Folha de S. Paulo


'Se tripulação do país não se entender, Brasil se perderá na viagem', diz presidente da TAM

Danilo Verpa - 6.ago.2014/Folhapress
A presidente da TAM S.A., Claudia Sender, durante o lançamento da marca Latam
A presidente da TAM S.A., Claudia Sender, durante o lançamento da marca Latam

"Se a tripulação do Brasil não se entender, o país corre o risco de se perder em pleno voo", diz a presidente da TAM S.A, Claudia Sender.

Para a executiva, o país está pagando um preço muito alto pela inter-relação entre as crises política e econômica. "O mercado mundial está sendo mais duro do que precisaria com nossa moeda, não porque ache que o Brasil vá ficar insolvente, mas por insegurança sobre o futuro."

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Uma das principais patrocinadoras da Olimpíada e da Paralimpíada do Rio, no próximo ano, a TAM sente o reflexo da retração econômica também em relação aos Jogos: a demanda pelos pacotes de viagens, principalmente os comprados por empresas, está 30% abaixo do previsto.

A empresa postergou os planos para operar, já no próximo ano, um centro de conexões —o chamado hub— no Nordeste.

O anúncio da cidade escolhida para o investimento, que seria feito neste ano, foi adiado para 2016, porque não há segurança jurídica: os modelos de operação dos aeroportos e os limites de participação da Infraero ainda não estão definidos.

Como os aviões para essa operação já estavam contratados, a empresa estuda outras rotas para utilizá-los.

Uma delas será o voo entre São Paulo e Johannesburgo (África do Sul), mas parte desse investimento pode ser direcionado para outro dos sete países em que opera.

Pressionada pela queda de demanda no mercado nacional e pela competição com empresas estrangeiras favorecidas pela alta do dólar, a executiva diz que há uma guerra de preços prejudicial ao setor como um todo e que o Brasil precisa encarar seriamente a solução de seus gargalos de infraestrutura, paternalismo trabalhista e tutela do consumidor.



A situação econômica e política do país piorou muito. Como isso afeta os planos da empresa?

Nunca vimos uma crise política e econômica tão interrelacionada. Difícil separar os fatores macro e microeconômicos, causas e consequências. A crise política piorou muito em 2015 e agravou muito a economia.

O país está sendo penalizado pelo mercado mundial no câmbio e no rating, por causa da política. Há ajustes econômicos importantes a serem feitos, mas o clima político traz insegurança de que esses ajustes sejam feitos. O mercado mundial está sendo mais duro do que precisaria com nossa moeda, não porque ache que o Brasil vá ficar insolvente, mas por insegurança sobre o futuro.

Precisamos demonstrar, com medidas simples, que o país está no rumo certo, para que as coisas voltem a entrar nos trilhos.

Quais são essas medidas simples?

Aprovar alguns temas importantes no Congresso, como CPMF, a DRU, a redução de custos do governo, que é uma máquina muita inchada.

Aprová-los mostra que há alguma coesão em torno de um projeto de retomada, de um projeto para o Brasil.

Temos a quinta maior população urbana do mundo, e a segunda que mais cresce em termos absolutos. Não há como não precisar de infraestrutura, saneamento, estrada, saúde.

A dúvida é se encontraremos um mecanismo que catalise esse potencial de crescimento no curto prazo. No médio prazo, não há dúvida.

Essas medidas mostrariam pro mercado mundial que a classe política brasileira está disposta a fazer esforços para trazer o Brasil de volta a um caminho de retomada e crescimento.

Um tema essencial para a aviação é competitividade. É uma das indústrias mais sem fronteiras no mundo, e ainda vemos tratamentos na aviação brasileira absolutamente anticompetitivos, e o Brasil vai por um caminho que tira ainda mais essa competitividade.

Luiz Carlos Murauskas - 7.dez.2015/Folhapress
Claudia Sender, presidente da TAM, em seu escritorio em São Paulo
Claudia Sender, presidente da TAM, em seu escritorio em São Paulo

Pode dar um exemplo?

No Brasil, por exemplo, as empresas são obrigadas a indenizar os passageiros por "acts of God", como se diz na aviação mundial.

Por exemplo, se chove o aeroporto fecha, a empresa tem que dar hospedagem, alimentação e comunicação para o passageiro.

O Brasil resolveu tutelar o consumidor de uma maneira de que ele não precisa. E isso vira custo à empresa aérea e a todo o sistema. O país criou isso por portaria, sem qualquer equivalente no mundo.

Um outro exemplo: temos uma das frotas mais modernas do mundo, porque o combustível no Brasil é um dos mais caros. O querosene é o maior percentual do custo, de 30% a 40% dependendo do câmbio, e o preço aqui é desproporcionalmente maior em relação a qualquer mercado relevante, inclusive na América Latina.

Além de termos os aviões mais modernos, temos uma aviação mais segura até que a dos Estados Unidos e um pessoal bem pago comparado à média mundial. Mas há desafios aqui que são jabuticabas. Um é o ICMS sobre combustível, outro a portaria que tutela o consumidor, o terceiro é uma infraestrutura muito precária, muito aquém do que é necessário.

As concessões não melhoraram os aeroportos?

Sim, mas veja quanto tempo Guarulhos ficou sem investimento, enquanto o movimento triplicou em dez anos. Hoje temos uma situação em que há aeroportos concessionados que melhoraram bastante e toda uma rede sob gestão da Infraero, sem caixa para fazer investimentos, que fecham a qualquer ameaça de chuva.

Entre Boston e Nova York, há voos em meio a nevascas, e os aeroportos não fecham. No Brasil, a gente brinca que, se alguém fumar na cabeceira da pista, o aeroporto já fecha. Enquanto não houver um olhar muito sério para infraestrutura e a competitividade das empresas brasileiras, nosso crescimento vai sofrer.

O setor de aviação já havia previsto que só voltaria a crescer a partir de 2017. Estão revendo essa previsão mais para longe?

Estamos agora trabalhando com horizontes mais curtos de planejamento e mais cenários, mais flexíveis. Ficou mais difícil ter visibilidade. E um dos problemas é que o ciclo da aviação é muito longo.

Por exemplo, vamos receber agora o primeiro Airbus 350 que compramos em 2005, quando o câmbio era R$ 1,50 por dólar, o país crescia 8%, a aviação crescia 10%. São dez anos desde a compra e mais 15 anos com o avião ativo, 25 anos de ciclo, enquanto a demanda oscila todos os dias.

Como está a demanda agora?

Há dois grupos: viajantes a negócios e a lazer.

Negócios sempre foi 60% e agora está em 45%. É um grupo muito afetado pelo otimismo do empresariado. Há outras coisas por trás, o crescimento do PIB, a taxa de câmbio, a capacidade ociosa das indústrias, mas o que realmente faz a demanda variar é o otimismo do empresariado. E esse indicador não para de cair, tem tido recordes de baixa.

É a pior baixa que já viram no mercado de negócios?

O corporativo vem se mantendo estável, com um pequeno crescimento ano a ano, há uns quatro ou cinco anos. Mas, neste ano, houve uma despencada no tráfego corporativo. A proporção vinha se invertendo porque o Brasil ainda tem um espaço muito grande para crescer em viagens a lazer. O brasileiro faz em média meia viagem por ano, muito abaixo do que ocorre em outros países latino-americanos.

Nós já prevíamos essa queda: com o processo eleitoral, o otimismo do empresariado já veio se apequenando. Desde o segundo semestre do ano passado, a demanda corporativa vinha caindo. Nossa estratégia tem sido estimular muito as viagens a lazer, que, por ter uma penetração muito baixa, é muito elástico: se o preço cai, a demanda cresce.

Há, porém, limites. Quando o passageiro começa a ter dúvidas sobre se vai ter emprego, se os outros da família terão emprego, se vão ter dívidas, se o horizonte financeiro fica menos claro, ele pensa duas vezes antes de parcelar uma viagem de férias.

Até mesmo esse modelo, que tinha trazido muito sucesso para a TAM desde 2012, mostrou um esgotamento neste ano. O próprio passageiro de lazer está achando que este não é um bom momento para viajar.

Luiz Carlos Murauskas - 7.dez.2015/Folhapress
Avião de brinquedo no escritório de Claudia Sender, em São Paulo
Avião de brinquedo no escritório de Claudia Sender, em São Paulo

A queda do lazer surpreendeu a empresa?

No ano passado, havíamos nos planejado para crescer neste ano, mas, ao longo do segundo trimestre, revisamos a estratégia e vimos que não daria para crescer a oferta no segundo semestre, e já anunciamos uma redução que, agora no quarto trimestre, vai chegar perto dos 10%.

Provavelmente em 2016 vamos ter ainda mais redução na oferta, de 6% a 9% da capacidade, dependendo de como estiver a demanda. Não vemos uma recuperação em 2016. Em 2017, vamos estar partindo de uma base tão deprimida que pode haver alguma recuperação.

O problema é que, a cada segunda-feira, as previsões dos economistas vêm sendo revisadas para pior, para uma retração mais profunda, uma inflação mais acelerada, o que é muito nocivo para a nossa indústria. Esperamos que, até o final de 2016, seja possível uma retomada.

A estratégia para sobreviver até lá é cortar mais custo?

É ser muito eficiente na operação e fidelizar nosso passageiro. Precisamos garantir que, como há menos passageiros, cada passageiro que viaja seja muito bem atendido e seja fiel à companhia.

Mas há uma sensibilidade a preços que se torna muito relevante, por isso é preciso ser competitivo em custos, o que impede viajar com o avião meio vazio. Por isso estamos revendo constantemente a malha, para ficar nas rotas em que há mais demanda.

Em alguns Estados, conseguimos manter nossos voos porque há redução do ICMS do combustível. Temos tido sucesso em reduzir nossos custos desde o ano passado, com a colaboração de toda a equipe, mas ninguém esperava um cenário tão adverso quanto este. A procura por viagens para os Estados Unidos caiu 40%. Tirar os voos é complicado, já há um custo fixo pesado, a tentação é manter os aviões voando, e enquanto não se reduz a capacidade existe uma guerra de preços, que acaba potencializando o resultado negativo das companhias aéreas.

Por isso teremos uma visão muito conservadora da capacidade no ano que vem e esperando que o país retome nos anos seguintes a agenda de infraestrutura e competitividade.

Vão revisar investimentos? Como fica o hub do Nordeste?

O hub do Nordeste é uma iniciativa de muito mais longo prazo, para os próximos 25 anos. Estrategicamente, o Nordeste está muito bem posicionado para ser o "gateway" entre a América Latina e a Europa. Está na esquina do continente. Ali há uma oportunidade de fazer algo semelhante ao Oriente Médio, criar um verdadeiro centro de conexões onde se agrega toda a demanda da América Latina e distribui para a Europa e a Ásia, onde estão nossos parceiros.

A Latam tem a beleza de ser parte de um grupo com sete operações domésticas na América Latina: Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Argentina e Paraguai. Conseguimos trazer um passageiro de Quique, no Chile, para levá-lo a Madri, o grupo tem uma vantagem competitiva muito grande, de captura de passageiros, que nenhum outro grupo tem na região.

O hub do Nordeste é um investimento estratégico muito importante, que tem que acontecer. Pode começar um pouco mais lento, mas precisa começar, até para aprendermos a operar na região.

Por que o anúncio do hub foi adiado?

O grande motivo é que, quando olhamos para a infraestrutura, não temos segurança jurídica de que os aeroportos possam prover o que a gente precisa.

Fortaleza está em processo de concessão, e não sabemos qual o formado dessa concessão, que participação tirá a Infraero e que poder de investimento terá quem assumir essa concessão.

Em Recife, estamos trabalhando com a Infraero para desenvolver um novo modelo, que não existe hoje, de ter um terminal privado dentro de um aeroporto operado pela Infraero.

E Natal ainda tem todos os desafios logísticos do próprio aeroporto e o plano de investimento.

Enquanto não tivermos mais segurança de onde o hub pode ter mais qualidade de implantação, não podemos anunciar. Mas já teremos a frota disponível a partir do final do ano que vem, porque nos comprometemos com ela. Vamos procurar projetos alternativos até que o hub passe a operar, mas estamos totalmente comprometidos de que isso vai acontecer.

É uma superoportunidade para revertermos uma tendência no Brasil muito forte: um avião que sai do Brasil para qualquer lugar vai com 70% a 75% de brasileiros. O país recebe menos turistas em um ano que Paris em um mês. Recebe menos turistas que a Argentina. O potencial de turismo que o Brasil tem é subutilizado e o hub do Nordeste é supertransformacional, não só para mas para a companhia aérea, mas para a região.

São mais de 35 mil postos de trabalho, para pessoas que vão falar outros idiomas, desenvolvimento de serviços. Quando se conecta uma cidade com o mundo, o potencial transformacional é enorme.

Foi o que aconteceu com Dubai, que hoje é um dos maiores centros financeiros do mundo. Temos muita confiança nesse projeto, mas precisamos ter condições de infraestrutura e competitividade de preço.

Quais são as alternativas para o atraso que o hub terá?

Estamos avaliando várias. Uma delas é o voo entre Guarulhos e Johannesburgo [África do Sul].

Estamos olhando outras opções, não só na nossa operação do Brasil, o que é triste, porque estamos perdendo investimento no país.

O Abilio Diniz disse que o país está "on sale" [em liquidação], e a verdade é que hoje não está caro para investir no Brasil, mas do ponto de vista da moeda. Do ponto de vista de segurança regulatória, ainda está.

O capital é infiel, não tem nacionalidade, e o investidor quer segurança e retorno interessante. Se não conseguirmos dar isto perderemos uma chance de ouro de atrair capital estrangeiro.

Qual o maior gargalo da aviação regional? É um problema de tamanho da aeronave?

Não. É a demanda, a um preço que consiga justificar esse tipo de operação. As cidades menores vêm crescendo a um ritmo mais rápido que as maiores.

A Latam opera em mais de 10 aeroportos regionais no Brasil com as nossas aeronaves, por isso não é um problema do tamanho dos aviões, mas de infraestrutura e a demanda a um preço interessante.

Mas o grande problema continua sendo a infraestrutura. Não adianta dar subsídio para que uma empresa voe para um aeroporto que fecha toda vez que há nevoeiro. Quando um voo é cancelado, é preciso dar hospedagem, remarcação de voo para os passageiros, continua pagando o leasing, continua pagando a remueração variável que a tripulação teria nessa rota, mesmo sem ter tido a receita.

Sem infraestrutura adequada, o custo não se sustenta, a operação não para de pé.

Há outro tema cuja discussão está bastante acalorada no Congresso que é o da jornada dos aeronautas. O Brasil tem a segunda tripulação menos produtiva da América Latina, depois da Argentina. A regulamentação neste ano faz 39 anos. Precisa ser revista.

Mesmo sabendo que a aviação brasileira é uma das mais seguras do mundo, há uma discussão no Congresso para aumentar o número de folgas e reduzir a jornada. É um desafio entender que, num momento em que todo o Brasil procura flexibilizar a jornada, procura alternativas para manter emprego, trazer competitividade para as indústrias, queira-se aprovar uma lei para reduzir a jornada de trabalho.

Não existe o argumento contrário: de que a aviação brasileira é segura justamente porque a jornada da tripulação é menor?

Não, e o fundamental não é o número de horas, mas a gestão da fadiga. É preciso levar em conta o ciclo circadiano, horas de descanso diurno, descanso noturno, horas de vigília, oportunidades de sono de qualidade. Essa avaliação não depende necessariamente do número de horas que se trabalha no mês.

O importante é que, quando o comandante assume uma viagem, ele esteja em condições de assumi-la de forma segura, e isso tem a ver com a escala de trabalho.

Em vez de a abordagem pensar em trazer competitividade mantendo a segurança, querem fazer da forma fácil, que é aumentar o número de folgas.

A discussão não tem o nível de seriedade que merece.

E, num momento em que é preciso aumentar a competitividade, as empresas aéreas vão perder fácil R$ 7 bilhões. Uma perda recorde, histórica. A falta de sensibilidade à crise que o setor está passando é algo difícil de entender.

A sra. citou varias jabuticabas, a proteção trabalhista, a proteção ao consumidor. E no caso das aeronaves? É mais caro para uma companhia aérea brasileira comprar aeronave Embraer do que uma estrangeira?

Não necessariamente. Hoje, outras empresas que operam Embraer no Brasil compram a aeronave de uma empresa de leasing, através de uma empresa estrangeira. Então a Embraer vende o avião para essa companhia de leasing, que então faz o leasing dessa aeronave para a companhia nacional. Ou seja, a aeronave é exportada para depois ser importada.

Durante toda essa transação há impostos ao longo da cadeia.

Em algum momento, quando o Brasil voltar a crescer, a gente vai precisar de uma aeronave de menor porte. A Embraer hoje é líder na fabricação de jatos regionais. Temos conversas com eles pensando no longo prazo.

Hoje, num cenário com crescimento econômico tão baixo, não está no nosso horizonte trazer aeronaves de modelos diferentes. O desafio, quando você tem uma frota tão diversa, é que tem que investir muito dinheiro em treinar os pilotos, porque os tira da operação e o investimento em treinamento é alto.

Nossa frota já é complexa hoje. Temos os Airbus no mercado doméstico e os de grande porte no mercado internacional. Colocar outra frota tem que ser algo muito bem pensado, traz complexidade de manutenção e operação.

O tema não é o valor da aeronave. mas é o que se adequa melhor à estratégia.

É o gargalo da aviação regional.

Se tivéssemos feito essa conversa há dois anos, nosso viés seria diferente, de continuar crescendo pelas cidades menores.

Hoje, com a retração econômica é difícil olhar para um cenário de crescimento. Estamos em um cenário absolutamente contrário: tirando aviões de nossa frota, enxugando a nossa operação.

Quando voltarmos a crescer precisaremos olhar para essas cidades e aeronaves que tenham porte menor com muito mais carinho. Não necessariamente tem a ver com infraestrutura e operação hoje, mas, sim, um planejamento de longo prazo para voltar a crescer.

Luiz Carlos Murauskas - 7.dez.2015/Folhapress
Claudia Sender, presidente da TAM, em seu escritório, em São Paulo
Claudia Sender, presidente da TAM, em seu escritório, em São Paulo

Daí os planejamentos estarem encurtados.

Exatamente. Por causa da incerteza. Eu entrei na TAM em dezembro de 2011. O dólares era R$ 1,69, o Brasil crescia. Eu entrei com plano de crescimento para a companhia. Olhávamos para uma expansão importante, conquista de mercado, abertura de novas bases. Tínhamos uma visão diferente do que o que realmente ocorreu nos últimos quatro anos.

Um bom líder tem que saber navegar por céus de brigadeiro e por céus turbulentos.

Na sua avaliação, qual foi a principal causa dessa virada nas expectativas e no crescimento?

O ciclo das commodities desacelerou muito fortemente. E a gente surfou uma onda sem nos preocuparmos com investimento de longo prazo.

Nesse momento em que a gente tinha o Brasil tão pujante era hora de fazer as reformas mais difíceis e os investimentos para desengargalar a nossa infraestrutura e trazer mais competitividade para o setor.

Mas o Brasil optou por crescer através de um modelos de investimento em subsídios e de consumo, e não de investimento na infraestrutura.

A gente aplaude todas as concessões feitas e vê a diferença que faz na vida do passageiro e das companhias quando o aeroporto é eficiente para operar.

A questão do investimento vai ter que esperar mais segurança jurídica, como a sra. mesma colocou. Deviam ser priorizadas as reformas?

A concessão do setor elétrico foi um sucesso porque algumas variáveis foram flexibilizadas. Se enxergarmos isso, por exemplo, para a nova rodada de concessão dos aeroportos, há muitos grupos interessados em entrar. Quem pensa em construção e operação de um terminal aeroportuário não está pensado nos próximos três anos. Está pensando nos próximos 15 ou 20.

Se desenharmos contratos que tragam segurança institucional, temos udo para trazer investidores que olham para o Brasil com olhos melhores até que os próprios brasileiros.

A sra. falou que vocês encurtaram seu plano estratégico. Trabalham agora com qual horizonte?

Sempre trabalhamos com planos de três, cinco anos e depois a perder de vista, principalmente com o nosso plano de frota. Hoje estamos olhando para o plano de um e dois anos com muito mais atenção. Esse horizonte de 12 e 24 meses se tornou cada vez mais crucial para nós.

A sra. também disse que ampliaram o número de cenários para fazer a análise. Qual é o melhor cenário?

O câmbio impacta 60% dos nossos custos. Só o que já vimos de desvalorização cambial neste ano, estamos falando de uma aumento de custo de quase 27% para a indústria no Brasil.

O melhor cenário para nós é um cenário de câmbio controlado, em que a gente consegue trafegar. Gostaria de voltar a R$ 1,69, sabemos que isso não vai acontecer.

Um cenário positivo é um cenário de câmbio controlado que permaneça abaixo de R$ 4, a uma taxa de R$ 3,50 a R$ 3,70. Há pouca probabilidade de acontecer.

O câmbio não tem só um impacto nos nossos custos, mas, principalmente, na demanda por viagens internacionais. Hoje, a gente tem conseguido compensar parte dessa demanda através das nossas operações domésticas nos outros países. Se você entrar hoje em um avião nosso indo para Paris ou Londres você vai ouvir muito mais espanhol do que antigamente, porque a gente traz passageiros da Argentina, do Chile, que conectam no nosso voo aqui em Guarulhos e são distribuídos na Europa. Tem nos ajudado a compensar parte da demanda do brasileiro que reduziu.

Agora, o Brasil é mais de 50% do tráfego da América Latina. É difícil, tem que somar todas as operações do resto do continente e a gente não vai trazer um passageiro da Colômbia para conectar em Guarulhos e ir para Londres. Não faz sentido. Tem parte da demanda que a gente consegue compensar e parte que não consegue.

E o pior cenário?

É um cenário de câmbio realmente descontrolado.

Tem gente já falando em um Câmbio em R$ 5 em 2017.

A gente não acredita nesse cenário. Obviamente, tudo é possível, mas não é provável. Um cenário em que o câmbio fica lá em cima e essa situação política-econômica não se move é o pior.

O mais importante agora é ter algum sinal de movimento de evolução para que o mundo volte a confiar no nosso país e a gente tenha uma volta do otimismo no empresariado.

A sociedade civil tem um papel nesse momento. Não adianta a gente ficar só falando do que pode dar errado, mas também de qual e o nosso papel para fazer o Brasil dar certo.

O hub do Nordeste é um desses projetos, é um projeto de trazer oportunidades de desenvolvimento social e sustentável de uma região que precisa e que tem tantas possibilidades.

Enquanto a gente ficar só falando da crise, só falando do ruim, a gente cria esse sentimento de fim do mundo. E isso faz com que as pessoas invistam menos, trabalhem menos, busquem menos.

Cria-se essa sensação de que o Brasil não tem solução. Eu não acredito nisso. O Brasil é muito maior. A gente já teve hiperinflação. Essa é uma crise muito profunda, muito séria, uma das crises mais longas que o Brasil já viveu na sua história recente, mas já passamos por crise pior. E o brasileiro é muito resiliente.

Mas precisa buscar esse caminho. O que me preocupa é se a gente não conseguir trazer propostas e uma construção. A sociedade civil brasileira é muito ativista no Facebook, mas é pouco propositiva.

Precisamos trazer novas propostas e se engajar para entender, se não como classe política, como classe empresarial, como a gente pode se engajar num debate propositivo. Isso falta para o nosso país.

Para a sua capacidade de tomar decisões, a abertura da discussão sobre se abrirá um processo de impeachment ou não torna mais definida a situação ou não?

Eu acho que o cenário hoje continua tão indefinido quanto ele era antes porque é muito difícil saber hoje o que vai acontecer.

Tem uma frase que ouvi outro dia: 'Qualquer coisa pode acontecer amanhã, inclusive nada'. Esse é o pior cenário, o custo da não decisão para o país é muito alto. A gente precisa tomar uma decisão e mover adiante.

O que muda é quanto tempo a gente vai levar nesse cenário de estagnação e não olhar para uma agenda de crescimento. Da forma estrutural que ele precisa ser resolvido, fazer as reformas tributária, política, trabalhista. Senão vamos perder uma década. Nossa legislação trabalhista está tão ultrapassada.

Uma mudança de presidente afeta isso?

Tem que haver uma mudança de pensamento em Brasília, não necessariamente de quem está na cadeira. A política tem que virar de frente, e não de costas, para a população. Minha sensação é que hoje a classe política está tão introvertida no seu próprio mundo, tendo discussões que são pertinentes apenas a eles e não à população, que a gente está perdendo uma grande oportunidade de resolver temas estruturais do Brasil.

A reforma trabalhista é algo que temos discutido muito. O Brasil é um país onde a classe trabalhista entende que é seu direito ter reajustes acima da inflação todos os anos sem nenhum ganho de produtividade. Isso só faz com que a inflação cresça, porque as empresas se tornam cada vez menos competitivas.

Quando olhamos para o mundo lá fora, esse é um direito que é garantido em pouquíssimos lugares no mundo. Um colaborador no Brasil é muito mais caro do que em qualquer outro país onde a gente atua, porque não é o salário, são todos os custos que vêm junto, toda a burocracia.

Para termos uma país realmente competitivo, a reforma trabalhista é essencial.

Se o Brasil fosse um avião em viagem, como você o descreveria neste momento?

É um avião em que a tripulação tem que conversar mais, saber qual é o norte real, definir aonde quer chegar. Precisa saber para onde quer levar o país e engajar tanto os passageiros quanto a tripulação para garantir que o avião vai chegar seguro e da melhor forma possível ao seu destino. Talvez ainda haja muitas discordâncias entre a tripulação, e periga o avião se perder no caminho.

E o Fundo Nacional de Aviação Civil? Como avalia a eficácia dos subsidios?

É sempre uma forma complicada de desenvolver qualquer mercado. O melhor investimento na aviação civil é o desenvolvimento da infraestrutura e redução dos custos estruturais. Subsídios distorcem tanto a oferta e a demanda e, quando são retirados, o mercado virou de cabeça para baixo, como vemos acontecer com a indústria automobilística.

Para nós, o Fundo Nacional da Aviação Civil deveria ser utilizado para desenvolver a infraestrutura aeroportuária e garantir que a aviação brasileira como um todo, de forma democrática, fique mais eficiente. Não somos a favor de medidas protecionistas, somos a favor de mais competitividade, achamos que, quanto mais competição melhor se torna a indústria, melhor para o passageiro em termos de preço e acesso.

Quando se começa a criar subsidio direcionado para um tipo de operação ou outra, cria-se uma distorção que não é positiva para nenhuma indústria. Da forma como o subsídio havia sido discutido originalmente, podia-se fazer uma operação entre São Paulo, uma cidade regional e Brasilia com subsídio. Faz sentido? A companhia vai deixar de oferecer um voo direto entre São Paulo e Brasília porque vai custar menos fazer uma escala numa cidade do interior?

E é superdifícil controlar esse tipo de operação.

As tarifas de conexão, que oneraram tremendamente o setor aéreo para poder viabilizar as concessões dos grandes aeroportos, é um dinheiro que está sendo pago pelas companhias, é parte do fundo, mas não é revertido por nenhum tipo de benefício, seja para o passageiro, seja para a indústria.

O fundo tem que ser usado para infraestrutura e redução de custos e gargalos logísticos.

Luiz Carlos Murauskas - 7.dez.2015/Folhapress
Modelo de avião da TAM, no escritório de Claudia Sender, em São Paulo
Modelo de avião da TAM, no escritório de Claudia Sender, em São Paulo

O passageiro não vai ver guerra de preços agora?

Já está vendo o tempo todo.

Mas a TAM não vai entrar nessa guerra? Vai fazer redução de oferta?

É difícil ficar alheio aos movimentos de preço da concorrência. É muito fácil comparar preços na internet. Num momento de crise, o passageiro opta pelo que cabe no seu bolso.

O que acaba acontecendo é que temos reduzido a capacidade para poder ter menos estoque para queimar, para tentar não entrar na guerra de preços, mas tivemos uma erosão muito forte nos preços das passagens, principalmente das internacionais, que são precificadas em dólar. O valor em real aumentou demais e o passageiro sentiu demais no terceiro trimestre deste ano, quando o dólar estava 56% acima do mesmo período do ano passado.

Estamos concorrendo com empresas americanas que estão fazendo muito dinheiro no seu mercado doméstico e podem oferecer passagens muito baratas aqui. Temos tentando ficar de fora da guerra de preços, mas não é possível o tempo todo, e a guerra está muito acirrada em todos os mercados, no doméstico e no internacional.

Qual a perspectiva para a Olimpíada?

É outro projeto em que entramos acreditando no progresso do país.

Estão frustrados?

Entramos de três maneiras: patrocinador da Olimpíada e da Paralimpíada, como transportador oficial da tocha olímpica e a TAM Viagens é a única distribuidora de hospitality [pacotes para turistas] dos Jogos no Brasil.

É o evento com a maior visibilidade do mundo e, na Copa, o país fez um papel lindo, as avaliações foram muito positivas, mas pouquíssimo divulgadas.

Perdemos a oportunidade de mostrar lá fora essa avaliação.

A Olimpíada tem tudo para ser um sucesso, mesmo com os desafios de infraestrutura do Rio, de garantir que as competições terão segurança, mas tenho certeza de que vai ser um sucesso. Para nós, fazer parte da Olimpíada é mais que uma oportunidade de patrocínio. É uma oportunidade de se posicionar como a empresa que dá as boas vindas a quem chega ao Brasil.

Onde temos encontrado mais desafios é na operação paralímpica, porque os aeroportos não estão preparados para transportar, por exemplo, uma seleção inteira de cadeirantes que chega de uma vez. É complicado dimensionar-se para isso e os aeroportos ainda não estão 100% prontos para isso.

Estamos numa operação de guerra para garantir que nossa equipe sabe como se comportar numa situação como essa.

Do ponto de vista da Olimpíada, estamos muito animados, pode ser um ótimo momento para mostrar o país e do que somos capazes de outra maneira, sem falar de política, Lava Jato e corrupção. Por outro lado, a venda de pacotes está mais lenta que nossa programação inicial.

Parte tem a ver com o fato de serem pacotes corporativos, com tíquete médio mais elevado, e as empresas estão esperando mais para fazer o planejamento para o ano que vem. Vamos ver se melhora no começo do ano que vem.

Quanto abaixo das expectativas está a demanda pelos pacotes?

Perto de 30% abaixo do previsto.

Os últimos episódios de terrorismo preocupam de alguma forma para a Olimpíada?

Sem dúvida, preocupa. Estamos interligados com todas as agências de monitoramento antiterror do mundo e, através da Iata, temos fóruns muito específicos sobre o tema.

A expectativa é que o modelo de segurança americano passe a ser adotado também em aeroportos da Europa, que ainda era um pouco mais flexível.

A Latam tem uma equipe de inteligência que trabalha interligada com as agências de monitoramento. Esperamos não precisar disso na Olimpíada, mas a equipe está superpreparada.

Na Copa, houve uma tentativa do governo de segurar os preços das passagens aéreas. Temem movimento semelhante na Olimpíada?

O evento é diferente, porque é concentrado numa cidade.

Na Copa, havia um grande jogo num só momento numa cidade, com muita gente querendo ir para aquela cidade e depois voltar. Na Olimpíada são 45 dias de competição, com fluxo contínuo de passageiros.

Não temos ouvido ruido até agora, porque o excesso de capacidade deixa os preços mais controlados.

Acredito muito na liberdade tarifária. Depois que as tarifas foram liberadas no Brasil, o que fez a explosão do nosso setor, que foi de 30 milhões para 100 milhões em dez anos, foi a liberdade tarifária, que permitiu às empresas reduzir os preços. Antes as empresas não tinham incentivo a reduzir preços e ser mais eficientes. Hoje, é possível comprar uma passagem por R$ 69 para o Rio ou Curitiba. Mas quem quiser ir na segunda-feira às 8h, num horário supercorporativo, vai pagar mais caro, o que financia a passagem mais barata para Curitiba, o que faz sentido para muitos públicos.

A Olimpíada deveria ser um momento em que as empresas fossem capazes de cobrar um pouco mais.

Que reflexo a mudança do governo da Argentina traz para vocês?

Já foi anunciada uma mudança na liderança do nosso principal concorrente na Argentina e a nossa expectativa é que sejam aplicadas muito mais regras de mercado em relação à operação aérea nesse país.

Ainda é cedo para dizer, mas sofríamos alguns tipos de discriminação, como no Aeroparque, onde não tínhamos direito de operar em fingers [tubo que conecta o avião ao terminal de passageiros]. Sempre operávamos na remota, enquanto a nossa concorrente local tinha toda a operação em finger. Isso traz mais custo para a operação, mais desconforto para o passageiro.

Ainda não sabemos qual vai ser o caminho, mas acreditamos que pode ter um nivelamento da competição entre a operação local e a estatal. É uma expectativa ainda a ser confirmada.

Outro tema é a saída de capital da Argentina. Esperamos que a saída de capital seja amplamente liberada.

Uma desvalorização cambial também pode ter um impacto negativo na demanda. Hoje, para o argentino, com um câmbio como está é muito barato viajar para fora. Dependendo da velocidade da desvalorização cambial, pode ter um impacto na demanda por tráfego aéreo, mas ainda há sérios debates sobre como e quando. É cedo para especular.


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