Folha de S. Paulo


Livro mostra como Roosevelt enfrentou banqueiros e monetaristas

AFP
Ex-presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt (1882-1945)
Ex-presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt (1882-1945)

Quando o oficial de justiça colocou em leilão o silo de milho de J. F. Shields, começou o barulho forte. Em caminhões e carros, centenas de agricultores chegaram gritando. Eram agricultores vizinhos, inconformados com a execução judicial que acontecia naquele momento em mais uma propriedade de Iowa.

Armados com paus, os lavradores dos arredores da cidadezinha de Denison saíram batendo em policiais e oficiais de justiça. Botaram todos para correr e acabaram com o leilão.

Quase ao mesmo tempo, perto dali, em LeMars, outro grupo de agricultores invadia um tribunal e dizia ao juiz C. C. Bradley que ele estava proibido de decretar mais falências de lavradores. O magistrado se recusou a seguir a ordem. Pego pela massa, foi levado para fora da corte.

Uma cabine telefônica serviu para improvisar uma forca. Com a corda no pescoço, Bradley já começava a sufocar quando alguns resolveram poupá-lo. Coberto de graxa e de sujeira, pode ir para casa.

As cenas aconteceram nos Estados Unidos em abril de 1933. O preço do milho havia caído para um terço do patamar de anos atrás. Sem poder pagar suas dívidas, dois terços dos agricultores tinham quebrado e estavam vendo suas propriedades serem tomadas pelos bancos credores.

Os protestos começavam a se espalhar. Os rebeldes eram homens de família de meia idade que até pouco tempo tinham sua fazendinha e respeitavam as leis e as instituições. Agora estavam em combate desesperado para sobreviver.

Enquanto isso, em Washington, Franklin Delano Roosevelt, recém-empossado, lutava contra banqueiros e grandes empresários para impor uma mudança radical na política econômica dos EUA, ainda combalidos pelos efeitos da crise desencadeada em 1929.

Roosevelt desamarrava os Estados Unidos do padrão ouro e agia para que aumentos de preços reativassem a economia e tirassem o país da rota da rebelião.

Em seu gabinete, enfrentava o debate entre monetaristas que colocavam o controle da inflação como prioridade maior e keynesianos, que advogavam a necessidade urgente de retomada do crescimento com mais oferta de emprego, mesmo que às custas de alguma inflação.

"Se continuássemos por mais uma semana ou duas sem a minha decisão sobre a saída do padrão ouro, poderíamos ter tido uma revolução agrária neste país", desabafou Roosevelt mais tarde.

Os bastidores desse jogo de pressões são descritos com habilidade pelo historiador Eric Rauchway em "The Money Makers, How Roosevelt and Keynes Ended the Depression, Defeated Fascism, and Secured a Prosperous Peace" [criadores de dinheiro, como Roosevelt e Keynes acabaram com a depressão, derrotaram o fascismo e asseguraram uma paz próspera].

Quem gosta de "House of Cards", das discussões em torno do impeachment ou do permanente confronto entre monetaristas e desenvolvimentistas no Brasil vai gostar do livro. Professor de história da Universidade da Califórnia em Davis, Rauchway detalha conversas de gabinete, troca de cartas, articulações políticas, sabotagens.

O autor mostra como Roosevelt e seus adversários do mercado financeiro agiram para estruturar as batalhas de mídia. Relata as estratégias do presidente para responder recorrentes questões sobre o equilíbrio orçamentário. Entre contas públicas balanceadas e recuperação, a decisão foi priorizar a segunda.

O livro trata de como o presidente conviveu com auxiliares que divergiam de suas ideias progressistas —até que se livrou de todos eles e avançou no sentido que achava correto. "Tive aulas de economia e tudo que foi ensinado estava errado", disse ele.

Rauchway, que escreveu também "The Great Depression and the New Deal", expõe a ligação de Roosevelt (1882-1945) com o economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946), que também enfrentava resistência feroz dos rentistas às políticas de intervenção estatal para a recuperação econômica.

Ao relatar os bastidores da conferência de Bretton Woods, em 1944, o historiador aponta as disputas em torno do nascedouro do FMI e do Banco Mundial. Como quando do rompimento com o padrão ouro, grandes bancos e grandes jornais de alinharam no combate ao que era classificado como um New Deal para o mundo.

Pavimentando a ascensão do dólar como moeda internacional e solidificando o poder dos EUA, a conferência abriu espaço para a expansão do capitalismo liderado pelos EUA, o que beneficiaria seus bancos nas décadas seguintes.

Mas, naquele momento, houve resistência das finanças, sempre focadas no curto prazo, no controle da inflação e do orçamento. O governo pensou a longo prazo e foi em frente na estratégia de exportar o seu modelo, fazendo contraposição ao avanço soviético.

Mesmo sem esmiuçar as medidas do New Deal nem apresentar uma visão multifacetada do jogo diplomático durante a Segunda Guerra, o livro recupera a memória de embates e traz lições ainda atuais. Basta ler o noticiário.


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