Folha de S. Paulo


Livro mostra como, aos tropeços, Índia chegou a momento de glória

Indian Space Research Organisation/Divulgação
Primeiro veículo espacial em direção ao planeta Marte da Índia é lançado em maio de 2013
Primeiro veículo espacial em direção ao planeta Marte da Índia é lançado em maio de 2013

No começo de 2016, os números sugerem que realmente chegou a vez de a tartaruga indiana tomar a liderança da corrida.

Com um crescimento anualizado de 7,4% para o seu Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre, a Índia está se expandindo mais rápido que a China ou que qualquer grande economia, e apresenta resultados cintilantes quando comparada a mercados emergentes abalados pela crise, como o Brasil.

No entanto, TN Ninan é mais fleumático e realista do que torcedor nacionalista escancarado, quando o assunto é a Índia e seu primeiro-ministro Narendra Modi.

Ninan, presidente do conselho e antigo editor do jornal "Business Standard", implica, em "The Turn of The Tortoise" [a vez da tartaruga], sua avaliação da Índia desde as reformas econômicas de 1991, que o momento de glória do país surgiu quase que por inércia. Enquanto outros foram saindo da pista, a Índia continua a avançar, mesmo que aos tropeços, propelida pela imensa dimensão de um mercado interno de 1,3 bilhão de pessoas e pela necessidade de recuperar o atraso com relação a rivais mais ágeis. "A Índia é a última grande fronteira para os negócios mundiais", ele escreve.

Ninan afirma que a Índia costuma ser comparada desfavoravelmente à China e outros sucessos asiáticos ao leste em lugar de ser comparada às problemáticas economias africanas a oeste. E a Índia é uma potência nuclear que lançou um satélite a Marte.

Mas, claro, a infraestrutura de transporte indiana é ruim; os governos paralisaram a indústria, ao longo dos anos, com políticas ridiculamente contraproducentes (entre as quais penalizar as grandes empresas e com isso garantir que a China ganhasse vantagem em todos os setores abertos ao comércio internacional, do vestuário aos eletrodomésticos de linha branca); a educação e a saúde básicas fornecidas pelo Estado são chocantemente pobres; e os políticos corruptos e burocratas obstrutores são muitos.

"Tudo isso somado mostra um sistema manifestamente disfuncional", afirma Ninan, apontando que em 2014 a renda per capita indiana era inferior à do Laos, Zâmbia e Sudão.

FRACASSOS

Os dois grandes fracassos indianos que ele identifica são o governo (que pode ser reparado, ainda que com dificuldade) e a indústria (que também pode ser reparada, mas não de forma a criar o tipo de emprego em massa que surgia com as revoluções industriais que precederam a era da robótica).

Sucessivos governos indianos são culpados, entre outras coisas, por privilegiar o ensino superior em lugar do ensino básico, por criar um Estado de bem-estar social muito rígido (no Estado de Tamil Nadu, entre os benefícios que o Estado oferece estão arroz, mistura alimentícia, cabras, laptops, eletricidade gratuita para tecelões e dinheiro e ouro para casais que estejam se casando), e por uma justiça lenta e leis trabalhistas ruins.

Oficialmente, há 30 milhões de indianos com emprego formal, apenas 6% da força de trabalho total, e a maioria deles são funcionários públicos - ainda que essa estatística seja contraditada por outros dados. A Índia é de fato o que Lant Pritchett, professor da Universidade Harvard, define como "Estado inepto", no qual as autoridades não conseguem nem mesmo implementar políticas sensatas ditadas de cima.

Na indústria, o primeiro-ministro Modi lançou um programa chamado "Make in India" para atrair investimentos e integrar as fábricas do país a cadeias mundiais de suprimentos dominadas pelo leste da Ásia. Na teoria, os salários do país são baixos o bastante para atrair investidores, mas Modi tem de enfrentar um legado terrível.

A Índia por fim liberou seus mercados de produtos das regras kafkianas que os governavam, nos anos 90, mas se provou incapaz de liberalizar fatores chave para a produção - mão de obra e terrenos.

Ninan escreve que "na verdade, a maioria dos produtores em busca de alternativas à China não contemplam a Índia. As rígidas leis trabalhistas do país continuam a ser uma desvantagem, seus trabalhadores nem sempre são tão produtivos, a infraestrutura é deficiente e lidar com as autoridades é um pesadelo. Quase todos os países do leste da Ásia oferecem ambientes de trabalho melhores".

Ninan expõe três "megatendências" que determinarão o futuro da Índia: o aumento no tamanho da classe média; o recuo continuado, ainda que a contragosto, da participação do Estado na economia (43% das crianças do país vão a escolas privadas); e uma transferência de poder de Nova Déli para as capitais estaduais.

Ele lamenta que não existam bancadas políticas que defendam o livre mercado ou a reforma radical. O melhor que Ninan tem a dizer, ecoando o discurso de Jawaharlal Nehru na independência do país em 1947, é que a vida dos indianos melhorará em velocidade aceitável, "não de todo, mas substancialmente". Por enquanto, a tartaruga indiana está correndo mais rápido que os rivais. Mas a linha de chegada continua muito distante, e ela continua a ser uma tartaruga.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

The Turn of The Tortoise
AUTOR TN Ninan
EDITORA Oxford University Press
QUANTO Pré-venda por US$ 29,95 (352 págs.)


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