos a Nubank será uma dessas no Brasil.
A SpaceX é um exemplo. A maneira como eles constroem seus foguetes é dez vezes melhor do que qualquer outra, dez vezes mais barata. Procuramos empresas que poderão ao mesmo tempo, no futuro, gerar negócios multibilionários e serem boas para a sociedade.

O Brasil não estava no radar?
Tentamos evitar disputas com outros investidores. E, nesse momento, muitas pessoas estão tirando seu dinheiro do Brasil. Achamos que seria um bom momento para olhar para o país, visto que sabíamos que esse ciclo ruim da economia não iria durar para sempre. Começamos a olhar as oportunidades há seis meses. Como disse, não temos a expectativa de ter retorno sobre esse investimento em um ou dois anos. Não estamos com pressa.

Os fundos de venture capital estrangeiros estão tirando dinheiro do Brasil?
Eu não saberia dizer, na verdade. Eu penso que o setor de tecnologia está um pouco isolado da loucura do cenário macro da economia. Mesmo que outros setores estejam indo realmente mal, eu acho que o mercado de softwares e novas tecnologias tende a estar mais protegido que outros. Os investidores mais inteligentes reconhecem isso, mas não sei como os demais fundos fazem essa avaliação. O setor de tecnologia é o negócio mais seguro para se investir neste momento no Brasil.

Por quê?
Porque o horizonte de tempo perseguido pelas empresas de tecnologia são tão de longo prazo que a geração de valor da empresa tende a ser bastante dissociado da economia no momento de sua criação. A geração de valor das empresas de tecnologia levam de dez a 15 anos, em nítido contraste com os negócios antigos.

As empresas de tecnologia brasileira são competitivas em relação às do Vale do Silício?
Eu não tenho uma resposta pronta para isso, mas diria que muitas start-ups brasileiras são basicamente cópias de cases de sucesso americanos. Assume-se que algo que funcionou nos EUA dará certo no Brasil. Nós não queremos investir nesse tipo de empresa. Queremos quem está fazendo algo novo. Há, em geral, coisas interessantes em curso.

O Brasil poderá ter, no futuro, empresas como Google ou Facebook?
É possível, mas empiricamente improvável. As 25 maiores empresas públicas de tecnologia são americanas ou asiáticas. Já as maiores privadas são também americanas e asiáticas ou indianas. Então, se surgir uma grande empresa como Google ou Facebook do Brasil no futuro, ele estará nesse grupo.

O fundo planeja fazer outros investimentos no país?
Não temos nenhum plano iminente. Estamos abertos a isso e conversando com algumas empresas brasileiras, mas por enquanto estamos satisfeitos com o aporte que fizemos.

Os US$ 52 milhões levantados está dentro do que costumam receber as start-ups do Vale do Silício, por exemplo?
Sim. Está na faixa do que geralmente ocorre nos EUA. Digamos que se fosse uma empresa americana, o valor investido teria sido ligeiramente maior, mas não dramaticamente diferente do que as empresas americanas nesse patamar costumam levantar.

E qual é a importância do aporte na Nubank em relação à carteira de investimentos do fundo prevista para este ano?
O investimento total foi de cerca de US$ 50 milhões, dos quais US$ 30 milhões vieram do Founders Fund. O restante veio de outros investidores. Isso é provavelmente 5% do que iremos investir neste ano.

Em quantas empresas o fundo pretende investir neste ano?
Costumamos investir em 15 a 30 empresas por ano. Foi assim nos últimos anos e é o que pretendemos para este.

Há algum setor prioritário no Brasil?
Estamos abertos a qualquer segmento, em todo o mundo. Nós brincamos que somos agnósticos, no sentido de que fazemos qualquer coisa, sem direcionamento.

RAIO-X

Idade
33 anos

Função
Sócio do Founders Fund

Atuação
Investidor em start-ups, fundou a Topguest, software de programas de fidelidade usado, por exemplo, pela United Airlines. Atualmente pesquisa e aloca recursos em startups com potencial. É comentarista de empreendedorismo para Bloomberg, CNBC e Fox Business.

Formação
Graduado em comércio pela Queen's University em Kingston, Canadá.


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