Folha de S. Paulo


Economista aponta prejuízos causados por paraísos fiscais

A maior farmacêutica mundial surgiu nesta semana com a compra da fabricante do Botox pela dona do Viagra. A norte-americana Pfizer abocanhou a irlandesa Allergan, mas a sede da nova megaempresa vai ser na Irlanda para escapar dos impostos nos EUA.

Na Irlanda, as taxas ficam no máximo em 12,5%; nos Estados Unidos, vão a 35%. A manobra, empregada por gigantes como a Apple, é cada vez mais comum no mundo corporativo: usar paraísos fiscais para fugir do fisco e engordar lucros.

Todo o ano, empresas norte-americanas deixam de pagar US$ 130 bilhões de impostos. Nesses paraísos estão registrados 55% dos lucros no exterior dessas companhias. Os mais ricos são os que mais se beneficiam dessa estratégia, essencial para aumentar a concentração de renda.

Quem faz as contas e a análise é o economista francês Gabriel Zucman, 29, no enxuto e contundente "The Hidden Wealth of Nations, the Scourge of Tax Havens" [a riqueza escondida das nações, a praga dos paraísos fiscais].

O livro do professor assistente da Universidade da Califórnia, em Berkeley, é categórico: os paraísos fiscais estão no coração das crises financeiras, orçamentárias e democráticas dos tempos atuais. No prefácio, Thomas Piketty, o francês que trouxe o tema da desigualdade para o debate político com seu best seller "O Capital no Século 21", dispara:

"Os paraísos fiscais, com sua opacidade financeira, são uma das forças-chave por trás da crescente desigualdade de riqueza, assim como uma das principais ameaças para nossas sociedades democráticas".

Dave Hunt-8.nov.14/Efe
Vestidos de contadores e simulando uma praia em paraíso fiscal, manifestantes protestam contra o G20 em Brisbane (Austrália)
Vestidos de contadores e simulando uma praia em paraíso fiscal, manifestantes protestam contra o G20 em Brisbane (Austrália)

Nas contas de Zucman, 8% da riqueza financeira global estão em paraísos fiscais. Até meados deste ano, estrangeiros acumulavam na Suíça US$ 2,3 trilhões, o maior volume da história. Desde abril de 2009, quando os países do G20 decretaram o fim da era de segredo bancário, o montante cresceu 18%.

De forma global, a crise desencadeada em 2008 só ampliou o volume drenado para os paraísos. Na estimativa do economista, o avanço foi de 25%. Ao mesmo tempo, diz ele, há evidências de que o número de clientes caiu. Ou seja, a média de riqueza por cliente explodiu, em mais um movimento de concentração.

O livro faz um breve histórico dos paraísos fiscais. Lembra que o dinheiro começou a migrar para a Suíça no entreguerras, quando os países europeus precisaram aumentar impostos para a sua reconstrução. As taxas chegaram até 72%.

Alguns alegam que os suíços desempenharam um papel humanitário ao acolher os bens de perseguidos por Hitler. Zucman destrói essa versão. Afirma que apenas 1,5% dos depósitos da época foi vinculado a vítimas do Holocausto.

Aponta que a migração para os cofres suíços ocorreu antes, quando, nos anos 1920, a França aumentou impostos –os franceses foram os que mais buscaram refúgio na Suíça. Entre 1920 e 1938, a riqueza vinda do exterior administrada nos bancos do país deu um salto de mais de dez vezes em termos reais.

Ainda hoje, mais da metade do dinheiro gerido pelos suíços vem de residentes da Comunidade Europeia. Fato que derruba as alegações de que a banca suíça existe em prol de cidadãos provenientes de países ditatoriais ou instáveis, destaca o economista.

Zucman vai além das constatações. Apresenta um duro plano de ataque aos paraísos fiscais. Defende a criação de um registro mundial sobre a propriedade de papéis financeiros. Essa lista (com nomes, endereços e detalhamento sobre a posse de ações e títulos financeiros) seria um passo para a criação de uma taxa global sobre o capital –ideia já levantada por Piketty.

Depois, sugere que os paraísos fiscais sofram sanções proporcionais aos danos que causam nos países vítimas da sonegação. Num exercício, estima que a Alemanha, a França e a Itália teriam o direito de impor uma tarifa de 30% para os produtos importados da Suíça –uma forma de compensar os 15 bilhões de euros que esses países perdem com evasão fiscal com a cobertura suíça.

Também as multinacionais precisariam ser mais taxadas, com a desmontagem de suas mirabolantes estratégias de fuga de impostos. Um plano que exigiria uma enorme coordenação política, com enfrentamento de fortes poderes econômicos. Alguns podem classificá-lo como utópico

Mas, para Zucman, "as nações podem recuperar a soberania que lhes foi roubada e agir contra o crescimento da desigualdade se quiserem".

O livro, longe de ser exaustivo, não explora muito esse vital componente político de suas propostas. É o ponto fraco do trabalho, que tem uma abordagem didática e clara.

Políticos nos EUA protestaram quando a megafarmacêutica com sede na Irlanda foi anunciada. A ver se as palavras de ataque à evasão fiscal se transformarão em atos -como pede o francês.

THe hidden wealth of nations
*AUTOR Gabriel Zucman
EDITORA University of Chicago
QUANTO US$ 10,30 (200 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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