Folha de S. Paulo


'Há evidências de ingerência política na decisão do BC', diz Gustavo Loyola

Luis Ushirobira - 12.mai.2011/Valor/Folhapress
Data: 12/05/2011 Editoria: Brasil Reporter: Joao Villaverde Local: Sao Paulo,SP Pauta: Entrevista com Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central (entre 1995 e 1997), sobre conjuntura. Tags: macroeconomia Personagem: Gustavo Loyola, socio-diretor da Tendncias Consultoria, ex-presidente do Banco Central. Foto: Luis Ushirobira/Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
Gustavo Loyola, presidente do BC no governo FHC e sócio da Tendências

As especulações de que o Banco Central possa ter sido influenciado politicamente na decisão de manter a taxa básica de juros em 14,25% encontram legitimidade em acontecimentos recentes envolvendo a equipe econômica, como a saída de Joaquim Levy (Fazenda) do governo.

"Eu, pessoalmente, acho que existem muitas evidências nesse sentido", disse Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências consultoria.

Segundo Loyola, que conduziu a autoridade monetária no governo FHC, a mudança repentina na posição do BC, que vinha sinalizando aumento nos juros, prejudica a credibilidade da instituição e a sua capacidade de coordenar expectativas dos agentes econômicos, peça importante no controle da inflação.

Folha - O sr. defendia alta ou manutenção da taxa de juros?

Gustavo Loyola - Minha opinião é que o BC não deveria aumentar agora os juros. Deveria esperar um pouco em razão de vários fatores, como a fraqueza da economia e uma perspectiva de que tivesse uma certa queda da inflação em 2016.

Defendia que o BC procurasse trabalhar as expectativas e sinalizasse mais claramente qual seria a trajetória de convergência da inflação. Mas com um discurso forte sobre a intenção de elevar a taxa se se materializasse risco inflacionário maior para 2016.

Inflação anual - Medida pelo IPCA

O BC manteve os juros, mas gerou um desconforto.

Porque havia um consenso de que subiria os juros, que se formou com a participação do BC. O BC sempre teve a oportunidade de influenciar as expectativas, mas não o fez. Deixou para fazer isso no dia em que o Copom já iria se reunir. O BC já tinha naquele momento a decisão de mudar, só que ficou desconfortável porque o mercado ainda estava reagindo ao discurso anterior. Então o BC, por meio da nota do Tombini, usou o FMI como uma espécie de pretexto para fazer com que o mercado revisse suas projeções. Mas o tiro saiu pela culatra.

Por quê?

Não convence ninguém que o BC tenha mudado de posição por causa do FMI. O Fundo apenas atualizou o seu cenário de crescimento mundial e incorporou em relação ao Brasil expectativas que estão há muito tempo em indicadores do próprio BC. Seria vexatório se o FMI tivesse mais informação sobre a economia brasileira do que o BC.

Era melhor talvez nem ter feito o comunicado e só anunciar o resultado da reunião?

É difícil. O BC levou o mercado a acreditar tanto que subiria os juros que precisaria acontecer algo excepcional para mudar de ideia. E não teve nada de excepcional de dezembro pra cá. A conjuntura é mais ou menos a mesma. Houve uma ligeira piora do cenário externo, mas não ao ponto de justificar uma inflexão tão grande do BC.

Isso levanta a suspeita de ingerência política na decisão?

A pergunta que fica é: por que o BC mudou de ideia? Na ausência de algum fator externo, fica a dúvida que pode ter sido por pressão, ainda mais porque um dos poucos fatos que aconteceram desde dezembro foi a saída do Levy. Então foi coincidência.

Outra coincidência, com aspas ou não, foi a reunião da presidente Dilma com Tombini. Também teve o discurso mais desenvolvimentista do novo ministro da Fazenda e da própria presidente... Uns dias antes, a imprensa dava conta de que o Tombini estaria sob fogo cruzado do PT. Tudo isso gerou uma situação em que é legítimo para o mercado acreditar que o BC agiu sob influência política.

Eu pessoalmente acho que existem muitas evidências nesse sentido. Agora, evidentemente, isso pode não ter acontecido. Mas as chances de não ter sido assim são muito baixas. Vamos ver como o BC se comunica daqui para a frente, inclusive na própria ata. Como ele encontra justificativas para essa mudança.

Isso precisa estar na ata?

Não necessariamente, mas o BC tem de justificar o que aconteceu. O BC não é escravo do que diz, ele pode mudar de ideia. Mas essas mudanças têm que ser excepcionais e justificáveis.

Qual é a consequência do episódio para a imagem do BC?

Prejudica a credibilidade do BC e sua capacidade de coordenar expectativas. A gente começa a ficar em dúvida: qual o objetivo do BC? O regime de metas ainda existe? O BC não está mais preocupado com a inflação? O que ele vai fazer na próxima reunião?

Ficou mais difícil ler as intenções do BC. Num regime de metas, é fundamental que os agentes econômicos tenham uma certa capacidade de antecipar o que o BC vai fazer. Isso está no cerne do regime e o pressuposto é que, havendo boa comunicação, o custo das políticas de combate à inflação é menor. O BC tem se gastar menos munição para baixar a inflação do que quando o mercado não percebe claramente sua intenção.


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