Folha de S. Paulo


Exigência de resultado no curto prazo inibe start-ups brasileiras

A dificuldade em captar novos investimentos tem forçado start-ups a apressar a apresentação de resultados -o que pode destruir conceito de inovação de empresas iniciantes em troca da cópia de um projeto já pronto.

O desvio de rota pode ocorrer por dois motivos principais. Um deles é a falta de maturidade de investidores e empreendedores brasileiros nesse ambiente de negócios.

"Hoje o investidor, para colocar algum dinheiro, exige uma série de números e resultados da empresa que apenas as totalmente desenvolvidas podem dar. Mas, se eu conseguir esses números, também já não preciso desses investidores", diz Horácio Poblete, fundador da start-up Trustvox, especializada em garantir que os comentários em e-commerce são verdadeiros.

Ricardo Borges - 8.jan.2016/Folhapress
Os fundadores de startup, 3Days, que recusaram investimento para não mudar o objetivo da empresa
Os fundadores de startup, 3Days, que recusaram investimento para não mudar o objetivo da empresa

Outra razão é a taxa de juros brasileira. No atual patamar, investimentos conservadores ganham competitividade e "roubam" grande parte do dinheiro que poderia ser destinado às empresas iniciantes.

"Um investidor que coloque R$ 200 mil em Tesouro Direto irá dobrar o capital em cinco anos. Qual a certeza de você dobrar em uma start-up? Se você acertar, multiplica por 20 o valor investido, mas muitos ainda têm medo", diz Amure Pinho, presidente da ABStartups (Associação Brasileira de Startups).

Pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral mostrou que pelo menos 25% das start-ups do país morrem ainda nos primeiros 12 meses e 50% não chegam ao final do quarto ano.

Para Silvio Meira, presidente do conselho do parque tecnológico Porto Digital, houve um incentivo do governo e do setor privado à criação de empresas, mas não houve o mesmo esforço para atrair investidores dispostos a apostar nas start-ups.

"O Brasil criou uma indústria de start-up sem criar uma de venture capital [de investimento de risco]. Criou-se um ambiente quase irresponsável", diz Meira.

Depois da primeira captação, essas empresas enfrentam dificuldades para conseguir investimentos maiores e acabam se desviando do caminho inovador que planejavam. Com sorte, adiam ao plano inicial.

PRESSÃO

Para a ABStartups, até 30% das empresas iniciantes sofrem pressão dos investidores-anjo para que o investimento tenha retorno rapidamente, mesmo que isso signifique mudar de rumo.

"Um anjo mal preparado pode ter um efeito ruim. Ele quer mudar os rumos do negócio sem estar no dia a dia e tem uma influência política muito grande da empresa", avalia Pinho.

A startup 3days, especializada em contratação de profissionais, optou por abdicar de recursos após o investidor pressionar por mudanças.

"Após três reuniões, o investidor deixou claro que nós tínhamos que mudar totalmente a essência da nossa empresa para ele investir. Conversamos e decidimos não aceitar para termos alguma liberdade", diz Bernard Deluna, um dos fundadores.

Segundo a entidade Anjos do Brasil, mesmo com as lacunas enfrentadas pelas start-ups no país, o investimento-anjo cresceu 14% de 2014 para 2015, sem informar valores aplicados.

"A gente investe em empresas que fornecem inovação, não só tecnológica. Se é algo verdadeiro, independentemente do gap ou da crise, a start-up vai conseguir se desenvolver", diz Cassio Spina, presidente da entidade.


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