Folha de S. Paulo


Doações avançam, mas filantropia ainda cresce em ritmo lento no Brasil

O mundo dos negócios parou para assistir ao bilionário fundador do Facebook Mark Zuckerberg, 31, anunciar, na semana passada, que doaria 99% de suas ações na companhia -o equivalente, hoje, a US$ 45 bilhões.

A decisão chamou a atenção pelo volume de recursos e pela pouca idade de Zuckerberg, mas é comum entre os ricos empresários americanos. Em 2014, o volume de recursos destinados à filantropia nos EUA bateu recorde.

A "Giving Pledge", iniciativa criada pelo megainvestidor Warren Buffett ao lado de Bill Gates, reúne 139 membros da elite econômica global comprometidos a doar ao menos metade de suas fortunas.

No Brasil, o engajamento na filantropia ainda é incipiente em relação aos EUA. O país ocupa a 105ª posição no ranking global de filantropia.

Mas o número de doações também está em ascensão. Segundo especialistas, contribuições familiares ou individuais vêm crescendo nos últimos anos. Uma das razões para isso é o aumento da riqueza e do total de milionários.

Além disso, a venda do controle de empresas engordou as fortunas familiares, disponibilizando mais recursos para causas nobres.

A Folha consultou três organizações -Gife (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) e ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos)- para compor o retrato da filantropia no país.

Entre os nomes citados, estão o de Guilherme Leal, da Natura, e seu Instituto Arapyaú, o Instituto Alana, administrado por Ana Lucia Villela (Itaú) e Marcos Nisti, e a fundação de Jorge Paulo Lemann.

Fundação Lemann/Bloomberg
Jorge Paulo Lemann (ao centro) posa com os professores Werner Baer (à esq.) e David Fleischer durante a inauguração do Instituto Lemann de Estudos Brasileiros na Universidade do Illinois, em Champaign (EUA)
Jorge Paulo Lemann (ao centro) posa com os professores Werner Baer (à esq.) e David Fleischer durante a inauguração do Instituto Lemann de Estudos Brasileiros na Universidade do Illinois, em Champaign (EUA)

Com eles, ganha importância no país um modelo de investimento filantrópico voltado para agendas de interesse público, com destaque para a educação, e não mais à forma pura de assistencialismo.

Mesmo com a participação da elite, os investimentos em ainda são baixos. Os associados do Gife, por exemplo, desembolsaram R$ 3 bilhões em 2014, diz o secretário-geral, Andre Degenszajn.

Os especialistas são unânimes em apontar as razões para a baixa adesão à filantropia: falta de cultura de doação e incentivos tributários.

"Nos EUA, a educação para a filantropia já começa na escola. Por aqui, há uma percepção de que o governo é responsável pela melhoria dos serviços e que não há responsabilidade dos cidadãos", diz Paula Fabiani, do Idis.

"A nossa expectativa é que cresça entre a nossa nova elite o conceito de 'giving back' [dar de volta, na tradução livre]", complementa João Paulo Vergueiro, da ABCR.

Além disso, o Brasil tem um imposto sobre heranças bastante baixo e, ao mesmo tempo, tributa doações, o que, segundo as organizações, desincentiva a filantropia no país. Nos EUA, há incentivos tributários para os investimentos sociais -e a alíquota do imposto sobre heranças chega a 40%.

FINS LUCRATIVOS

O formato que Zuckerberg pretende utilizar para fazer as doações foi recebido com ponderação nos EUA.

Ele escolheu abrir uma LLC (companhia de responsabilidade limitada, em inglês), em vez de uma organização sem fins lucrativos. Com isso, ganha fôlego, por poder reinvestir os lucros em causas filantrópicas, e status privado, o que lhes confere autonomia e regime tributário próprio.

Surgiram dúvidas quanto à transparência e supostos interesses em marketing por trás do anúncio. "Ele passou o dinheiro de um bolso para o outro", criticou o jornalista Jesse Eisinger, da ProPublica, no "The New York Times".

Não importa, rebate Keith Curtis, presidente da Giving USA. Se sua atitude servir para incentivar causas necessárias e inspirar outros a doarem, isso é o que importa.

No Brasil, a figura jurídica da LLC não existe. Mas já há investidores sociais pensando em novas formas de gerir seus recursos. O Alana fundou em 2012 o AlanaPar, uma empresa formada com recursos independentes que compra participações e ajuda na gestão de negócios sociais.

Constituída como companhia comum, ela não tem incentivos tributários e visa o lucro de seus negócios. Esses ganhos, no entanto, são direcionados para o fundo familiar que alimenta o instituto.

"Medimos primeiro o impacto social do negócio, depois a capacidade de gerar lucro", diz Marcos Nisti, presidente-executivo do Alana. No longo prazo, porém, se a empresa não der lucro, a sociedade termina. "Se o impacto for bom, ela pode ir para o instituto. Mas no AlanaPar, a lógica é de negócio."

ELITE
Pessoas mais ricas do mundo prometem doações bilionárias

MARK ZUCKERBERG, 31
O cofundador do Facebook divulgou que doará 99% de suas ações na companhia para a sua fundação. Na terça (1º), dia do anúncio, a participação de Zuckerberg e de sua mulher, Priscilla Chan, na empresa valia US$ 45 bi

BILL GATES, 60
A pessoa mais rica do mundo prometeu doar 95% de sua fortuna, estimada em US$ 79,7 bilhões segundo levantamento da revista "Forbes". De acordo com a publicação, US$ 30 bilhões
já foram doados

ELIE HORN, 71
O dono da Cyrela, a maior construtora e incorporadora do Brasil, decidiu doar 60% do seu patrimônio pessoal, estimado em US$ 1 bilhão (R$ 3,9 bilhões), para causas sociais

WARREN BUFFET, 85
O presidente da holding Berkshire Hathaway (que tem ativos como Burger King) prometeu doar 99% de sua fortuna, estimada em US$ 64 bilhões, segundo a "Forbes". A revista diz que US$ 25,6 bilhões já foram doados

MICHAEL BLOOMBERG, 73
O ex-prefeito de Nova York e criador do serviço de informações financeiras que leva seu nome conta com uma fortuna estimada em US$ 40,5 bilhões e já doou ao menos US$ 3,7 bilhões, segundo a "Forbes"

ELON MUSK, 44
O presidente da montadora Tesla é dono de uma fortuna de US$ 12,5 bilhões, de acordo com a "Forbes", e prometeu doar ao menos metade do seu patrimônio. Até agora, já doou pelo menos US$ 10 milhões


Endereço da página:

Links no texto: