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Em era de enxugamento, Pfizer tenta ganhar corpo em fusão com Allergan

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Quando a Pfizer anunciou megafusão anterior, a tomada de controle da Wyeth por US$ 68 bilhões em 2009, Jeffrey Kindler, então presidente-executivo do grupo, definiu a transação como "uma poderosa oportunidade de transformar o setor".

Menos de um ano depois, Kindler foi deposto, substituído por Ian Read, um contador escocês encarregado de cortar o inchaço da Pfizer e instruído a evitar as imensas aquisições buscadas por seus predecessores, que haviam conseguido pouco mais que destruir o patrimônio dos acionistas.

Agora, é Read que está buscando sua transação transformadora: a aquisição da Allergan, sediada em Dublin, por US$ 160 bilhões, no que seria a maior tomada de controle acionário no setor de saúde mundial até hoje.

As maquinações de Read são mais prosaicas que as de Kindler: o negócio é movido por seu desejo de reduzir os custos tributários ao transferir seu domicílio tributário para fora dos Estados Unidos, onde a empresa está sediada há mais de 165 anos, para a Irlanda, a sede da Allergan, um país onde a carga tributária é muito mais baixa.

A Pfizer evitaria tributos norte-americanos sobre os US$ 128 bilhões em lucros que tem no exterior, ao concluir a transação, e se não fosse essa imensa economia, é provável que buscasse outras aquisições, de acordo com analistas e investidores.

"Acreditamos que uma inversão seja uma necessidade para que a Pfizer maximize seu valor... já que a vasta maioria de seus lucros é gerada fora dos Estados Unidos", diz Jeffrey Holford, analista da Jefferies.

No entanto, a Pfizer está ganhando corpo em um momento no qual a maioria dos executivos do setor está pregando o mantra do enxugamento, argumentando que a singularidade de foco ajudará os fabricantes de medicamentos a se tornarem mais competitivos.

Ambas as companhias vêm seguindo essa teoria, até o momento: faz menos de seis meses que a Allergan fechou acordo para vender sua divisão de remédios genéricos para a Teva por US$ 41 bilhões, e pouco mais de dois anos desde que a Pfizer promoveu a cisão da Zoetis, sua divisão de saúde animal.

As duas também buscaram aquisições de grande valor, mas elas tinham por objetivo aguçar o foco dos dois grupos.

A aquisição da Hospira pela Pfizer, por US$ 17 bilhões, fez dela uma das maiores fabricantes de medicamentos estéreis injetáveis, enquanto sua parceria com a Merck, da Alemanha, permitiu que a companhia ganhasse terreno na corrida por desenvolver uma nova geração de medicamentos para o câncer.

Enquanto isso, a tomada de controle da Allergan pela Actavis por US$ 70 bilhões no começo do ano concluiu a transformação da empresa, de fabricante de medicamentos copiados, com baixa margem de lucros, em líder no lucrativo segmento de medicamentos "especializados". O grupo adotou o nome Allergan pouco depois de concluir a transação.

Mas a criação da "Pfizergan" vai gerar coisa muito diferente: um gigante do setor farmacêutico com receita de US$ 65 bilhões e mais de 60 remédios em sua linha de produção —o tipo de grande grupo farmacêutico que está muito fora de moda.

É por essa razão que a maioria dos analistas e investidores antecipa que a tomada de controle da Allergan acelere a divisão da Pfizer em duas unidades, uma com foco em remédios de marca e a outra administrando os remédios mais velhos que enfrentam concorrência das alternativas genéricas.

"Antecipamos que a Pfizer venha a promover uma cisão ou a anunciar uma oferta pública inicial de seus produtos estabelecidos logo depois da conclusão da transação, provavelmente no final de 2016", diz Andrew Baum, analista do Citi.

Como é frequente acontecer nas megatransações, um dos potenciais percalços é um confronto de culturas.

Brent Saunders, presidente-executivo da Allergan, vem desdenhando a capacidade das grandes companhias farmacêuticas para desenvolver medicamentos novos e revolucionários, argumentando que seu foco deveria ser desenvolver e comercializar remédios e deixar a pesquisa inicial para grupos mais enxutos de biotecnologia, que têm histórico muito melhor nesse aspecto do mercado nos últimos anos.

Ele deve se tornar o segundo em comando de Read, o que o coloca em posição privilegiada para liderar uma das duas companhias formadas depois de qualquer cisão.

Ainda que Saunders tenha tentado abrandar sua posição quanto a pesquisa e desenvolvimento nas últimas semanas, muitos cientistas da Pfizer temem que a companhia combinada vá parar de tentar descobrir novos remédios, o que colocaria seus empregos em risco.

Já a Pfizer investe somas consideráveis em pesquisas iniciais que conduziram a avanços significativos, como o Ibrance, um novo tratamento para câncer de mama que os analistas esperam venha a propiciar vendas imensas.

"Vemos um potencial deslocamento dos esforços de pesquisa e desenvolvimento da Pfizer no período de integração", diz Baum. "Os cientistas da Pfizer sem dúvida estarão cientes do histórico de falta de convicção de Saunders quanto ao financiamento de pesquisas por grandes companhias farmacêuticas".

Muitos desses cientistas podem mudar de time e trabalhar para concorrentes, sugere Baum, em lugar de esperar para ver o que acontece se, ou quando, a Pfizer se dividir em duas empresas, uma decisão que pode ser o ponto de partida para anos de novas desordens.

Mesmo depois de separar e abandonar seus remédios mais antigos, a divisão de remédios de marca da "Pfizergan" seria uma companhia muito diversificada, combatendo grande número de rivais em diversas frentes.

O grupo controlaria remédios de grande sucesso de vendas em áreas terapêuticas dispares, do Botox, tratamento da Allergan para rugas, a remédios que combatem doenças sérias como o câncer, Mal de Alzheimer e distúrbios inflamatórios como a artrite.

É por isso que os analistas esperam que o grupo realize novas aquisições para reforçar sua posição quanto a medicamentos nos quais tem vantagem competitiva, e vender os remédios nos quais esteja relegada à categoria "só mais uma".

A Pfizer está contrariando a lógica e primeiro crescendo para depois poder emagrecer, e em seguida voltar a engordar: a criação da "Pfizergan" e qualquer subsequente dissolução provavelmente vai manter os bancos que atendem ao setor de saúde por ainda muitos anos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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