Folha de S. Paulo


Economista defende que Brasil deve conhecer mais sobre tema ambiental

Karime Xavier/Folhapress
O presidente do Insper, Marcos Lisboa
O presidente do Insper, Marcos Lisboa

O economista Marcos Lisboa, diretor presidente do Insper, admite abertamente que não acompanha a negociação internacional sobre a mudança do clima, por exemplo. Mas isso não quer dizer que o assunto não tenha importância para ele.

"É preciso trazer para o debate as evidências que há", afirma. "Por que acadêmicos discordam tanto sobre o tamanho do impacto?"

Lisboa considera que o despertar tardio dos economistas brasileiros para a questão ambiental foi um efeito colateral do que chama de "fetiche com a macroeconomia" –só câmbio e taxa de juros importavam. Em segundo plano ficaram temas de microeconomia corriqueiros fora do país, como ambiente de negócios, educação, saneamento, ambiente.

Por essa razão o Insper acolheu o recém-criado Instituto Escolhas. "Conhecer os dados e arrumar as informações são o primeiro passo para que a gente possa enfrentar escolhas difíceis."

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Folha - Qual é a relação do Insper com o Instituto Escolhas?

Marcos Lisboa - O Escolhas são pessoas que fazem um trabalho muito bacana no campo do ambiente. Abrimos alguns grupos de pesquisa, e a regra do jogo é esta: vamos tentar trazer dados, boa modelagem, para o debate, com pessoas das mais diversas tradições, sobre temas relevantes da economia e do ambiente, procurando introduzir todo o cuidado com a base de dados, a metodologia e a estatística. Com base nisso, fazer o debate sobre as escolhas, os dilemas de políticas públicas, que são inevitáveis.

O papel da economia não é propor uma escolha, é dar os fundamentos e as evidências para os "trade-offs" [relações custo/benefício], os dilemas existentes.

Nos EUA, nomes do establishment como Robert Rubin, Hank Paulson, Michael Bloomberg e George Shultz se uniram na iniciativa Risky Business para alertar sobre a ameaça da mudança do clima. No Reino Unido, já em 2006 um economista como Nicholas Stern liderou um estudo sobre impactos e custos do aquecimento global. No Brasil, porém, ainda é comum a noção de que combater a mudança climática atrapalha o desenvolvimento. Por quê?

Agora está menos pior que no passado. O Brasil está muito distante dos debates de economia que ocorrem nos principais centros.

Um traço negativo, aqui, é sempre a tentativa de polarização. Você é liberal ou você é desenvolvimentista, contra o mercado ou contra o Estado. Tem sempre alguém culpado, e a solução é sempre ótima, fácil, os interesses é que proíbem.

Esse debate simplista acaba impedindo o conhecimento e o aprofundamento cuidadoso dos difíceis dilemas que existem nas instituições.

Fazemos escolhas meio abruptas: agora abre inteiramente a economia, fecha a economia; dá crédito subsidiado, não tem mais crédito subsidiado. É um pouco da América Latina: um discurso em geral simplista, pouco baseado em dados, que não procura entender o fenômeno.

O tema do ambiente é extremamente importante. A polarização do tipo "cuidar do ambiente impede o desenvolvimento", ou "cuidar do ambiente independentemente do desenvolvimento", é igualmente equivocada.

Qual é o impacto ambiental ou o custo que a sociedade está disposta a aceitar? Será que não há soluções que permitam mais desenvolvimento sem danos ambientais?

As escolhas não são a partir do princípio geral, mas sempre do caso particular.

Alguns economistas brasileiros, como Bernard Appy, Eduardo Giannetti, André Lara Resende e até Delfim Netto, têm mostrado mais abertura para questões ambientais. O que deu início a essa abertura?

A economia do Brasil sempre ficou no fetiche da macroeconomia. Câmbio e juros, os grandes temas que mobilizavam corações e mentes. Acabou-se por relegar uma vasta área da economia que lida com os problemas do dia a dia.

Equivocadamente apostou-se em que temas como câmbio e juros seriam os determinantes da economia brasileira. Não se cuidou da microeconomia, do ambiente de negócios, da estrutura tributária, das regras para o crédito e da relação da economia com o ambiente.

Há muita coisa por fazer no Brasil em matéria de gestão. A questão do ambiente ficou polarizada num confronto do contra e do a favor, que não é produtivo. Na minha geração, e um pouco depois, os temas da micro voltaram a atrair interesse: ambiente, educação, saneamento. Isso que é o normal do estudo da economia fora do Brasil, agora, começa a entrar.

Na sua opinião, quão séria é a ameaça climática para a economia mundial?

Esse é o tipo do tema que ainda está bastante polêmico. É preciso trazer para o debate as evidências que há. Por que acadêmicos discordam tanto sobre o tamanho do impacto? Parte do nosso trabalho aqui é exatamente tentar entender qual é a dimensão do problema.

A controversa autora Naomi Klein considera que o aquecimento global ameaça a própria sobrevivência do capitalismo. O sr. deve ser mais otimista, não?

Esse é o tipo da polarização que busca a vilanização. Há o bem e o mal, e a saída fácil para o problema difícil.

A Europa medieval dizimou seus ecossistemas. E o mundo moderno viu, em vários países europeus, o resgate de rios. O mundo lida hoje muito melhor com a questão da água. Existem experiências incríveis com o reúso de água em Cingapura, em Israel, no Peru, aqui do lado. Temos uma consciência muito maior dos problemas hoje.

A polarização não ajuda. Se você faz projeções pavorosas e elas não se confirmam, desmoraliza o argumento.

Há hoje pesquisadores incríveis lidando com esses problemas, como o Juliano Assunção, da PUC do Rio. Trabalhos profundos, cuidadosos, publicados nas melhores revistas. Sai um mundo ali que não é nem um extremo nem o outro. É preciso entender quais são os grandes dilemas, os grandes desafios, como resolver os problemas concretos.

Nós temos um problema sério de mediação de conflitos no Brasil, não conseguimos ter uma governança organizada, para que as diversas partes envolvidas possam se coordenar e garantir que uma solução ponderada possa ser obtida.

Pega o caso da água em São Paulo. De quem é a água? De quem é o saneamento? Não é um problema tecnicamente difícil de resolver. É caro, é demorado, e no Brasil nós descuidamos imensamente da infraestrutura.

São Paulo não deveria ter um problema de água. Olha o tamanho dos rios que a gente tem. São Paulo é uma cidade coberta de rios, agora rios enterrados. Em pleno século 21 jogamos os esgotos nos rios. Há diversas agências, e cada uma cuida de um pedaço da água.

Aqui a governança leva à paralisia, os projetos não andam.

Com o governo e o Congresso que temos, acredita que o tema vai decolar no Brasil, como deveria, nos próximos três anos?

Deveria começar com a sociedade civil discutindo os processos institucionais.

O desenho das instituições importa. Precisamos ter uma estrutura para mediar esses conflitos. Se não fica essa guerrilha, um quer tocar a obra, outro quer parar a obra. Ou a obra fica parada, ou é tocada de maneira inadequada. Quem perde é a sociedade e é o ambiente.

Por fim: tendo em vista o objetivo de médio e longo prazo de descarbonizar a economia, o que o Brasil deve fazer com o pré-sal?

[Risos] De novo: as grandes teses e as grandes respostas em geral podem ser boas para a retórica política, mas elas não enfrentam os problemas.

Por isso o projeto do Instituto Escolhas é tão bacana, porque olha para o caso concreto: como é que se faz a transição, com que tecnologia? Os dilemas e as soluções devem ser enfrentados nos casos particulares.

Certamente, no caso do Brasil, poderíamos estar muito melhor do que estamos, na desorganização do processo. Todos os lados acabam saindo insatisfeitos. Projetos mais longos, mais caros e com maior impacto do que deveriam. Belo Monte é um exemplo, e há tantos exemplos.

Vamos aprender como outros países resolvem os conflitos. Não vai ter saída fácil. As soluções serão parciais, de conciliação, ponderando custos e benefícios.

Conhecer os dados e arrumar as informações são o primeiro passo para que a gente possa enfrentar escolhas difíceis.

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RAIO -X
MARCOS LISBOA

Formação
doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia

Cargo
Diretor presidente do Insper

Carreira
secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005), diretor-executivo (2006-2009) e vice-presidente (2009-2013) do Itaú-Unibanco, presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (2005-2006)


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