Folha de S. Paulo


Empresário faz sucesso com cerveja própria em bistrô de favela no Rio

Ricardo Borges/Folhapress
Marcelo Ramos, dono de cervejaria do complexo do Alemão com pontos de venda na zona sul do Rio
Marcelo Ramos, dono de cervejaria do complexo do Alemão com pontos de venda na zona sul do Rio

"Estava numa feira expondo a cerveja quando um gringo apontou para o rótulo e perguntou: 'Alemão? Munich?'. 'Não, é do Complexo do Alemão, a favela'", contou aos risos Marcelo Ramos, 41, morador do conjunto de favelas na zona norte do Rio.

A Complexo do Alemão Lager, da qual o gringo levou três, foi lançada em junho de 2014, no Bistrô Estação R&R, na Nova Brasília, uma das comunidades do conjunto de favelas. A carta de cervejas do estabelecimento, criado em 2012, soma 300 rótulos.

A cerveja e o bistrô foram lançados por Marcelo e sua mulher, a ex-analista de recursos humanos Gabriela Romualdo, 35. O bom desempenho do negócio expandiu seu alcance. Há um mês e meio, abriram uma filial no Carioca Shopping, na zona norte.

O empreendedorismo de Marcelo começou com uma simples cerveja no horário do antigo emprego, como técnico de telecomunicações.

DEGUSTANDO

Um dia, depois de fazer a manutenção na linha telefônica de um bistrô na zona sul, ele decidiu experimentar uma cerveja de trigo. Gostou. Passou a degustar em outras casas especializadas e estudar sobre o assunto.

Após concluir um curso de sommelier oferecido por uma distribuidora especializada, Marcelo deu início ao projeto de abrir um bistrô na Nova Brasília. O local escolhido foi a garagem do sogro, no térreo do prédio onde mora com Gabriela, que deixou o emprego numa empresa de engenharia para assumir a administração do negócio.

Para começar, o casal investiu R$ 12 mil que havia juntado e obteve R$ 5.000 de empréstimo na AgeRio, agência do Estado que fomenta com empréstimos a juros baixos a expansão de empreendimentos em favelas com UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).

A primeira preocupação veio da própria família, evangélica. "Para explicar a eles que o bistrô vendia cerveja 'gourmet' e que não teria bagunça, foi complicado", afirmou Marcelo.

O preço das cervejas -de R$ 15 a R$ 250- também foi motivo de desconfiança. "Meu sogro perguntou: 'Como você vai vender essas cervejas na favela se o litrão da Antarctica custa R$ 3,80?'."

O atendimento também era um ponto caro para Marcelo, que disse ter sido alvo de preconceito racial num restaurante. "Uma vez, fui a um bistrô, sentei na mesa e o garçom ficou olhando para minha cara de um jeito estranho, desconfiado. Falei para mim mesmo: 'Lá na favela isso não vai acontecer'."

O espaço da favela é modesto. A decoração, com uma coleção de garrafas e adesivos de cervejarias de vários países, luminárias e teto rebaixado em gesso, foi toda feita pelo casal com a ajuda de amigos. Cabem no máximo quatro mesas, além do balcão. Para compensar, são colocadas cadeiras na rua.

Os donos ainda estão se acostumando com o novo empreendimento no shopping. Ali o ambiente é mais espaçoso e sóbrio, ocupa um térreo e mezanino, e os clientes podem se sentar em sofás. Enquanto bebem, podem ler livros especializados.

Tudo é feito em família. O casal recebe ajuda dos parentes na cozinha e no atendimento, enquanto tenta equilibrar as atividades para cuidar do filho de dois anos. No bistrô, aos fins de semana, e no shopping, eles contam com três funcionários.

"O bistrô bombou. Começou a vir gringo de tudo o que é lugar. Eu comecei a me comunicar falando o estilo de cerveja, porque não falo inglês. Dizia: pilsen, lager, weiss e eles me entendiam."

A maré mudou quando o tráfico começou a fazer ofensivas contra as bases da UPP na região. Marcelo afirma que boa parte dos confrontos entre polícia e traficantes não ocorria na Nova Brasília, mas em outras favelas do Alemão.

Ainda assim, a violência reduziu significativamente a presença de turistas.

CERVEJA PRÓPRIA

Para manter a receita, o empresário pôs em prática uma ideia antiga: comercializar a própria cerveja. Ele havia feito um curso de sommelier e mantinha o hobby de fazer cerveja artesanal com amigos na cozinha de casa.

Para iniciar as vendas, ele precisava regularizar o negócio. Bateu à porta de algumas cervejarias em busca de parceria, mas as primeiras respostas foram negativas. "Quando a gente dizia o nome da cerveja, ninguém queria. Até nos chamaram de doidos", contou Gabriela.

Após a parceria com a cervejaria Allegra, a produção da cerveja tipo lager -de baixa fermentação e 5% de teor alcoólico- chegou a 120 garrafas por semana.

Quem vai à favela pode encontrar a garrafa por R$ 15,90. Nos demais locais da cidade, a unidade custa R$ 18,90. O casal também vende chope artesanal por R$ 5, no bistrô, e por R$ 8 no shopping.

Marcelo distribui a cerveja para lojas e feiras no centro e na zona sul do Rio na sua Kombi ano 1989, que em breve vai virar um food truck.

Em média, o casal fatura com todo o empreendimento R$ 6.000 por semana. Em plena crise, eles projetam ampliar o negócio. No início do mês, os dois conquistaram o prêmio de negócio criativo e empreendedorismo da AgeRio e receberam R$ 18 mil.

"Se a pessoa estiver trabalhando, não tem crise. A classe da comunidade é a que mais cresce. A crise está na galera que tem grana. Eles não sabem viver com pouco, mas a gente sabe se adaptar."


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