Folha de S. Paulo


Modelos de redução de emissões de carbono geram disputa entre países

Edilson Dantas/Folhapress
Poluição emitida por indústria em Mauá, em São Paulo
Poluição emitida por indústria em Mauá, na Grande SP

Quando cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) apresentaram seu primeiro estudo a respeito do impacto da atividade humana sobre a atmosfera, em 1990, os gases de efeito estufa foram apontados como grandes vilões do aquecimento global.

E foi dada a largada para o debate sobre o controle de emissões de carbono –seja pelo setor produtivo, seja por indivíduos– cujo modelo está longe de um consenso.

Quem deve pagar a conta? Países desenvolvidos, cuja riqueza foi em boa parte construída a partir da queima de combustíveis fósseis, portanto, emissores de dióxido de carbono (CO)? Ou países em desenvolvimento, que ainda poderiam se beneficiar dessas fontes poluentes de energia?

O dilema entrou nas discussões do Protocolo de Kyoto (tratado das Nações Unidas para conter as mudanças do clima, de 1997), que criou um mecanismo no qual países ricos poderiam comprar "créditos" de carbono dos países que usavam fontes menos poluentes.

A assinatura e ratificação do Protocolo de Kyoto foi tão controversa e lenta que ele só entrou em vigor em 2005.

"Hoje, a questão é o valor do carbono. Como a produção é difusa, é difícil controlar e valorar sua emissão", diz Felipe Botini, sócio-fundador da consultoria em sustentabilidade Green Domus.

Países carbono

O USO DE TRIBUTOS

De Kyoto para cá, no entanto, floresceram arranjos nacionais e subnacionais de contenção de emissões, que se valem de dois instrumentos: a tarifação e a criação de um mercado de carbono.

O primeiro instrumento impõe um tributo por unidade de carbono emitida (geralmente, por tonelada de CO) que funciona como incentivo para que empresas reduzam a poluição que provocam.

"O tributo determina o preço do carbono, e o desafio é acertar o preço que leve à redução desejada pela política de clima", afirma Guarany Osório, coordenador de Política e Economia Ambiental da GVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas).

Se a tarifa for muito baixa, pode-se optar por incluir seu valor nos custos de produção e continuar a poluir. Se for muito alta, os custos podem aumentar significativamente, comprometendo lucro, emprego e consumo.

"Muitos países resistem à ideia de taxas, especialmente aqueles que dependem demais da queima de recursos fósseis, como a Índia", relata José Eli da Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.

O USO DO MERCADO

O segundo instrumento, chamado tecnicamente de sistema "cap-and-trade" (teto e comércio, em inglês) ou de ETS (sistema de comércio de emissões, na sigla em inglês), estabelece um nível máximo de emissões permitidas para certo período e distribui cotas entre empresas.

Essas cotas de emissão de carbono podem ser inicialmente distribuídas ou leiloadas pelo governo e são posteriormente comercializadas entre emissores. Cada tonelada de CO emitida por uma empresa precisa ter uma cota como lastro.

Como alguns setores têm mais facilidade em renovar seus processos para reduzir a emissão de poluentes que outros, e como o número de cotas é limitado pela meta de emissões previamente estabelecida, o preço das cotas flutua de acordo com a lei da oferta e da procura.

A União Europeia criou o primeiro mercado de emissão de carbono do mundo (ETS EU) e, com a recessão pós-crise financeira de 2008, o preço da tonelada despencou.

QUAL É O MELHOR?

Apesar de terem o mesmo objetivo, a tarifa e o mercado são instrumentos diferentes. Enquanto a tarifa controla o preço, mas não a quantidade total de emissões, o mercado controla este limite, mas não o preço do carbono.

Há economistas que recomendem modelos híbridos, em que cada instrumento é aplicado em um setor diferente, ou ainda o estabelecimento de um teto de emissões ao mesmo tempo em que o preço do carbono é ajustado para se manter dentro de uma margem aceitável.

"Não existe receita com instrumento único que resolva todos os problemas. É necessário um conjunto de instrumentos para se criar uma política ambiental", destaca Osório.

Um problema de base, no entanto, permanece em qualquer cenário futuro, como aponta Eli da Veiga: "Todo mundo quer que o vizinho tome uma medida contra emissões porque ele mesmo não quer perder competitividade".


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