Folha de S. Paulo


'Imposto verde' quer unir ação ambiental e competitividade

Edilson Dantas/Folhapress
Poluição emitida por indústria em Mauá, em São Paulo
Poluição emitida por indústria em Mauá, na Grande SP

Nem todos os economistas do Brasil têm olhos só para a crise do governo Dilma Rousseff. Alguns se preocupam também com a mudança do clima, tema da Conferência de Paris que começa segunda-feira (30), e perguntam: o que aconteceria se o país adotasse um imposto sobre o carbono?

A resposta se acha no primeiro estudo produzido pelo Instituto Escolhas, "Taxação sobre Carbono e Correção de Distorções Tributárias: Impactos Econômicos, Sociais, Ambientais no Contexto Brasileiro", com lançamento terça-feira (24).

O estudo contou com a supervisão do economista Bernard Appy. Membro do conselho científico do instituto, o ex-secretário-executivo e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula (2003-2009) foi quem propôs o tema inaugural.

Nações tão díspares como Reino Unido, África do Sul, México e Japão estão adotando a via tributária para pôr um preço nas emissões de carbono (principalmente CO2, o mais comum dos gases do efeito estufa). O objetivo é desestimular a queima de combustíveis fósseis nos setores de energia e transportes, maiores fontes de poluição climática no mundo.

Qual o impacto do tributo por tonelada emitida de CO2? - Emissões (em milhões de toneladas de CO2)

Se fosse apenas mais um imposto, a taxação do carbono -na média do que se pratica no exterior, US$ 10 por tonelada emitida de CO2 (dióxido de carbono)- tiraria quase 0,2 ponto percentual do crescimento do PIB brasileiro. Se a alíquota do novo imposto fosse de US$ 50 por tonelada de CO2, a queda seria de quase um ponto percentual do PIB. Como ele já cai sozinho para trás, seria mais um tiro no pé.

Haveria também impacto sobre um universo de 99.560 postos de trabalho: queda de 0,2 ponto percentual no caso da primeira alíquota e de um ponto, no da segunda. Por outro lado, as emissões caem apenas 1,2 milhão e 6 milhões de toneladas anuais, respectivamente.

"É importante ressaltar que os efeitos aqui analisados são de curto prazo", diz o estudo, "referindo-se apenas à redução na demanda por produtos intensivos em combustíveis fósseis e não considerando mudanças tecnológicas e/ou mudança de combustíveis, como, por exemplo, de gasolina para etanol, cujo impacto tende a ser muito mais relevante."

Só que a premissa do estudo nunca foi a de aumentar a arrecadação, e sim investigar o efeito de uma única cajadada para matar dois coelhos: introduzir um imposto moderno, já adotado em duas dezenas de países, para compensar a queda de receita que resultaria da melhora da qualidade de um tributo cheio de distorções como o PIS-Cofins.

"Os impactos de tal imposto [sobre carbono emitido com combustíveis fósseis] sobre a competitividade das empresas são os mais diversos", diz o sumário executivo do trabalho. "Idealmente, espera-se um efeito positivo sobre o mercado, pois a taxação induz empresas a adotar práticas inovadoras, limpas e mais eficientes, tendendo a excluir a parcela das empresas ineficientes e relativamente mais poluidoras."

VALOR AGREGADO

O primeiro defeito da PIS-Cofins dupla está na complicação. Há dois regimes em vigor, dependendo do tipo de empresa. O regime cumulativo tem alíquota de 3,65% sobre o faturamento, e as empresas não se apropriam de qualquer crédito, mas têm a competitividade de seus produtos prejudicada.

No regime não cumulativo, a alíquota é de 9,25%, e as firmas têm direito a crédito sobre os insumos adquiridos. Mas, para a Receita Federal, só geram créditos os insumos fisicamente incorporados ao produto. Na prática, abre-se um enorme contencioso entre empresas e fisco sobre o que deve ser considerado insumo, ou não.

Por conta dos vários defeitos do PIS-Cofins, o imposto se acumula ao longo da cadeia produtiva ­-o tributo pago numa etapa não é recuperado como crédito na etapa seguinte. A consequência é a perda de competitividade da produção nacional e uma organização ineficiente da estrutura produtiva do país.

Além disso, a legislação é cheia de regimes especiais, que tornam esse tributo muito complexo. As normas do PIS-Cofins, diz Appy, somam mais de 1.800 páginas. "É um inferno."

Na hipótese simulada pelo estudo do Escolhas, a simplificação tornaria esse tributo mais parecido com um imposto sobre valor agregado (IVA), não cumulativo. A alíquota seria de 6,6%, uniforme para todos os bens e serviços.

O cálculo do efeito da redução da cumulatividade apontou que a arrecadação do PIS-Cofins perderia R$ 37,4 bilhões, de um total de R$ 208 bilhões (a preços de 2011). O estudo utilizou uma matriz insumo-produto da economia brasileira, com dados do Sistema de Contas Nacionais e do Balanço Energético Nacional, ambos de 2011.

No cenário esmiuçado pelo estudo, o imposto sobre carbono entraria com a missão de compensar essa quebra de receita. Em outras palavras, nasceria um imposto neutro em termos de arrecadação, mas para isso a alíquota teria de ser de US$ 36 por tonelada de CO2.

Qual o impacto do tributo por tonelada emitida de CO‚? - (em pontos percentuais)

De acordo com as projeções do Instituto Escolhas, a compensação não resultaria num jogo de soma zero, mas em saldo positivo. Não só não haveria ameaça ao equilíbrio fiscal como o aperfeiçoamento do PIS-Cofins favoreceria os preços relativos de vários produtos que o Brasil exporta, com aumento da competitividade externa e discreto incremento no PIB (0,47 ponto percentual).

"Se a introdução do imposto sobre emissões for acompanhada de medidas compensatórias de desoneração das exportações e oneração das importações, o impacto sobre a competitividade será positivo para todos os setores", afirma o sumário executivo.

"Não estamos defendendo que se faça isso", apressa-se em esclarecer Appy. "Nosso objetivo é trazer os números para a discussão. Não sei nem se um imposto é o melhor [meio de precificar o carbono] para o Brasil."

PELO TETO

A alternativa, também adotada em vários países, são sistemas de comércio de emissões (ETS, na sigla em inglês). O dispositivo também ficou conhecido como "cap-and-trade" (teto e comércio de emissões).

Neste caso, um governo de início fixa a quantidade máxima de CO2 que um ou mais setores da economia poderão emitir em determinado período. Essa quantia-teto é então repartida em permissões distribuídas entre as empresas, que podem ainda comprá-las e vendê-las.

A filosofia do "cap-and-trade" é criar um incentivo para que firmas se esforcem por reduzir suas emissões abaixo da cota recebida, pois a que tiver sucesso nisso poderá obter receita financeira com a venda dos créditos que sobrarem. Empresas com maior dificuldade de se descarbonizar seriam os compradores.

A vantagem desse sistema é que se conhece de antemão, de forma precisa, quanto será emitido por várias empresas de um ou mais setores. Já o imposto se mostra mais promissor quando o objetivo de um governo é diminuir as emissões de um setor oligopolizado, como o de energia no caso da África do Sul, em que o reduzido número de companhias não sustentaria um mercado eficiente.

Qual o impacto do tributo por tonelada emitida de CO‚? - Arrecadação (em R$ bi)

SOB MEDIDA

"Não existe sistema mais fácil ou mais adequado", afirma Alexandre Kossoy, economista brasileiro da Unidade de Finanças de Carbono no Banco Mundial. "Há situações diferentes em cada jurisdição [países ou governos regionais]."

Por essa razão Kossoy não vê preferência por esse ou aquele sistema no Brasil. "É muito difícil fazer algum tipo de hipótese." Ele chama a atenção para o fato de que as emissões nacionais se concentrarem em setores (desmatamento e agropecuária) que não são os tradicionalmente visados (energia e transportes) por esquemas de precificação de carbono em outros países.

Para cumprir a meta de reduzir 43% das emissões até 2030, portanto, o Brasil precisará de algo mais que um imposto sobre combustíveis fósseis.

Mas, tendo em vista que a geração de eletricidade se faz cada vez mais com eles e que a política de preços da Petrobras prejudicou o mercado de etanol, um tributo sobre carbono alvejaria justamente os setores mais poluidores. E, com isso, surgiria um incentivo para adotar mais fontes renováveis de energia (eólica, solar e biomassa/biocombustíveis).

O Ministério da Fazenda, em parceria com o Banco Mundial, já conduz estudos sobre opções e impactos da precificação das emissões de gases do efeito estufa no Brasil. A meta é produzir conclusões e recomendações até o fim de 2017.


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