Folha de S. Paulo


Se nada mudar, sairemos do mercado, diz executivo de empresa da Lava Jato

Diego Padgurschi/Folhapress
Presidente da Camargo Correa, Vitor Hallack, na sede da empresa, em São Paulo
Presidente da Camargo Corrêa, Vitor Hallack, na sede da empresa, em São Paulo

Depois de acordos de leniência que vão custar R$ 804 milhões em indenizações e da malhação em praça pública, a Camargo Corrêa diz ter fechado o cerco, internamente, para não mais compactuar com esquemas de corrupção como os investigados pela Operação Lava Jato.

"Posso te assegurar", disse à Folha o presidente do conselho de administração e principal executivo do grupo, Vitor Hallack, 62, que fala pela primeira vez sobre o tema.

O executivo afirma que, depois da Lava Jato, situações toleradas no passado, como falta de transparência e relações espúrias, não são mais aceitas. "Se, com tudo isso, nada mudar, estamos fora do mercado."

Única das grandes empreiteiras a admitir participação nos esquemas de cartel e propina na Petrobras e no setor elétrico, a Camargo fez acordos de leniência com o Ministério Público e com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e agora procura acertar sua vida com a CGU (Controladoria Geral da União).

Nesta entrevista, Hallack fala sobre a decisão de fazer os acordos, das medidas tomadas para fortalecer os controles internos e a respeito dos negócios do grupo, que deve faturar R$ 27,6 bilhões neste ano.

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Folha - Das grandes empreiteiras da Lava Jato, vocês são os únicos a admitir pagamento de propina e participação em cartel. Por que desistiram de se defender na Justiça como outros estão fazendo?

Vitor Hallack - Dois de nossos ex-executivos fizeram delação premiada e reconheceram os erros. A gente podia brigar contra as evidências e ficar negando eternamente, dizer que era coisa deles.

Ou podíamos assumir os fatos. Nossos ex-executivos falavam em nome da construtora e reconheceram desvios. Por que a gente ia ficar dando murro em ponta de faca? Preferimos assumir, indenizar e corrigir para o futuro.

Vocês cogitaram abandonar o mercado de obras públicas depois da Lava Jato?

Não. Nossa construtora já virou a página. Acertamos as contas com a Justiça, vamos pagar R$ 804 milhões em indenizações e estamos reforçando os controles para evitar que os erros se repitam.

A questão não é se a obra é publica ou privada. Há muitos projetos públicos redondos. O que queremos são obras que nos permitam trabalhar com transparência.

Mas dá para trabalhar com o setor público sem propina?

Dá. A Lava Jato, o amadurecimento das instituições, os fatos recentes, tudo isso propiciou um grau de conscientização muito grande.

Se, com tudo isso, nada mudar, estamos fora do mercado. Uma coisa posso te assegurar: em qualquer situação que venha a aparecer novamente [parecida com as da Lava Jato], nossa decisão vai ser não compactuar.

Adriano Vizoni/Folhapress
SAO PAULO - SP - BRASIL, 14-11-2014, 06h30: OPERACAO POLICIA FEDERAL. Agentes da policia federal e da receita federal chegaram pela manha ao predio onde fica o escritorio da construtora Camargo Correa, na avenida Brigadeiro Faria Lima, 1663. Eles entraram com os carros no estacionamento e abordavam as pessoas que adentravam ao predio, fosse a pe ou de carro. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, PODER) ***EXCLUSIVO FSP***
Agentes da Polícia Federal e da Receita na sede da Camargo Corrêa, em São Paulo (SP)

O sr. acha que as coisas vão mesmo mudar?

Quando digo que, se não mudar, estamos fora, estou ecoando o universo de investidores que apostam no país. Coisas toleradas no passado não são mais aceitas, como falta de transparência e relações espúrias.

Sem mudar, o país não vai conseguir atrair investimentos. O investidor quer regras claras e transparência. Combater a corrupção é importante, mas nossos problemas não são apenas esses.

Quais são?

A gente precisa profissionalizar o investimento público no Brasil. Criar as condições para ter planejamento com início, meio e fim, com projetos executivos aprovados por todos os órgãos antes de iniciar a contratação.

Você cansou de ver na Lava Jato que as obras começavam apenas com projeto básico, com agendas políticas e não econômicas.

Quando isso acontece, o projeto vai sofrer atrasos e vai haver aquilo que se lê como aditivos desnecessários, que geram aumentos de preços. Quem planeja mal, paga mais caro do que deveria.

Quais são as providências para evitar que tudo se repita?

Primeiro, treinamento em todos os níveis sobre regras, procedimentos, o que pode e o que não pode ser feito. É dar uma mensagem clara sobre tolerância zero.

Nesses treinamentos vocês ensinam que não se pode fazer cartel nem pagar propina?

Claro que sim. Às vezes a gente acha que essas coisas são tão obvias que não precisam ser ditas, mas precisam ser ditas. Para que não fique dúvida.

Além disso, criamos uma vice-presidência de "compliance" [controle interno] e contratamos para a presidência da construtora um executivo que veio da Embraer.

Repare que não promovemos ninguém na empresa, nem no grupo, nem procuramos ninguém dessa indústria. Trouxemos um executivo de fora, com um olhar novo para esse setor.

Fornecedores da construtora dizem que vocês passaram a fazer exigências que antes não havia.

Precisamos conhecer todos os nossos fornecedores. Saber quem são os sócios das empresas, que tipo de pendências eles têm, com quem mais trabalham. Não basta mais atestado de que nada consta contra a empresa.

Em 2010, vocês foram alvo da Operação Castelo de Areia. Embora a investigação tenha sido derrubada na Justiça, não houve indícios que servissem de alerta?

Claro que houve. Daí nossa surpresa de ter tomado conhecimento dos fatos [da Lava Jato] mesmo depois da Castelo de Areia. Não era para ter acontecido.

Depois daquela operação, reduzimos drasticamente nossa participação em obras públicas.

Vocês colocaram à venda a Alpargatas e procuram sócio para a Intercement [cimenteira, o principal negócio do grupo]. Estão encolhendo por causa da crise?

Investimos R$ 9 bilhões lá atrás para comprar a Cimpor [cimenteira portuguesa, que virou a Intercement]. Foi uma opção estratégica para aumentar nossa presença internacional e dobrar de tamanho no Brasil.

Isso aumentou o endividamento, que esperávamos equacionar com desinvestimento [venda de ativos], dívida e a geração de caixa dos próprios negócios.

Mas, com a retração econômica, nossas previsões não se confirmaram e a isso se somou o aumento dos juros.

Estamos com um grau de alavancagem mais alto do que a gente gostaria, mas isso é circunstancial.

Como somos um grupo financeiramente conservador, podemos lidar com o endividamento vendendo ativos ou alongando dívidas. Temos patrimônio sólido.

De quanto é a dívida?

A dívida líquida gerencial é R$ 24 bilhões. A de curto prazo era de R$ 2 bilhões para os próximos 12 meses, mas renegociamos com os bancos e agora o prazo médio é de cinco anos e meio.

O que pode e o que não pode ser vendido?

Não existe o que pode ou o que não pode vender. Tudo depende das oportunidades e dos objetivos.

Na Alpargatas, se vier um preço que a gente ache adequado vamos considerar. Na Intercement, é a mesma coisa, mas queremos manter o controle. A CPFL [energia] e a CCR [concessões na área de transporte] não estão à venda.

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RAIO-X

Vitor Hallack, 62
Origem Juiz de Fora (MG)
Cargo Presidente do Conselho de Administração do grupo Camargo Corrêa
Carreira Foi executivo da Embraer, do Grupo Bozano, Simonsen e da Vale

Grupo Camargo Corrêa /2015
Faturamento R$ 27,6 bilhões
Ebitda R$ 4,5 bilhões
Dívida líquida R$ 24 bilhões
Principais concorrentes Odebrecht, Andrade Gutierrez e OAS


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