Folha de S. Paulo


Trajetória da joalheria H.Stern e seu dono é contada em livro

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Fachada de loja da H.Stern em Londres.
Fachada de loja da H.Stern em Londres.

O jovem alemão Hans Stern ficou deslumbrado quando avistou pela primeira vez a Baía de Guanabara, em fevereiro de 1939, fugindo com os pais da perseguição nazista.

Depois de meses de horror, quando soldados de Hitler destruíram os negócios da família e eles passaram a assistir ao êxodo e à perda de amigos e parentes, a beleza da "cidade maravilhosa do mundo" e os braços abertos do Cristo Redentor encantaram o jovem judeu, então com 16 anos.

Com a vida pela frente, Hans vislumbrou que seu futuro seria construído ali e logo tratou de se adaptar ao estilo de vida da efervescente cidade do Rio de Janeiro dos anos 40.

A história desse alemão tropicalizado, de hábitos simples e pitorescos —-andava de fusquinha e despachava na "laje" do imponente prédio corporativo em Ipanema tomando banho de sol—, que com faro e intuição para os negócios criou a primeira multinacional brasileira do varejo, com 170 lojas em 15 países, está elegantemente contada por Consuelo Dieguez em "H.Stern, a história do homem e da empresa", recém publicado pela Editora Record.

Kurt Stern/Wikipedia
O alemão Hans Stern, dono da joalheria H. Stern, em 1939 no Rio de Janeiro, ao chegar ao país
O alemão Hans Stern, dono da joalheria H. Stern, em 1939 no Rio de Janeiro, ao chegar ao país

Dieguez é repórter premiada da Revista Piauí e tem se dedicado a contar histórias reveladoras de empresas e empresários nacionais.

Por meio de cartas com relatos e impressões que Hans mandava para amigos e parentes no exterior, além de depoimentos de familiares e executivos da H.Stern, a jornalista descreve a trajetória da família desde os meses que antecederam a saída da Alemanha até os dias atuais.

Hans se apaixonou pelas pedras brasileiras, que ele tanto se esforçou para rebatizar de preciosas (eliminando o rótulo de semi-preciosas), ao arrumar um emprego de datilógrafo em uma empresa de comercialização de pedras. Pouco depois, em 1945m abriria o seu próprio negócio de lapidação de pedras com US$ 200 da venda de seu acordeão.

Se na primeira parte do livro a história do homem predomina, quando o filho mais velho Roberto (o mais velho do casamento com Ruth) assume a gestão da H.Stern, nos anos 90, o foco se concentra na corporação e na gestão do negócio.

Roberto deu sequência ao rigor de excelência na confecção das joias estabelecido pelo pai, mas elevou a joalheria à categoria de moda de luxo, passando a criar coleções assinadas por estilistas e personalidades famosas.

A história é fascinante, mas o livro peca por trazer apenas a visão dos donos. E ainda que se reconheça que os herdeiros tenham tentado dar liberdade à jornalista para incluir temas delicados -como as batidas dos fiscais do serviço de Prevenção e Repressão de Infrações contra a Fazenda Nacional no governo de João Goulart, e os casos de herdeiros extra-casamento que apareceram após a morte do fundador em busca de um naco de herança- estes são retratados sob uma ótica extremamente positiva ou discreto.

Os fiscais eram achacadores e acabaram sendo alvo de uma CPI. Os acertos entre o estoque físico e o fiscal acabaram sendo feitos "em clima de paz". A menção aos filhos fora do casamento, história conhecida que ganhou as manchetes dos jornais na época, aparece num parágrafo, lá para o fim do livro, pra constar.

Outra passagem que carece de detalhes e certa independência editorial é quando Roberto, aos 44 anos, deixa o comando da empresa por divergências com o pai. Na época, 2004, Hans tinha 82 anos e já tinha assistido (discordando mas aceitando) a inovações e mudanças profundas promovidas pelo filho. No entanto, o desgaste na relação e os desentendimentos são retratados de forma muito suave para uma disputa que teve um desfecho dessa ordem. Roberto viria a reassumir cerca de três anos depois, com a morte do pai. No breve período sem o comando de Roberto, de acordo com o livro, a empresa fica um tanto desgovernada e entra em crise.

Daniel Marenco/Folhapress
Pessoas observam a manufatura de jóias na H.Stern, no Rio de Janeiro
Pessoas observam a manufatura de jóias na H.Stern, no Rio de Janeiro

Também mereceria mais destaque revelar os bastidores da estratégia de marketing da companhia, que por meio de uma eficiente campanha de relações públicas aproximou as marcas de grandes estrelas de Hollywood, enfeitando pulsos, dedos e colo de atrizes famosas como Angelina Jolie, Sharon Stone e Catherine Zeta-Jones.

Seria interessante entrevistar funcionários e ouvir histórias como as da época em que parte dos pagamentos de salários eram feitos em dinheiro vivo. Com as notórias dificuldades econômicas do país ao longo do século 20, com inflação, poucas empresas abertas e muitos setores ainda por regulamentar, nenhuma grande empresa sairia ilesa de uma investigação minuciosa.

No caso da H.Stern, a exploração de pedras carecia de regulação quando Hans passou a comprá-las, nos anos 40, 50. Se ele tivesse exigido notas dos mineradores na época, a H.Stern, hoje com 3.000 funcionários, muito provavelmente não existiria. Mas talvez isso ajude a explicar a carência no mercado editorial brasileiro de livros independentes sobre a trajetória das grandes empresas.

Assim como o relato da Panair (Pouso Forçado: A história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar, de Daniel Leb Sasaki, também da Editora Record), histórias das empresas e seus empreendedores, com seu contexto histórico e econômico, podem ser fascinantes. Por isso, a despeito de ser uma biografia autorizada, a história da H.Stern é muito bem-vinda.

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  • H.Stern: a História do Homem e da Empresa

Autora: Consuelo Dieguez

Editora: Record

Quanto: R$ 60 (272 págs)

Classificação: Bom


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