Folha de S. Paulo


Mercado tenta viabilizar obras apesar de recessão e operação Lava Jato

Reprodução/TV Folha
Obra de viaduto na serra do Cafezal, na BR-116
Obra de viaduto na serra do Cafezal, na BR-116

Financiar infraestrutura, que demanda prazos longos e gestão complexa de risco, sempre foi difícil no Brasil sem o dinheiro subsidiado do BNDES. Neste ano, a situação se agravou com a crise econômica e a operação Lava Jato, que investiga as principais construtoras do país.

Os poucos projetos que saíram do papel tiveram de remunerar os investidores com juros altíssimos, na casa de 7% mais IPCA. Mesmo assim, 21 obras captaram R$ 3,96 bilhões com a venda de títulos de dívida conhecidos como debêntures incentivadas, que têm incentivo fiscal.

No ano passado, foram R$ 4,050 bilhões em 19 projetos.

Para incentivar a participação do mercado de capitais nos financiamentos, o BNDES resolveu "premiar" com mais recursos subsidiados os projetos que também forem bancados por meio da emissão de debêntures. No caso das rodovias, a parcela subsidiada sobe de 35% para 45%.

Segundo Ernani Torres, especialista em crédito de longo prazo da UFRJ, a ideia levou, na prática, o BNDES a dar mais dinheiro subsidiado aos projetos cujas debêntures ficaram nas mãos de poucos bancos, que coordenaram as operações, e não foram pulverizados no mercado. "Ajudou os bancos e não incentivou o mercado de capitais. O banco poderia ter feito um empréstimo, mas preferiu emitir a debênture porque tinha isenção de IOF."

Laura Mattos, responsável pela área de renda fixa (dívida) do BNDES, rebate afirmando que as empresas optam pela captação com menor custo possível. Ela lembra que a venda pulverizada eleva a burocracia e os custos sem reduzir as taxas.

Para Fernando Faria, sócio da KPMG da área de infraestrutura, o Brasil ainda está longe de viabilizar as obras captando 30% dos recursos necessários no mercado, como ocorre em outros países. Para ele, o governo deveria rever a tributação para tornar o investimento mais rentável em relação aos títulos do governo, que têm menos risco.

Carolina Lacerda, da Ambima (associação das entidades do mercado), defende que, além da tributação, o governo reveja o escopo do financiamento com as debêntures incentivados, permitindo inclusive o pagamentos das outorgas dos leilões.

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FINANCIAMENTO DE INFRAESTRUTURA
Entenda a engenharia financeira usada para bancar obras com maturação em longo prazo

Ciclo de investimento
Viabilizar a construção de rodovias, aeroportos, portos, entre outros, a partir das receitas que terão até daqui 20 anos, após ficarem prontos e entrar em operação

>> Dificuldades

Recursos elevados
Investimentos são vultosos pois envolvem projetos exclusivos, equipamentos especiais, matéria-prima e mão de obra especializada

Prazos longos
As obras demoram para ser executadas e costumam ter atraso até entrar em operação

Risco elevado
Durante a obra, há riscos diversos -ambientais, trabalhistas, financeiro, de engenharia etc.- de difícil mensuração

Opções de investimento
Poucos projetos de infraestrutura obtém um retorno alto o suficiente para compensar os riscos assumidos em relação aos títulos da dívida do governo

>> Benefícios

Baixo risco operacional
Após a conclusão da obra, os gastos com infraestrutura são baixos e estáveis

Receitas previsíveis
Setor tem receitas previsíveis e é considerado defensivo em momentos de retração econômica

Eficiência e produtividade
Boa infraestrutura viabiliza aumento na eficiência, reduz custos e permite ganho de escala

>> Instrumentos de financiamento

Project finance
Engenharia financeira desenvolvida para a obra ser paga com as receitas que terá quando entrar em operação. Ex. Eurotúnel, que liga o Reino Unido à França e Bélgica

Renda variável (Bolsa)
Projetos de altíssimo risco que concorrem com empresas já estabelecidas; além do desafio de execução, a futura empresa terá de enfrentar a concorrência. Ex. empresas de Eike Batista do antigo grupo X

Renda fixa (dívida)
Projetos de alta viabilidade, com ganhos estáveis, mas alto risco de execução. Modalidades: debêntures comuns (dívida de longo prazo); debêntures incentivadas (dívida de longo prazo com incentivo fiscal); bônus no exterior (dívida em moeda estrangeira)

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MURO DE PAPEL
Grupo de juristas e especialistas em licitações propõe as bases para nova legislação

>>COMO FUNCIONA HOJE

Concessões

> A Presidência é responsável por projetos federais; Estados e municípios têm autonomia para tocar as próprias concessões

> O governo faz uma chamada para receber projetos de empresas. Estes são analisados e, a partir do melhor modelo, é elaborado o edital de concorrência

> Não há integração nos processos de licenciamento de diferentes orgãos e há exigências que se sobrepõem

Agências

> Diretores são indicados pela Presidência e aprovados pelo Senado

> Cada agência tem seu regulamento próprio

>>PROPOSTAS

Concessões

> Criação de um conselho que selecionará os projetos (federais, estaduais ou municipais) de relevância nacional que terão um regime especial de modelagem e execução

> Criação da estatal Estruturadora Pública para modelar os projetos de relevância nacional

> Para agilizar os licenciamentos, será formado um consórcio com representantes dos diferentes órgãos liberatórios

Agências

> Criação de um comitê para selecionar os diretores das agências formado por técnicos independentes

> Padronização de procedimentos comuns às agências


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