Folha de S. Paulo


Não existe mérito em ter nascido inteligente, diz jornalista canadense

Eduardo Knapp/Folhapress
O jornalista Malcolm Gladwell durante entrevista, em São Paulo
O jornalista Malcolm Gladwell durante entrevista, em São Paulo

O jornalista canadense Malcolm Gladwell, 52, tornou-se guru internacional após escrever vários livros sobre sucesso, esforço e inteligência. Segundo a agência de notícias Bloomberg, ele cobra US$ 80 mil por palestra.

O curioso é que sua mensagem não é bem de superação: a distribuição da inteligência e do sucesso é arbitrária e injusta, e toda a dedicação do mundo só mudará uma fração disso. "Se você não tiver sorte, não será o Messi, por mais que treine", diz ele, que veio ao país dar uma palestra na HSM Expomanagement, em São Paulo.

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Folha - Você foi citado na "Intelligent Life" há uns anos como um "jornoguru". O artigo dizia que, enquanto o jornalismo sofria, demitia, superestrelas como você ou Thomas Friedman viravam grifes internacionais e ganhavam dinheiro como nunca com livros e palestras. É inevitável certa elitização da profissão?

Malcolm Gladwell - Isso está acontecendo em muitas profissões. É a "economia de superestrelas" [há pouco sobre isso em português, mas uma busca por "economics of superstars" terá muitos resultados]. Faixas médias estão sumindo, ou você está no topo ou ficará para baixo.

No caso do jornalismo, é muito ruim. A profissão foi devastada. Isso tem consequências para a democracia. Existem razões para pessimismo e otimismo. Nunca um jornal como o "The New York Times" alcançou tanta gente, por causa da internet. Mas ele faz menos dinheiro do que nunca. É maluco: um negócio inacreditavelmente popular e útil, mas que não faz dinheiro!

Falando sobre internet, você dá um conselho de escrita citando o técnico de basquete John Wooden: "Seja rápido, mas não se apresse". E seus textos de fato são longos, percebe-se que você não está muito apressado"... Como é isso na era do Twitter, da atenção pulverizada?

Há muita oportunidade hoje para textos longos. A diferença é que há mais opções. Muita gente costumava ler livros porque não havia mais nada para fazer no seu tempo livre. [Risos.] Mas agora há. Isso aumenta a competição, mas boas coisas serão lidas. Com a tecnologia, você pode ler o que quiser, onde quiser. É uma grande oportunidade.

O livro "Davi e Golias" é sobre o lado bom de ser azarão. Você também fala muito de sucesso, algo que certamente você tem. Receia virar um "Golias"?

Eu tenho certeza de que vai acontecer, que vou deixar de fazer sucesso. [Risos.] Mas eu não me preocupo.

Você tem certeza?

Claro, todo mundo que é popular um dia tem um declínio na sua popularidade. É natural. Os interesses das pessoas mudam, tudo bem. Eu me preparo para esse dia.

O envelhecimento faz com que a gente saiba melhor o que importa para nós. Minha vida tem se tornado mais fácil com os anos. Não tenho mais a mesma ansiedade. Sou um corredor, sabe. Corro desde sempre. É bem melhor a experiência de correr depois dos 50 do que antes. As expectativas são menores, as pessoas, mais amigáveis. É difícil explicar, mas é bom. Há algo sobre lidar com a decadência aí.

Em "Davi e Golias", você faz uma defesa curiosa de que ir a Harvard ou Yale, apesar de ser tudo que os pais desejam para os filhos, pode não ser tão bom.

Sim. O que importa para o aluno é o quanto ele sente ser bom em comparação com o resto da sua sala, não com o resto do mundo. É muito difícil ser um dos piores de uma sala. E, se você for a uma escola de elite e não for muito brilhante, ficará entre os piores. E se você fosse a uma escola intermediária e fosse o melhor por lá? Em Harvard, talvez você fique frustrado, sinta-se incompetente e acabe até abandonando o curso.

Vários estudos mostram que, no longo prazo, estar entre os melhores da turma faz a diferença. Com frequência, é melhor ser peixe grande em um lago pequeno do que peixe pequeno em lago grande.

Isso se aplica a países, não? Em um lugar como o Brasil, onde há bem menos gente qualificada do que nos EUA, a competição nas carreiras é menor. Muita gente importante aqui talvez tivesse que amargar posições de muito menos proeminência em um país desenvolvido.

Há muita gente meio anônima em Nova York ou Londres que, em qualquer outro lugar, seria a melhor na profissão. Mas nessas cidades eles não são. Talvez isso faça com que sejam menos felizes do que seriam em um lugar menos competitivo, onde seriam reconhecidos amplamente.

A gente sempre se compara com quem está ao nosso redor, aos nossos vizinhos, não ao resto do mundo. Isso tem impactos na felicidade.

Você trata em "O Que Se Passa na Cabeça dos Cachorros" de um aluno de Harvard muito cativante e confiante que, ao se formar, teve muitas propostas de emprego, mesmo sem grandes notas ou performance. Muitas empresas, inclusive a minha, usam entrevistas e bancas para contratar. Não deveriam?

Às vezes o carisma é ótimo. Se você procura alguém para marketing, vendas, um professor. Mas e um programador de computador? Talvez você simplesmente não devesse encontrar a pessoa antes de contratá-la, pois vai se deixar levar pelo carisma.

Muito difícil imaginar que alguém vai contratar a pessoa sem antes sentar com ela, não?

Eu sei, mas é melhor! Ao encontrar alguém face a face, cometemos muitos erros. Ficamos seduzidos. Há pessoas incrivelmente agradáveis.

Além do carisma, você fala da inteligência. Impressiona como a capacidade de responder a três questões de lógica pode prever quase tudo na vida de alguém: onde vai estudar, o que lerá, renda. Mas você também fala muito sobre esforço. Quão injusto é o sucesso?

Muito. Quanto mais aprendo sobre o sucesso, mais ele parece injusto. Isso é importante. Esse é um grande argumento por programas sociais.

Em geral não pensamos na distribuição da inteligência, que tem tanto impacto na renda, como algo um tanto arbitrário.

Sim, você simplesmente nasce. Você até pode tentar fazer a inteligência crescer, é possível, mas é difícil. Atletas estão muito mais conscientes de que a distribuição das competências é injusta. Se você pratica esportes desde pequeno, vê que alguns têm mais aptidão. Se você não tiver sorte, você não será o Messi, por mais que treine.

Temos mais dificuldade para colocar a inteligência nesses termos. Quanta justiça há em ter nascido mais esperto?

Você gosta de ideias contraintuitivas. Em "Davi e Golias", diz como é difícil criar filhos sendo rico, como perder o pai ou mãe na infância pode criar personalidades de sucesso. Uma crítica é que às vezes você acaba indo longe demais.

Olha, concordo. Quer dizer, se você só pensa em termos intuitivos, não aprende nada. O trabalho de um escritor não é confirmar o que as pessoas pensam, é desafiá-las.

Mesmo se você estiver errado?

Ao lidar com coisas difíceis e contraintuitivas, às vezes você superenfatiza alguns pontos. É um risco. Mas leitores não são idiotas, entendem se você diz que algumas pessoas têm benefícios ao perder um pai, que isso dá força, mas que não vale para todos.

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  • RAIO-X MALCOLM GLADWELL

Idade: 52 anos

Origem: Nasceu em Gosport, no Reino Unido, foi criado no Canadá e vive hoje em Nova York

Formação: História, pela Universidade de Toronto

Carreira: Foi jornalista de ciência e negócios do "Washington Post" entre 1987 e 1996 e escreve para a revista "New Yorker" desde então

Livros: "O Ponto da Virada", "Blink", "Fora de Série: Outliers", "O Que Se Passa na Cabeça dos Cachorros" e "Davi e Golias" (todos pela Sextante, exceto "Blink", pela Rocco)


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